Recorribilidade por agravo de instrumento da decisão que decreta a revelia    

21/10/2020

É antigo e delicado o problema da recorribilidade das decisões interlocutórias, conforme lição de Barbosa Moreira. As principais inquietudes dizem respeito às hipóteses de cabimento do recurso, à forma de processamento e à aptidão para suspender os efeitos da decisão recorrida.[1]

O regime da ampla recorribilidade das decisões interlocutórias – mediante o recurso de agravo de instrumento ou retido –, que era a regra no texto original do CPC/1973, sofreu paulatinas restrições ao longo do tempo – vide as Leis nº 9.139/1995, 10.352/2001 e 11.187/2005. Essa tendência da eliminação do agravo se acentuou no CPC/2015 graças à extinção do agravo retido e, principalmente, à limitação do cabimento do agravo às hipóteses expressamente previstas em lei.[2] É o que esclarecem Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“[...]. Atento a essa experiência, o CPC/1973 previu a recorribilidade de todas as interlocutórias, ao determinar que, da decisão interlocutória (CPC/1973 162 § 2.º) caberia agravo (CPC/1973 522). A crescente litigiosidade e cultura demandista existente no Brasil fez com que a recorribilidade pelo agravo, no sistema do CPC/1973, atingisse proporções numéricas bastante significativas, quase que paralisando a atividade jurisdicional nos tribunais. Essa é a razão pela qual o CPC prevê, agora, agravo de instrumento apenas em algumas hipóteses, taxativamente enumeradas no CPC 1015.”[3]

Entretanto, o STJ fixou o entendimento segundo o qual é possível a interposição do agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente de decisão que cause lesão grave e/ou de difícil reparação à parte, conforme o Tema Repetitivo 988, pois sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol  seria  absolutamente  taxativo  e  que deveria ser lido de modo restritivo”, reconhecendo-se que o rol da lei possui uma  “singular espécie  de  taxatividade  mitigada  por  uma cláusula  adicional  de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas  fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo".[4]

Logo, no tocante às hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, o rol legal é de taxatividade mitigada, admitindo-se a interposição do recurso quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. Essa mitigação da taxatividade torna pertinente o debate a respeito da recorribilidade da decisão interlocutória que decreta a revelia, ou seja, se essa decisão admite insurgência imediata por agravo ou se deve a parte aguardar para questionar a revelia em sede de preliminar de apelação ou nas contrarrazões (art. 1.009, § 1º do CPC).

O atual Código afasta a necessidade de interposição imediata de recurso para impedir a preclusão. Todavia, se a matéria decidida incidentalmente não autorizar a interposição do agravo – por não constar do rol do art. 1.015 e nem for urgente –, a parte prejudicada deve aguardar a prolação da sentença para, em preliminar de apelação ou nas contrarrazões, requerer a sua reforma.[5]

O art. 344 do CPC define a revelia como a inatividade do réu consubstanciada na ausência de contestação. Uma vez caracterizada a revelia, desde não incidam as exceções do art. 345 e que estejam presentes os pressupostos autorizadores da resolução do mérito, incide o seu efeito material consistente na presunção da veracidade dos fatos alegados pelo autor. Além disso, se extemporânea a contestação, entende-se que deve ela ser desentranhada dos autos.[6]

Se o efeito material da revelia pode acarretar a supressão da fase probatória pela incidência da presunção de veracidade dos fatos articulados na petição inicial, bem como autorizar o desentranhamento da contestação intempestiva, com inegáveis prejuízos ao direito de defesa e à atividade probatória do réu – até mesmo a perda da prova –, há de se reconhecer, nesse caso, a existência de urgência que autoriza a interposição do agravo. Nessa linha:

“Agravo de Instrumento. Decisão agravada que decretou a revelia do ora agravante, ante a nulidade da citação. Inconformismo do mesmo. [...]. Todavia, na hipótese em tela, o referido vício sequer foi apreciado pelo Magistrado a quo, que, valendo-se da certidão de intempestividade da contestação, decretou a revelia do espólio, o que merece ser corrigido. Provimento do recurso, para o fim de cassar a decretação de revelia do ora agravante.”[7]

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO AGRAVADA QUE DECRETOU A REVELIA DA RECORRENTE E DETERMINOU O DESENTRANHAMENTO DA CONTESTAÇÃO TIDA COMO INTEMPESTIVA. DESNECESSIDADE DA PEÇA DE DEFESA. REFORMA DO JULGADO Inconformismo recursal restrito à determinação de desentranhamento da peça de contestação apresentada a destempo. Decisão que merece reforma, não só porque dentre os efeitos materiais e processuais da revelia não se encontra o desentranhamento da contestação intempestiva, como também porque o revel pode intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar, de modo que a contestação apresentada a destempo, embora imprestável como contestação, deve ser recebida como peça que veicula uma intervenção do revel no feito, sendo útil para, eventualmente, alertar o Juízo sobre matérias de ordem pública, por exemplo, além de não se poder olvidar que o efeito material da revelia faz presumir apenas a veracidade dos fatos afirmados pelo autor, e não o direito. Precedentes. PROVIMENTO DO RECURSO.”[8]

Ainda nesse sentido, para conhecer e negar provimento ao agravo: TJ/RJ, 5ª Câmara Cível, AI 0023995-42.2020.8.19.0000, rel. Des. Henrique Carlos de Andrade Figueira, j. 26.05.2020; TJ/RJ, 27ª Câmara Cível, AI 0052747-58.2009.8.19.0000, rel. Des. Lúcia Helena do Passo, j. 12.05.2020.

Portanto, sob o prisma da urgência decorrente da perda da prova e do grave efeito consistente no desentranhamento da contestação extemporânea dos autos, justifica-se a recorribilidade imediata, por agravo de instrumento, da decisão interlocutória que decreta a revelia, afastando-se, com isso, a incidência do art. 1.009, § 1º do CPC.

 

Notas e Referências

BARBOSA MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v.5.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Os efeitos da revelia no novo Código de Processo Civil.  Revista Consultor Jurídico, p. 11.07.2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jul-11/paradoxo-corte-efeitos-revelia-novocodigo-processo-civil>. Acesso em: 18.10.2020.

OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil: tutela executiva e tutela recursal. São Paulo: Verbatim, 2018, v. 3.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 17. ed. São Paulo: RT, 2018.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. 3.

[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 5, p. 488.

[2] “A análise das limitações estabelecidas pelos textos legais demonstra, à evidência que houve uma evolução do instituto no sentido de restringir a liberdade que as partes tinham para impugnar decisões interlocutórias, ...” (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil: tutela executiva e tutela recursal. São Paulo: Verbatim, 2018, v. 3. p. 740.).

[3] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 17. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 2.328-2.329

[4] STJ, Corte Especial, REsp 1.704.520/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/12/2018, p. 19/12/2018.

[5] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. 3. p. 1.014.

[6] CRUZ E TUCCI, José Rogério. Os efeitos da revelia no novo Código de Processo Civil.  Revista Consultor Jurídico, p. 11.07.2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jul-11/paradoxo-corte-efeitos-revelia-novocodigo-processo-civil>. Acesso em: 18.10.2020.

[7] TJ/RJ, 12ª Câmara Cível, AI 0048434-54.2019.8.19.0000, rel. Des. Geórgia de Carvalho Lima, j. 12.05.2020.

[8] TJ/RJ, 24ª Câmara Cível, AI 0003800-36.2020.8.19.0000, rel. Des. Alcides da Fonseca Neto, j. 08.04.2020.

 

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