RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA: VARIÁVEIS E CUIDADOS NECESSÁRIOS  

03/07/2022

 Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

Este ensaio pretende enfrentar aspectos ligados ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS), abordando situações diferenciadas que foram enfrentadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos e que provocam análise por parcimônia por parte dos operadores de direito.

Como é sabido, a competência funcional para a apreciação do Mandado de Segurança é estabelecida pela Autoridade Coatora e, neste ambiente, a premissa para o cabimento do RMS é que a competência originária do writ (única instância) seja de Tribunal (local ou Superior). A rigor, este recurso permite mais uma instância ordinária e com amplitude cognitiva, mesmo sendo apreciado pelo STJ ou STF.

É possível afirmar, portanto, que a inauguração da competência dos Tribunais Superiores pode ocorrer mediante Jurisdição Ordinária ou Excepcional, a depender do resultado da apreciação meritória ocorrida em única instância por TJ ou TRF (art. 1.027, I e II, do CPC c.c arts. 102, II, a e 105, II, b, da CF/88, além do art. 18, da Lei 12.016/09).

A indagação a ser feita é se houve ou não o exaurimento da jurisdição ordinária para a inauguração da excepcional, o que ocorre apenas em caso de concessão da segurança. Em caso de denegação da ordem, o impetrante ainda tem a garantia constitucional de mais uma instância recursal ordinária e com amplitude cognitiva (sem os óbices processuais ligados à prequestionamento, impossibilidade de discussão de direito local, repercussão geral, violação direta ao texto constitucional, etc).

Outrossim, se no julgamento do RMS ou do REsp pelo STJ ocorrer violação constitucional e/ou negativa de vigência à CF/88, é cabível a interposição de  RE. Contudo, o Apelo Extremo apenas pode versar sobre questões constitucionais advindas do pronunciamento da Corte da Cidadania e não as provenientes do Acórdão local que apreciou o MS em competência originária.

No tema, vale citar a seguinte passagem:

“1. Somente se admite recurso extraordinário em face de acórdão do STJ se a questão constitucional suscitada tiver surgido, originariamente, no julgamento do recurso especial, o que não ocorre nesses autos. Precedentes. (...)” RE 1104528 AgR – 2ª Turma – Rel. Min. Edson Fachin – J. em 24/08/2020 - DJe 23/09/2020).

Como se pode observar, tudo irá depende do teor do Acórdão local, o que provoca necessário cuidado na apreciação do caso concreto: a) se for concedida a segurança, estará exaurida a jurisdição ordinária, sendo cabível a interposição de REsp e RE, desde que demonstrados os requisitos específicos; b) se for denegada a segurança[1], não é admissível qualquer recurso excepcional, mas sim RMS ao STJ (art. 105, II, b, da CF/88 c.c art. 1.027, II, do CPC) ou ao próprio STF, se o mandamus for decidido em única instância por outro Tribunal Superior (art. 102, II, a, da CF/88 c.c art. 1.027, I, do CPC).

Aliás, não é admitida a fungibilidade entre o RMS (jurisdição ordinária em caso de denegação da segurança) e REsp/RE (jurisdição excepcional a ser provocada em caso de qualquer outra decisão de Tribunal que não seja denegação da segurança em única instância), tendo em vista que é considerado erro grosseiro a interposição de recurso incabível na espécie, provocando a incidência da Súmula 281/STF.

Em recente decisão, entendeu a 2ª Turma do STJ:

“Em se tratando de decisões de conteúdos diversos, a exemplo das decisões interlocutórias e das decisões concessivas de segurança, os recursos cabíveis seguem a disciplina geral do Código de Processo Civil e da legislação processual extravagante. Essa, aliás, é a inteligência do art. 18 da Lei 12.016/2009, segundo o qual "das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada". Na espécie, a parte recorrente interpõe Recurso Ordinário não contra o acórdão denegatório da segurança, mas contra o acórdão que manteve decisão interlocutória que determinara a conversão em renda de depósitos judiciais. Trata-se, pois, de recurso manifestamente incabível, do qual não se pode conhecer. IV. Diante da existência de norma expressa, a afastar o cabimento do Recurso Ordinário, mostra-se inaplicável o princípio da fungibilidade recursal, na espécie” (RMS 67542 / RJ – Rel. Min. Assusete Magalhães – 2ª Turma – J. em 26/10/2021 - DJe 03/11/2021).

Já em caso de decisão em única instância proferida por Tribunal local concedendo parcialmente a segurança (sucumbência recíproca), será possível a provocação do STJ e/ou STF no âmbito da jurisdição ordinária e excepcional simultaneamente, com impugnação específica em relação a cada dos capítulos decisórios.

É importante citar julgado neste sentido:

“2. Na hipótese de concessão parcial da segurança, o recurso manejável pelo impetrado será o especial ou o extraordinário, conforme suas respectivas hipóteses de cabimento, na medida em que somente se insurgirá, por óbvio, em relação aos capítulos concessivos. 3. Descabe a aplicação da fungibilidade entre as espécies recursais ordinária e especial. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no RMS 46642 / SP - Rel. Min. OG Fernandes – 2ª T – J. em 17/09/2019  - DJe 20/09/2019).

De outro prisma, vale chamar atenção de duas outras situações que, apesar de aparente semelhança, são totalmente diferentes em relação à recorribilidade.

Com efeito, levando em conta que se trata de uma garantia constitucional de uma segunda instância ordinária ao impetrante, o RMS é incabível nos casos em que o Órgão Colegiado aprecia recurso de apelação interposto contra sentença concessiva ou denegatória. Logo, caso o MS seja impetrado em Juízo de 1º Grau, após o acórdão de apelação interposto contra a sentença, está exaurida a jurisdição ordinária. Uma coisa é denegar a segurança em única instância pelo Tribunal e outra, totalmente diferente, é a Corte apreciar o recurso de apelação interposto contra a sentença prolatada em MS.

O RMS, portanto, apenas será cabível em caso de apreciação em única instância por Tribunal, com a denegação da segurança, estando o Acórdão que apreciou a apelação (independentemente de seu resultado) sujeito à recorribilidade pela via excepcional, como consta no acórdão abaixo:

“II- É incabível o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança contra acórdão que julga apelação, porquanto ausente provimento judicial de única instância, como prevê o art. 105, II, da Constituição da República: "julgar, em Recurso Ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão“ (AgInt no Ag 1433563 / SP – Rel. Min. Regina Helena Costa – 1ª Turma – J. em 24/10/2017 - DJe 10/11/2017).

Aliás, ainda neste tema, vale destacar que é incabível RMS mesmo nos casos em que a sentença concede a segurança e o Acórdão local, ao dar provimento à apelação, a denega. Neste caso, está exaurida a jurisdição ordinária após a apreciação da apelação, sendo cabível REsp/RE.

Em recente julgado, a 2ª Turma do STJ deixou isso claro, como se observa na seguinte passagem:

“II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é incabível a interposição de recurso ordinário constitucional contra acórdão proferido em apelação, sendo o recurso especial meio próprio para o fim a que se destina, o que afasta a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. III - A despeito do acórdão recorrido ter reformado a sentença concessiva da segurança para denegá-la, o fato é que se trata de decisum proferido pelo Tribunal de Justiça Estadual em apelação em mandado de segurança, não se enquadrando no disposto no art. 105, II, b, da Constituição Federal, que estabelece a competência do STJ para julgar, em recurso ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal em Territórios, quando denegatória a decisão. IV - Contra acórdãos proferidos em apelação em mandado de segurança, os recursos constitucionalmente previstos são o especial e extraordinário, não sendo possível a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, porquanto considerado erro grosseiro. Nesse sentido, é farto e pacífico o entendimento jurisprudencial: (AgInt no RMS n. 58.389/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 10/2/2020, DJe 13/2/2020 e AgInt no RMS n. 62.073/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 1º/3/2021, DJe 5/3/2021).V - Agravo interno improvido” (AgInt no RMS 67359 / MG – Rel. Min. Francisco Falcão – 2ª Turma – J. em 11/04/2022 - DJe 18/04/2022).

Outro aspecto de extrema relevância prática refere-se à aplicação da chamada teoria da causa madura (§§3º e 4º, do art. 1.013, do CPC) no RMS.

Há previsão expressa quanto ao cabimento desta teoria no RMS (art. 1027, §2º, do CPC). Aliás, seu procedimento é semelhante ao da apelação (arts. 33 a 35, da Lei 8038/90), inclusive no que respeita ao único juízo de admissibilidade (art. 1028, §3º, do CPC).

O STJ, aplicando seu Enunciado Administrativo nº 2 (recursos interpostos antes do CPC atual - incidência do CPC de 1973), entendeu pela impossibilidade de sua aplicação no RMS (AgInt no RMS 50749 / SP – Rel. Min. Benedito Gonçalves – 1ª T – J. em 14/06/2021 - DJe 16/06/2021 – com indicação de vários julgados no mesmo). Contudo, no novo ambiente processual, há precedente consagrando a possibilidade de aplicação da teoria no RMS interposto após o início de vigência do CPC, senão vejamos:

“APLICAÇÃO DA CAUSA MADURA - ART. 1.027, § 2º, DO CPC/2015 - INEXISTÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS 4. Como o presente recurso foi interposto na vigência do CPC/2015 e a recorrente pugna pelo seu provimento para que seja ordenada a suspensão do ato coator com o restabelecimento da pensão, aplica-se ao caso a teoria da causa madura, nos termos do art. 1.027, § 2º, da citada codificação”. RMS 59709 / RS – Rel. Min. Herman Benjamin – 2ª Turma – J. em 19/05/2020 - DJe 25/06/2020.

O derradeiro aspecto a ser tratado neste ensaio, também parte da leitura do mesmo art. 1027, §3º, do CPC (incidência do art. 1.029, §5º, do CPC no que respeita à tutela provisória recursal).

A questão a saber é a seguinte: qual o Órgão Jurisdicional competente para a apreciação da tutela provisória no âmbito do RMS? No ponto, o legislador processual uniformizou o procedimento no RE, REsp[2] e ROMS e seguiu o entendimento previsto nas Súmulas 634 e 635/STF.

Imagine um MS impetrado em TJ com tutela provisória liminar concedida e, posteriormente, com Acórdão denegando a segurança e com expressa revogação da ordem anterior. Além de interpor o RMS, deve o interessado analisar a possibilidade de apresentação de incidente pleiteando a concessão de efeito suspensivo e, consequentemente, a permanência da tutela provisória anteriormente concedida.

No caso, é importante novamente indagar: em qual momento inicia a competência jurisdicional do STJ ou STF para a apreciação da tutela provisória recursal (efeito suspensivo no RMS)? Enquanto isso não ocorre, o requerimento deve ser formulado no âmbito do Tribunal local (art.1.029, §5º, do CPC)[3], exceto em situações absolutamente excepcionais e com a presença de requisito a mais (teratologia da decisão impugnada)[4].

A 3ª Turma do STJ bem enfrentou a questão, como se observa na seguinte passagem:

“1. A competência do STJ para analisar o pedido de atribuição de efeito suspensivo a recurso ordinário constitucional nasce após a conclusão da tramitação do recurso no Tribunal de origem (arts. 1.027, § 2º e 1.029, § 5º, III, do CPC/2015). Excepcionalmente, é possível o exame do pedido de tutela provisória diretamente por este Tribunal caso evidenciada a teratologia da decisão impugnada e, cumulativamente, se estiverem presentes a plausibilidade do direito alegado e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação. 2. Evidenciados esses requisitos, é de rigor a manutenção da decisão agravada. 3. Agravo interno não provido” (AgInt no TP 2522 / AM – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª Turma – J. em 01/03/2021 - DJe 03/03/2021).

Estas são algumas reflexões acerca das múltiplas variáveis que podem ocorrer e devem ser objeto de profunda e cautelosa análise no que respeita ao RMS.

 

Notas e Referências

[1]       Por analogia, também será cabível RO nos casos de extinção do processo sem resolução do mérito previstos no art. 485, do CPC. Sobre o tema, vale citar dois julgados do STF: RMS 22295/ DF – Rel. Min. Marco Aurélio – DJ 30-06-2000; RMS 23566/DF – Rel. Min. Moreira Alves – DJ 12-04-2002).

[2] ARAÚJO, José Henrique Mouta. Tutela provisória no recurso especial e algumas variáveis, segundo o entendimento do STJ. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/340158/tutela-provisoria-no-recurso-especial-segundo-o-entendimento-do-stj. Acesso em 11.05.2022.

[3] “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NÃO REALIZADO NA ORIGEM. INCOMPETÊNCIA. 1. Não detém o Supremo Tribunal Federal competência para apreciar pedido de tutela provisória incidental vinculado a recurso extraordinário cuja admissibilidade ainda não tenha sido realizada na origem, haja vista que a demanda está submetida à sistemática da repercussão geral. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com determinação de baixa imediata dos autos” (ARE 1114877/STF – 2ª Turma – Rel. Min. Edson Fachin – J. em 24/08/2018 – DJe 03/09/2018).

[4] “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. TUTELA PROVISÓRIA. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. TERATOLOGIA. AUSÊNCIA. ART. 1.029, § 5º, DO CPC/2015. SÚMULAS 634 E 635 DO STF. 1. Consoante o disposto no art. 1.029, § 5º, do CPC/15, que positivou a orientação jurisprudencial contida nas Súmulas 634 e 635/STF, a competência do STJ para a concessão de efeito suspensivo a recurso especial instaura-se após o prévio juízo de admissibilidade no Tribunal de origem. 2. A jurisprudência desta Corte somente admite a mitigação desse entendimento, para que seja concedido efeito suspensivo a recurso especial ainda pendente do prévio juízo de admissibilidade ou mesmo não interposto em hipóteses excepcionais, quando, além do periculum in mora e do fumus boni iuris, for demonstrada a teratologia da decisão recorrida (...)” (STJ - AgInt no TP 2616 / SP – Rel. Min. Nancy Andrighi – 3ª T – J. em 08/06/2020 - DJe 10/06/2020).

 

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