Realidade virtual: ciberbullying e seus elementos caracterizadores (Parte 3) – Por Jonathan Cardoso Régis e Djonatan Batista de Lima

15/12/2016

Leia também a Parte 1 e a Parte

Nas últimas semanas (clique aqui e aqui), viemos traçando uma reflexão de uma realidade dos tempos modernos, em especial, decorrente do “boom” das redes sociais, popularmente conhecido por Ciberbulliyng.

Buscou-se enfatizar aspectos relacionados a concepção e compreensão da violência, do Bullying, do próprio Ciberbullying, bem como suas peculiaridades, transpassando pelo perfil das vítimas, seus agressores, assim como também quanto a conivência ou adoção de comportamento omissivo daqueles que tão somente constatam o fato e permanecem inertes.

Assim, nessa terceira e última parte, prima-se em trazer dados estatísticos acerca dessa realidade por nós vivenciada nos dias atuais.

A realidade do ciberbullying

Assim como o bullying, a forma virtual também demonstra alta taxa de recorribilidade, os avanços como o surgimento das redes sociais no início dos anos 2000 e, mais recentemente os aplicativos de mensagens instantâneas, multiplicaram as ocorrências do ciberbullying.

É ilustrador o depoimento escrito pelo pai de um menino de 16 anos vítima de ciberbullying, publicado num site de combate à violência virtual:

O meu filho 16 anos de idade foi vítima de ciberbullying no Facebook durante um período de 8 horas. O evento foi tão traumático que causou o meu filho a ter um surto psicótico agudo e deve ser internado em um hospital psiquiátrico adolescente por quase um mês. Ele está mudado para sempre e nunca mais será o mesmo mentalmente. Intimidação Internet pode ferir e afetar pessoas e as crianças precisam saber disso. Estas crianças não estão sendo punidos de qualquer maneira e acho que o incidente é engraçado! Sabemos que é uma mudança de vida[1]. 

Um dos casos mais emblemáticos ocorrido nos EUA foi o da adolescente Amanda Todd, que cometeu suicídio após uma série de perseguições seguidas de automutilação em novembro de 2012. A vítima publicou um vídeo na plataforma do YouTube relatando a situação antes de sua morte, segundo ela após a postagem de uma foto exibindo seus seios num chat, a imagem se multiplicou e mesmo após a troca de escola e o decurso dos anos, a foto voltou a ser postada e o sofrimento à prosseguia até o seu suicídio – atualmente o vídeo conta com mais de 11 milhões de visualizações[2].

Outra grande repercussão foi o caso de Tyler Clementi, um jovem de 18 anos com um grande talento para tocar violino que participou de orquestras de grande importância. Tyler sempre se assumiu gay, e durante a universidade foi gravado por seu colega de quarto em situações íntimas com um companheiro, a pressão foi tanta que ele se jogou da Ponte George Washington em 22 de setembro de 2010[3].

Quando tinha 15 anos de idade Rehtaeh Parsons sofreu abuso sexual de quatro homens, dias depois surgiram imagens do estupro na internet. Aos 17 anos no dia 04 de abril de 2013, tentou tirar a própria vida e sofreu graves ferimentos ficando em coma por três dias, até que seus pais decidiram desligar os aparelhos[4].

No Brasil pode-se citar os casos de G.L, de 16 anos, e J.R., de 17 anos, que apesar de estarem muito distantes, uma no Estado do Rio Grande do Sul e outra no Nordeste, suas histórias ficaram famosas após elas se suicidarem num curto espaço de tempo, entre as mortes passaram apenas quatro dias, os fatos ocorreram no mês de novembro de 2013.

Ambas tiveram vídeos em que apareciam nuas divulgados, no caso da Paraíba a vítima se filmou e compartilhou com os amigos do WhatsApp. G.L. tirou a própria vida três horas após saber da divulgação do vídeo[5].

Há ainda a vitimização de pessoas públicas (políticos, artistas, jornalistas, dentre outros), vítimas de comentários racistas nas redes sociais, sendo o caso mais recente, salvo engano, envolvendo a atriz Taís Araújo, contudo, o caso em tela não fora tipificado como ciberbullying, mas sim por injúria racial, tendo os responsáveis presos em 2016[6].

Pesquisas e Estudos

As pesquisas sobre ciberbullying abrangem não somente o ambiente escolar, mas também, outras relações como ambiente de trabalho e vida social por exemplo. Como visto, o ciberbullying deixou de ser uma violência escolar e passou a se caracterizar no âmbito social virtual.

Em 2015, a SaferNet Brasil recebeu e processou 139.643 denúncias anônimas envolvendo 43.070 páginas (URLs) distintas (das quais 8.300 foram removidas) escritas em 8 idiomas e hospedadas em 6.755 hosts[7]diferentes, conectados à Internet através de 4.821 números IPs[8] distintos, atribuídos para 63 países em 5 continentes. As denúncias foram registradas pela população através dos 7 hotlines[9] brasileiros que integram a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos:

SAFERNET, 2015[10]

Já em pesquisa voltada à segurança do jovem publicada em 2008 e realizada online com 875 jovens de várias regiões do País foi possível observar, segundo a SaferNet:

SAFERNET, 2008[11]

SAFERNET, 2008[12]

Outra pesquisa realizada em 2015 pela IntelSecuryty, ouviu 507 crianças e adolescentes brasileiros e revelou que 83% dos usuários entre 8 e 12 anos já estão ativos nas redes sociais. O índice é ainda maior entre adolescentes de 13 a 16 anos, chegando a 97%.

Os dados ainda apontam que 48% dos entrevistados escondem suas atividades dos pais da seguinte forma, bem como informam dados pessoais:

IntelSecuryty, 2015[13]

De acordo com os dados abordados, a predominância e difusão das relações virtuais somente aumentam, de maneira surpreendente e irreversível.

Os casos de ciberbullying são recorrentes e reais atingindo não apenas as crianças e adolescentes em decorrência das relações escolares, mas, igualmente, a sociedade de maneira relevante.

As consequências do bullying e ciberbullying cometidos no âmbito escolar, ou decorrente do relacionamento neste espaço, podem ser aplicadas às agressões online ainda que nas relações entre estranhos, e por vezes, inexistente.

A disponibilização de informações pessoais e a omissão quanto às agressões agravam os episódios, a denúncia é ponto crucial no combate às intimidações e agressões online, isso porque, com a denúncia estas agressões virtuais podem ser caracterizadas como crimes tipificados no Código Penal.

Apesar de toda desigualdade ainda existente no globo, e aí o acesso à rede mundial de computadores, a sociedade interligada é uma realidade bastante visível, mais que isso, presenciada.

Há ainda de ser mencionado quanto a regulações nacionais da internet, em especial, quanto as agressões perpetradas estarem dispostas no Código Penal brasileiro, assim como também a tramitação no Congresso Nacional de Projetos de Lei afetos ao tema.

São perceptíveis as consequências destes atos de perseguição e maus tratos na sociedade, – aparentemente – está em formação uma sociedade que a partir das infinitas formas de discriminação, produz indivíduos perversos e com grandes chances de cometerem algum ilícito, sejam agressores ou até mesmo vítimas.

Como visto os casos de ciberbullying já tomaram o mundo e o Brasil, e a ocorrência dos atos que antes eram efetivados contra crianças e adolescentes tomou outras proporções. Atualmente todos estão a mercê de críticas reiteradas e ofensivas em qualquer comentário, foto, mensagem de voz que poste ou compartilhe com os “amigos”.

Ou seja, o caminhar da tecnologia demonstra que a mutabilidade deste fenômeno discriminatório é demasiadamente rápida e devastadora.


Notas e Referências:

[1] CIBERBULLYING RESEARCH CENTER. CyberbullyingStories. Disponível em: <http://cyberbullying.org/stories>. Acesso em: 26 ago. 2016.

[2] TOOD, Amanda. Mystory: Struggling, bullying, suicide, self harm. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vOHXGNx-E7E>. Acesso em: 19 ago. 2016.

[3] TYLER CLEMENTY FUNDATION. HISTORY. Disponível em: <http://tylerclementi.org/tylers-story/>. Acesso em. 26 ago. 2016.

[4] G1.    Jovem que se suicidou após estupro e bullying é cremada no Canadá. Publicado em 14 de abr. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/04/jovem-que-se-suicidou-apos-estupro-e-bullying-e-cremada-no-canada.html>. Acesso em: 26 ago. 2016.

[5] ÉPOCA. Sexo, chantagem e internet. Publicado em 23 de nov. 2016. Disponível em: < http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/11/sexo-bchantagem-e-internetb.html>. Acesso em: 26 de ago. 2016.

[6] G1. Caso Taís Araújo: ‘Todos estão presos’, diz delegado sobre suspeitos. Publicado em 16 de mar. 2016. Disponível em: < http://ego.globo.com/famosos/noticia/2016/03/delegado-sobre-caso-de-tais-araujo-todos-estao-presos.html>. Acesso em 26 ago. 2016.

[7] Host significa alojar, hospedar. São máquinas responsáveis por oferecer recursos, informações e serviços aos usuários ou clientes (outros computadores).

[8] IP (Internet Protocol) é o principal protocolo de comunicação da internet, servindo como identificador de um dispositivo numa rede.

[9] Hotline significa ligação direta, no texto funciona como ferramentas para denúncias.

[10] SAFERNET. Indicadores. Disponível em: <http://indicadores.safernet.org.br/>. Acesso em: 26 ago. 2016.

[11] SAFERNET. Hábitos dos Jovens. Disponível em: <http://new.netica.org.br/educadores/pesquisas/safernet/nacional>. Acesso em 26 ago. 2016.

[12] SAFERNET. Hábitos dos Jovens, 2008.

[13] CANALTECH. 83% das crianças brasileiras entre 8 e 12 anos já estão ativas nas redes sociais. Publicado em 12 de out. 2015. Disponível em: http://canaltech.com.br/noticia/redes-sociais/83-das-criancas-brasileiras-entre-8-e-12-anos-ja-estao-ativas-nas-redes-sociais-50663/. Acesso em: 26 ago. 2016.


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