O crédito do ICMS é uma garantia constitucional do contribuinte (CF, art. 155, § 2º, I). A entrada de mercadoria ou dos insumos para sua fabricação quando tributados dão direito a crédito para compensar o imposto devido na saída subsequente. Todavia, o crédito deverá ser anulado, salvo disposição em contrário da legislação, se na saída subsequente houver isenção ou não-incidência.
Ora, conforme jurisprudência mansa e pacífica do Supremo Tribunal Federal, a redução da base de cálculo constitui caso de isenção parcial. Ou seja, a tributação atinge apenas parte da base de cálculo – “a perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência” (G. Ataliba).
José Souto Maior Borges conceitua a isenção parcial como uma redução tributária em que o efeito liberatório consiste na exigência de pagamento menor ao que sem a isenção esse fato geraria. Nas isenções parciais, surge o fato gerador, constituindo-se, portanto, a obrigação tributária, embora o quantum do débito seja inferior ao que normalmente seria devido se não tivesse sido estabelecido preceito isentivo (BORGES, 2001).
O entendimento jurisprudencial foi confirmado mais recentemente pelo Pleno no julgamento do Recurso Extraordinário 635.688, relator o Min. Gilmar Mendes, reconhecida repercussão geral, DJe 39, pub. em 13-2-2015:
“Recurso Extraordinário. 2. Direito Tributário. ICMS. 3. Não cumulatividade. Interpretação do disposto art. 155, §2º, II, da Constituição Federal. Redução de base de cálculo. Isenção parcial. Anulação proporcional dos créditos relativos às operações anteriores, salvo determinação legal em contrário na legislação estadual. 4. Previsão em convênio (CONFAZ). Natureza autorizativa. Ausência de determinação legal estadual para manutenção integral dos créditos. Anulação proporcional do crédito relativo às operações anteriores. 5. Repercussão geral. 6.Recurso extraordinário não provido.”
Conforme Paulo de Barros Carvalho, citado pelo relator, na isenção a regra matriz de incidência é “mutilada” em algum de seus critérios, para reduzir o valor devido pelo contribuinte (CARVALHO, 2010). No caso em tela, a “mutilação” se deu no critério quantitativo, mediante diminuição da base de cálculo.
Como consequência – e a jurisprudência é nesse sentido – é permitido aos Estados federados exigir a anulação proporcional do crédito quando a operação for beneficiada com redução da base de cálculo. Nesse sentido, dispõe a Lei 10.297/1996 de Santa Catarina:
“Art. 23. O crédito será apropriado proporcionalmente, nos casos em que a operação ou prestação subsequente for beneficiada por redução de base de cálculo, na forma prevista na legislação tributária.”
Pode ocorrer, entretanto, que a legislação garanta a manutenção integral do crédito, usando da faculdade prevista no inciso II do § 2º do art. 155 da Constituição. Nesse caso, o contribuinte fica dispensado da anulação proporcional do crédito.
Poderá também transferir a terceiro esse crédito?
A já mencionada Lei 10.297/1996, no § 2º do art. 31 define que “Consideram-se acumulados, para os fins deste artigo, os saldos credores decorrentes de manutenção expressamente autorizada de créditos fiscais relativos a operações ou prestações subsequentes isentas ou não-tributadas e de diferimento”.
O crédito é dito acumulado quando a saída subsequente não sofrer a incidência do ICMS acumulada com expressa manutenção de crédito. Não é o caso do saldo credor em conta gráfica, resultado das entradas superarem as saídas, mas que continua vocacionado à compensação do ICMS devido. No caso do crédito acumulado, não há débito correspondente a ser compensado.
Se a redução da base de cálculo é caso de isenção parcial, como afirma o STF, razão por que o Estado pode exigir a anulação proporcional do crédito, devemos, por uma questão de coerência, admitir que no caso da legislação garantir a manutenção integral do crédito, a parcela mantida do crédito pode ser transferida a outro estabelecimento do mesmo contribuinte ou, havendo saldo remanescente, a terceiro.
Para melhor visualização, suponhamos que determinada operação seja beneficiada com redução de 30% da base de cálculo. Então, deve ser anulado 30% do crédito correspondente à entrada. Mas, se a legislação que concede a redução da base de cálculo também assegurar a manutenção integral do crédito, 30% do crédito será considerado acumulado e passível de transferência. Pretender o contrário, será adotar dois pesos e duas medidas, sempre a favor do Estado.
Notas e Referências:
BORGES, José Souto Maior, Teoria Geral da Isenção Tributária, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
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