Receita de ovos fritos, arregimentações retóricas e decisões judiciais

07/10/2016

Por Katarina Peixoto - 07/10/2016

Depois de ler a decisão colegiada do TRF da Quarta Região, quanto à representação de advogados contra a conduta do juiz Sergio Moro,[1], fui assaltada por uma pergunta: se um juiz ou desembargador brasileiro prescrever uma receita de ovo frito e, com base nela, autorizar a que se enjaule um cidadão antipático à opinião do Jornal Nacional e da Revista Veja, por que razão ele não estaria autorizado a fazê-lo? Esta não é uma pergunta retórica, e infelizmente, como tentarei esclarecer, no texto a seguir.

Há ao menos três casos, a seguir brevemente comentados, que tornam essa uma questão de natureza lógica, jurídica, democrática e urgente. Trata-se de três casos em que, documentadamente, decisões judiciais romperam com os limites concedidos a hermenêuticas, as quais nunca deixaram de contemplar critérios de verdade em sua economia interna. Tomados em conjunto, esses três percursos de decisão configuram etapas desveladoras de miséria intelectual convertida em ameaça à ordem constitucional e às instituições do país. E, ao se levar em conta o estatuto social e jurídico dos seus protagonistas, essa miséria se evidencia como ameaça ao estado de direito, quando menos, pela ausência de accountability[2] dos agentes envolvidos.

Para começar, é preciso esclarecer que temos razão em partir de um problema clássico e milenar sobre o estatuto e o escopo dos enunciados falsos. A lógica não é a política e nem o direito e um domínio de conhecimento não se reduz, absolutamente, a outro. A lógica, no entanto, bem como a filosofia, em regra, ajudam a prevenir, e a detectar a falta de sentido, de veracidade e de racionalidade, em textos, enunciados e ações. Não raro, por isso, suas regras são acolhidas em sistemas legais e constitucionais, bem como em teorias processualistas. A lógica e a argumentação racional também permitem iluminar a realidade cotidiana e não há teórico contemporâneo da democracia que não considere o caráter deliberativo e discursivo como constituintes da esfera de representação da vida dos direitos, em sociedades estáveis e estruturadas segundo o império da lei.

O problema dos enunciados falsos é que, mesmo quando eles fazem sentido, eles são difíceis de serem identificados, não tanto na sua falsidade, mas na função desta, no contexto do juízo. Não se trata de um problema puramente moral, do tipo por que mentimos?. O fato é que enunciados falsos fazerem sentido não é um problema menor e não é tampouco trivial o tipo de dificuldade por eles acarretada; uma delas, para começo de conversa, é esta: por que há enunciados falsos e por que se pode falar, com veracidade e razoabilidade, do que não existe? Um dos Diálogos platônicos de maturidade, O Sofista, é dedicado ao estatuto lógico dos enunciados falsos e dos enunciados a respeito do que não é (não existe mais, nunca existiu ou não existirá, como, digamos, unicórnios). Desde O Sofista, avançamos na literatura secundária mas, como todo problema filosófico nos exige, não há uma solução para o estado do problema e, vale dizer, não deve haver. A filosofia não existe para resolver os problemas do verdadeiro e do falso, do que existe e do que não existe, mas para nos ajudar e entender e a descrever a natureza e o escopo desses problemas e, também, do modo como eles são apresentados, inclusive na vida cotidiana, frente ao poder político e ao direito.

Existe interpretação e há teorias da interpretação, as chamadas hermenêuticas. Existem distinções de método. Essas coisas não anulam e nunca anularão a ruptura entre o verdadeiro e o falso e, se o fizerem, nem são interpretação, nem hermenêutica, mas desonestidade (intelectual, política, funcional, moral, enfim, desonestidade ecumenicamente distribuída), quando não, crime, caso envolvam violação documental e ideológica, tipificadas no código penal brasileiro, ou o uso mal intencionado e vil de enunciados textuais, a fim de cometer atos sem amparo legal.

Há três casos de falsificação que, pretendo argumentar, extrapolam em muito a complacência estamental da hermenêutica jurídica e que dão a ver a seriedade dessa questão (sobre ovos fritos) acima. São três casos em que teorias e análises são reivindicadas por juízes brasileiros através de um expediente de falsificação de seu sentido, de um, digamos, sacrilégio semântico de alto impacto na vida concreta dos direitos fundamentais. Trata-se de três casos em que pessoas foram presas, juiz alterou o conteúdo semântico, precisamente modal, de um enunciado e, finalmente, em que um juiz foi, inclusive por um colegiado, autorizado a delinquir. Como os três casos envolvem direitos fundamentais e a ordem democrática, e como estão imediatamente vinculados à ruptura da ordem constitucional em curso no país, eles merecem atenção e tratamento.

Primeiro caso: falsificação do sentido do instituto do “Domínio do Fato” (Tatherrschaft), de Claus Roxin

Por ocasião da Ação 470, o caso do mensalão, um ministro do STF arregimentou e violou o sentido de uma doutrina, para produzir sua acusação. O instituto jurisprudencial alemão do "domínio do fato", inventado e utilizado, no curso do julgamento brasileiro, como mera arregimentação, é, em termos estritos, uma falsificação do que Roxin produziu. Na sua versão brasileira, o que ocorreu foi mais grave, em termos lógicos e penais, do que uma dublagem: a arregimentação serviu para se inventar uma teoria penal da responsabilidade objetiva que não visa a, como manda a filosofia penal moderna e o direito penal brasileiro e a teoria de Roxin, buscar a pessoa ou as pessoas de direito que cometeram o crime (com base na identificação particular, subjetiva, no encadeamento de responsabilidade diante de crimes de magnitude e escopo coletivo), mas a atribuir à (peculiar) noção de objetividade ali exposta uma totalidade adhoc tal, que configura um crime coletivo (vai sem dizer, de tipificação ausente na lei), por associação qua associação (a finalidade, elemento constitutivo da imputação penal, está suposta na mera associação, algo nunca visto em regimes constitucionais). Esse deslize, da busca do sujeito para a invenção de um coletivo culpado, por mera associação, a despeito de finalidades provadas, resultou na abertura de portas, na permissão, de fato, a que outra aberração passasse a vigorar: o crime cometido por CNPJ[3], o que é o mesmo que um crime sem sujeito de ação penal.

Que uma mídia familiar oligárquica, sonegadora e vinculada a regimes de exceção e deles advogada permanente faça isso, não surpreende. Que isso entre para a jurisprudência brasileira por meio da violação semântica de teses filosóficas e de análises científicas é temerário e fator de desconfiança, instabilidade institucional e periculosidade. Condições de sentido são o que permite dizer se um enunciado é verdadeiro ou falso. Enunciados sem sentido não podem, por óbvio, sê-lo. Enunciados falsificados, assim, ameaçam e incorrem no risco, não apenas de violar a verdade do enunciado falsificado, como, nesse expediente, inviabilizar o sentido do instituto jurídico em questão, como ocorreu no caso da Ação 470. Ainda assim, essa arregimentação, na medida exata em que não passa disso, pode fazer algum sentido, como falsidade e com o peso e a delirante figura do crime de coletivo, qua coletivo. O acusador sofista, aposentado após a prestação de seu serviço, ao menos se retirou de cena; a falsidade que cometeu segue em vigor e já baseou, se assim se pode dizer, pedido de prisão e efetuação de prisão de militantes do Movimento Sem Terra, no Estado de Goiás, recentemente[4].

Caso 2: A falsificação de uma descrição pelo Juiz Sérgio Moro.

Outra falsificação grotesca, também de escopo corrosivo da vida institucional do país, foi cometida pelo Juiz Moro, quase dez anos anos de iniciada a Operação Lava Jato. Ele conseguiu transmutar a descrição, feita por Alberto Vannuci, o cientista político italiano, autor dos estudos O Fracasso da Operação Mãos Limpas e o The “clean hands” (mani pulite) inquiry on corruption and its effects on the Italian political system (A investigação ‘Mãos Limpas’ (Mani Pulite) da corrupção e os seus efeitos no sistema político italiano)[5], de que a operação teria resultado na deslegitimação da elite política e partidária do país e propiciado a emergência de atores políticos paradoxalmente envolvidos na assim chamada corrupção sistêmica, numa defesa da deslegitimação da política, como se pode verificar no seu artigo, escrito em 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, onde está escrito: “O processo de deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operação Mani Pulite”, diz ele. E assim procura, com a colaboração da mídia, angariar uma imagem positiva dos juízes perante a opinião pública, uma vez que acredita que “a opinião pública é essencial para o êxito da ação judicial” [6].

Da conclusão de uma análise se passa ao reconhecimento e à vindicação do seu escopo normativo. O que autoriza esse passo hermenêutico, no âmbito das atribuições do poder judiciário brasileiro? Ora, dizer que algo produziu a deslegitimação da política não é, por critério algum, dizer que algo deve produzir a deslegitimação da política. Segue-se, trivialmente, que a identificação de ambos os enunciados implica uma falsificação do sentido do enunciado original[7].

Caso 3:  A falsificação de segunda ordem que autoriza a um par a cometer delitos tipificados

O terceiro é mais grave. Não só pelo seu caráter recente, mas pelo desprezo reconhecido, em colegiado de segunda instância federal, de qualquer noção de accountability, a terceira falsificação semântica é especialmente estarrecedora, porque recorre a uma citação ela mesma falsificadora, também de ex-ministro do STF, que cita um filósofo italiano da escola heideggeriana Giorgio Agamben e consegue citá-lo como dizendo o oposto do que ele de fato diz. Os desembargadores federais não titubearam, dado o caráter contraintuitivo da interpretação (como seria razoável supor que um ministro do Tribunal Constitucional do país defenda a tese fascista e anticonstitucional, de que a exceção existe para situações excepcionais? O que pode ter feito o desembargador autor do voto e os seus colegas não suspeitarem do escândalo hermenêutico ali cometido, na hipótese do benefício da dúvida ser levado em conta?), e, sem o mais elementar constrangimento, citaram o texto em que a violação do texto do Agamben é cometida, para referir a decisão, não na teoria que diz referir, mas na citação de um colega, que já havia cometido violação semântica anterior.

E fizeram isso para autorizar a que um juiz viole, incorrendo em conduta tipificada, a lei, com impacto sobre direitos fundamentais de cidadãos. A Lei Orgânica da Magistratura veda as condutas delinquentes nunca denegadas, nem pelo juiz, nem pelos seus pares, e é com base nela, como está expresso na nota 1, acima, que advogados representaram ao Tribunal Federal. Quer dizer, os senhores desembargadores (com uma honrosa exceção, semanticamente bem situada), não somente arregimentaram um filósofo, violando a sua tese, como o fizeram por segunda mão, via Apud, de texto cometido por um ex-ministro do STF, Eros Grau, responsável pela primeira violação semântica da teoria[8]. O texto de Agamben, em questão, tem boa tradução para o português e contém uma teoria e um método característicos da filosofia do italiano.

Sabe-se que o tratamento que Giorgio Agamben concede à exceção é orientado por duas leituras. A primeira é uma compreensão heideggeriana da "negatividade", que é um problema técnico-filosófico implícito e pressuposto no pensamento de Agamben, aluno e filiado à tradição heideggeriana e a segunda é o diálogo intenso e esotérico - com s, quer dizer, interno, não arregimentável por uma leitura externa e fácil - entre dois teóricos da exceção: um teórico que fez sucesso na experiência da hecatombe do século XX, o nazi-fascismo, e o outro, que foi massacrado. Ambos, Carl Schmitt e Walter Benjamin, compreendiam que deve haver uma (cada uma característica do pensamento de cada um) vigência da força ou da violência, sobre as relações normativas disposicionais, isto é, do direito positivo submetido a uma ordem constitucional.

Para Schmitt, essa exceção é uma autorização embutida como força na lei. A prioridade da força política ou estatal é tal que pode demandar inclusive uma "constituinte total" para se ajustar a essa demanda, que estaria aí para garantir, no limite (sempre é isso), o poder do direito. O direito, assim, é ele mesmo exceção.

Para Benjamin, essa exceção se constitui como "violência revolucionária", um estado permanente de suspensão, teologicamente fundamentada, da estabilidade. A estabilidade seria de alguma maneira ela mesma a morte de toda vindicação de natureza jurídica – no limite, sempre de ordem moral, segundo o filósofo alemão. É um conceito difícil e que pode levar a mal entendidos, entre outras coisas, porque Benjamin é um idealista em termos de teoria da história, aliás, porta uma teologia messiânica da história, que nos permite entender o sentido em que defendia uma exceção. A exceção benjaminiana seria uma espécie de irrupção de natureza moral e teológica, autorizada, na vindicação da justiça, a desestabilizar a lei positiva, sempre derivativa porque, como vai sem dizer, refratária às demandas da eternidade, na qual as pendências dos oprimidos de toda a história seriam redimidas.

Agamben percebe, de alguma maneira, um ponto em comum que faz com que ambos tenham travado uma intensa correspondência. E o seu trabalho, quanto ao tema, é buscar nessa interlocução (extremamente honesta, vale dizer) entre Benjamin e Schmitt o locus da exceção.

Agamben entende que a exceção é uma espécie de "marca" de origem, uma doença congênita da legalidade moderna. Nesse diálogo ele reconhece duas expressões que teriam constituído essa marca, na modernidade. A primeira, numa teoria da política no direito e a segunda, de uma teoria da moral na política, de origem pouco clara e messiânica. A exceção constituiria uma espécie de ajuste do direito moderno que abarcaria ou aceitaria e conteria a violência como autoridade autolegitimada (pela força!) na lei.

Como se dá e em que consiste esse "ajuste"? Na inclusão pela negação. A expressão "negação" quer dizer, aí, que a presença, isto e´, a "positividade" da exceção, no direito, seria dada por meio do seu escamoteio, ou "domesticação" aparente. Esta inclusão não anula o traço negativo exatamente porque este traço é mais forte que a mera positividade do direito. Nessa tomada de partido de método, o não eliminativismo também comparece como característico do pensamento de Agamben (não sei dizer se segundo Heidegger). Não há, para o filósofo italiano, eliminativismo na descrição de regras e condutas. Assim, vale um ecumenismo galáctico, difícil e que exige interlocutores e compromissos estéticos e de erudição não de pouca monta.

A exceção é uma descrição, pretende Agamben, de um problema, de um mal característico das democracias constitucionais. Essa negatividade é, por mais paradoxal que soe, a força autorizada a prevalecer sobre a lei, no interior da própria ordem do direito. A força da lei é, segundo Schmitt, a força sobre a lei, lá no jogo constitutivo da regra, da norma constitucional e infraconstitucional. Ou é, segundo Benjamin, a força moral sobre a lei, lá no jogo constituído da regra, na norma fundadora das comunidades e da administração de sua vida comunitária.

Agamben não oferece uma solução, mas defende, como sempre faz, um método de identificação daquilo que, na ordem jurídica e constitucional, recepciona a violência da supremacia da força sobre a lei, a partir da análise que faz das duas leituras e defesas da exceção.

O ex-ministro Eros Grau comete a inversão completa e falsificadora do sentido de "exceção jurídica" analisado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben. E os desembargadores do TRF4 levam e seguem, ao pé da letra invertida, a falsificação semântica elementar e intuitiva a sério, para referirem decisão que autoriza um par a delinquir, não por ser tal conduta, tipificada na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, reconhecida como um mal feito, mas como um mal necessário, com base na arregimentação de segunda ordem, despudoradamente ratificada.

Trata-se de uma falsificação de segunda ordem, para escândalo de qualquer pessoa letrada. Essa falsificação é grave e nos leva a muitas questões, igualmente graves: se e quantos outros casos há, de falsificações gritantes de teorias, arregimentadas por juízes que não respondem pelo que fazem, não prestam contas a ninguém e, por isso, mandam para a cadeia e inviabilizam a vida de quem for?

Considerações finais

Enganam-se os que pensam que isso vai parar ou que isso é só contra o PT e seus dirigentes. Essa ingenuidade não tem o menor cabimento, quando juízes não se envergonham de falsificar teorias, prender sem provas e dizendo que a falta de provas é motivo para prender.

Pode ser analfabetismo funcional, pode ser ignorância, pode ser miséria intelectual carregada do câncer residual, da cultura bacharelesca de colônia escravocrata. Há muitas hipóteses que exigem o acompanhamento judicioso do que juízes dizem que usam como fundamento de suas decisões e o que procuradores e promotores usam para fundamentar suas denúncias. É com efeito, e por exemplo, um tanto enigmático que alguém que denega a existência pregressa dos dinossauros ou o legado epistêmico do darwinismo possa saber em que consiste uma relação de causalidade, de inferência e de probabilidade. É mais do que isso, é custoso de crer.

Descrever algo requer compromissos semânticos explícitos. Se, por exemplo, digo: "a teoria do domínio do fato é o modo de fritar ovos", estou dizendo que essa teoria, não uma outra, é o modo, não nenhum outro, de fritar ovos. Se esse não é o modo de fritar ovos, incorro em falsidade, isto é, enuncio algo falso, mesmo que possa fazer tanto sentido como um ou o modo x de fritar ovos. Mas uma criança em idade escolar pode distinguir sem problema algum entre "o modo de fritar ovos" e "o modo como se deve fritar ovos". Uma criança saberá que essas frases e seus enunciados não são idênticos e que, portanto, identificá-las é errado.

De que natureza é esse erro? Esta pergunta oferece, para a resistência democrática, uma agenda estudos e pesquisa. Será preciso investigar, aí, o conceito e a função dessa falsidade, desse erro. E esses estudos aguardam, há muito, a atenção e a dedicação que o tema reclama. Porque estão em jogo não somente princípios lógicos, questões e problemas semânticos, mas a dignidade da pessoa humana, princípios fundamentais e a ordem constitucional do país.

Afinal, proposições falsas podem fazer sentido, mas não ciência. Proposições falsas e verdadeiras não podem e não devem ser transportadas, sem filtros, como os das prerrogativas fundacionais do estado de direito e dos direitos fundamentais, para o âmbito judicial. Proposições falsas não podem mandar ninguém preso e nem fundamentar o enjaulamento de pessoas. Aí, erros lógicos podem acarretar, mesmo na hipótese de boas intenções, por mais duvidoso que isso soe, um contorno grave: ele serve ao delito, ao crime, ao arbítrio.

Agora respondam: por que um juiz brasileiro não pode enviar alguém para a cadeia ou autorizar a delinquência de um par, com base na receita de ovo frito?

Com base nesses comentários, podemos ainda dizer que a crise brasileira derivada do afastamento ilegal de presidenta eleita, há pouco, e sem ter cometido crime algum, é um acontecimento estritamente derivado de uma realidade parlamentar? Qual é, afinal, o critério de validade que fundamenta decisões judiciais como algo juridicamente distinto do comando de fritar ovos? E por que e como se pode identificar, como Agamben nos ensina, que medida essa pergunta de aparência culinária não é um mero exercício ou uma perfomance retórica?


Notas e Referências:

[1]     Conforme informa o TRF4: http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=12276 “Trata-se de recurso dos advogados Gomercindo Lins Coitinho e Outros contra decisão do Corregedor-Regional da Justiça Federal da 4ª Região, no que determinou o arquivamento da representação apresentada pelos recorrentes visando: (I) à instauração de processo administrativo disciplinar contra o juiz federal Sérgio Fernando Moro, conforme previsto nos artigos 402 e seguintes do Regimento Interno do TRF da 4ª Região, (II) ao afastamento cautelar do mesmo magistrado até a decisão final do processo disciplinar, com base no artigo 405 do Regimento Interno do TRF da 4ª Região, (III) à imposição de medidas disciplinares cabíveis por violação ao artigo 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC nº 35, de 1979) e aos artigos 25 e 12 do Código de Ética da Magistratura Nacional, (IV) à averiguação de ocorrência de infração ao disposto na Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, (V) ao envio de cópia da representação à Corregedoria Nacional de Justiça, à vista do disposto no artigo 19 da Resolução nº 59 do mesmo órgão, (VI) ao envio de cópia da representação à autoridade competente para a investigação sobre cometimento do crime do artigo 325 do Código Penal, (VII) à publicação de atos decisórios com fundamentação clara, explícita e congruente, conforme o artigo 50 da Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784, de 1999). Por meio da referida representação, os ora requerentes questionam, em síntese, ...a adequação às disposições do Estatuto da Magistratura e do Código de Ética dos Magistrados das decisões proferidas nos autos do expediente judicial [pedido de interceptação telefônica no âmbito da chamada "Operação Lava-Jato"] pelo Juiz Federal Sérgio Moro, especialmente i) a manutenção nos autos de áudio de comunicação telefônica interceptada sem ordem judicial - porque ocorrida posteriormente à determinação de interrupção da medida investigatória ; ii) a manutenção nos autos de áudios cujos conteúdos mostram-se totalmente desvinculados do objeto da investigação, não havendo qualquer ligação, sequer reflexa, com as supostas práticas criminosas investigadas; iii) o levantamento do sigilo judicial dos expedientes, o que resultou na ampla e imediata divulgação dos áudios - inclusive daquele gravado sem ordem judicial e assim esmo mantido nos autos - nos veículos de comunicação social, os quais, como se pode perceber da escuta dos diálogos, em nada se relacionam com o objeto da investigação (representação, páginas 9, final e 10, início)”.

[2]     A palavra “accountability” deve ser aqui mantida em inglês, visto que tem um sentido mais forte que o da responsabilidade. Abarca um dever de responsabilidade de natureza funcional de transparência e prestação de contas, isto é, justificação legalmente amparada, de condutas de servidores do estado.

[3]     Um dos indícios do vigor de fato desta aberração está nos impedimentos a acordos de leniência para empresas cujos executivos ou sócios tenham cometido crime. Esse tipo de aberração está em pleno vigor, na Operação LavaJato, após as encenações da versão brasileira do instituto elaborado por Roxin.

[4]     Ver: http://www.viomundo.com.br/denuncias/juiz-de-goias-enquadra-militantes-do-mst-em-organizacao-criminosa.html

[5]     O artigo, em inglês, está nesta coletânea, pp 62-68: http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/edicao/EM-DEBATE-ABRIL-2016-FINAL.pdf Aqui se pode ler o próprio Vanucci citando a si mesmo, no célebre artigo sobre o Fracasso da Operação Mãos Limpas. “O escândalo de corrupção e a consequente deslegitimação da elite política provocou uma crise e uma drástica transformação do sistema partidário, com a emergência da efetiva alternância no governo de coalizões competitivas, caracterizadass também por uma investidura informal, quase direta, do Primeiro Ministro; a emergência de novos atores políticos principais, sobretudo o empreendedor de mídia Silvio Berlusconi e o seu partido Forza Italia, como líder inconteste da coalizão de centro-direita. Um tanto paradoxalmente, a questão aceita como detonadora da crise – a evidência da corrupção sistêmica – rapidamente desapareceu da agenda pública. (DELLA PORTA, VANNUCCI, 1999b)  [Tradução minha], p. 64.

[6]     Aqui: http://s.conjur.com.br/dl/artigo-moro-mani-pulite.pdf

[7]     Com efeito, o Cientista Político Luciano Da Ros, em entrevista, comenta o deslizamento semântico promovido pelo juiz do Paraná, em maio deste ano: http://www.sul21.com.br/jornal/a-prova-dos-nove-da-lava-jato-vira-agora-diz-cientista-politico/

[8]     Pode-se acompanhar aqui: http://s.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf


katarina-peixotoKatarina Peixoto é mestre e doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e uma das organizadoras da Coletânea A Resistência Internacional ao Golpe de 2016. Sua dissertação de mestrado contém um estudo sobre a teoria hegeliana da pena, na Filosofia do Direito, e seu doutorado, na Lógica de Port-Royal. Também possui bacharelado em direito, pela Universidade Federal de Pernambuco e trabalhou como jornalista e sub-editora e tradutora no site Agência Carta Maior e foi Consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.


Imagem Ilustrativa do Post: Fried Egg // Foto de: Matthew Murdoch // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/54423233@N05/13916201522

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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