Realidade virtual: ciberbullying e seus elementos caracterizadores (Parte 1) – Por Jonathan Cardoso Régis e Djonatan Batista de Lima

06/12/2016

Leia também a Parte 2 e a Parte 3

Em tempos de evolução tecnológica, sabe-se que o crescimento da prática de infrações penais em ambientes virtuais também acabam por ser ampliados e diante desse “bum” tem-se a vitimização de pessoas decorrente a intimidação sistemática, popularmente conhecida por bullying e, virtualmente, tem-se o ciberbullying.

O que será exposto a seguir, são breves reflexões acerca de tema polêmico, relativamente recente, não se pretendendo aqui esgotar o assunto e a discussão, muito pelo contrário.

Sendo assim, prima-se em estabelecer o cyberbulliyng em seus aspectos conceituais, resultantes de fenômenos sociais os quais vêm alterando a forma como as pessoas se relacionam e modificando a maneira de lidar com as diferenças sendo de fundamental importância, especialmente o ciberbullying, tema pouco debatido e compreendido pela sociedade moderna.

Evidenciar as consequências dos atos característicos destes fenômenos é a maneira mais adequada de se elaborar métodos eficazes de mudança no comportamento dos atores do bullying e ciberbullying, uma vez que por mais que seja difícil combater num todo tais atitudes, é necessário – antes de tudo – que a sociedade entenda a força de tais atos, que somente separam os pares e causam transtornos sociais.

A VIOLÊNCIA

Por se tratar de um ato de violência, didaticamente, abordar-se-á o conceito de violência, no entanto, sem a intenção de se esgotar a matéria, pois além de ampla, adentra na ciência da psicologia.

Para a Organização Mundial da Saúde ato violento é:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação[1].

A definição dada pela Organização Mundial da Saúde, impreterivelmente engloba a intenção com o resultado, ou seja, não traz neste conceito os atos não intencionais. Apesar desta restrição, o uso do termo “poder” amplia o conceito e traz à definição os atos que derivam de uma relação de poder, compreendidas como ameaças e intimidações.

Tal conceito conduz a um vasto cenário de consequências, incluídos os danos psicológicos, privação e deficiência de desenvolvimento, não comportando apenas os atos que culminam em lesões corporais ou morte, mas também aqueles que causam opressão tanto ao indivíduo, quanto à sua família e também à sociedade em geral[2].

A violência está intimamente ligada com a história humana, é desconhecida qualquer sociedade que não possua rastros de violência, já que através do uso da força, poder e privilégios o homem – infelizmente – buscou a dominação de indivíduos, grupos e da coletividade. Estendidas por todas as sociedades, violências de gênero (especialmente do homem contra a mulher), “raças” (como dos brancos em desfavor dos negros), de cultura (de grupos contra os judeus, ou árabes) se confundem com a natureza de cada sociedade, ou seja, devido cada sociedade possuir seu jeito próprio e típico de pensar, sentir e agir determinados atos podem ser reconhecidos ou não como violentos[3].

A natureza dos atos de violência tende a ser reconhecida em quatro aspectos: física, psicológica, sexual e que envolve negligência, abandono ou privação de cuidados[4].

Por ser o tipo de ato violento que mais ocorre nos fenômenos aqui estudados, abordar-se-á o conceito de violência psicológica.

Para tanto,

A categoria abuso psicológico nomeia agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir-lhe a liberdade ou, ainda, isolá-la do convívio social. Indica também a rejeição de pessoas, na inter-relação. No caso de crianças e adolescentes, o abuso tem um efeito devastador sobre a auto-estima, principalmente quando os pais ou seus substitutos não são afetuosos. Muitos estudos mostram que a baixa auto-estima pode estar associada à formação de personalidades vingativas, depressivas e a desejos, tentativas ou mesmo execução de suicídios[5].

Assim, os conceitos abordados demonstram os contornos da violência, incluindo a violência psicológica capaz de influenciar até mesmo na vida adulta, com resultados nefastos tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, que a partir da formação de indivíduos vingativos, fica à mercê – como num ciclo vicioso – de repetidos atos violentos.

SINTETIZANDO A COMPREENSÃO DO BULLIYNG

Inicialmente, para que haja um bom entendimento quanto ao tema – ciberbullying –, é mister que sejam abordados aspectos acerca do bullying, já que, inicialmente as ações aqui estudadas se iniciaram na esfera do mundo físico, especialmente no âmbito escolar, e no passar do tempo – tendo em vista o avanço tecnológico – migrou para o ciberespaço.

O assunto a ser debatido é extremamente delicado, uma vez que, de forma genérica, não há como perceber as consequências dos atos identificados como bullying, porém, é notório a constatação das devastadoras sequelas advindas de tais atos, como por exemplo, transtornos psicológicos e/ou psíquicos, podendo chegar a situações extremas como a morte.

É no mínimo incompreensível que pessoas – especialmente crianças e adolescentes – tratem os próximos com tamanha frieza e discriminação.

Mais do que atos de mero preconceito, o bullying é uma grande ameaça à sociedade gerando indivíduos frios, calculistas e sem perspectiva de vida social, ocorrendo não somente com o sujeito passivo da ação, mas também com quem o pratica contra o outro.

O termo bullying, deriva do inglês e não há uma tradução única para o termo.

Definimos por agressividade/bullying o que a literatura refere por comportamentos agressivos de intimidação e que apresentam um conjunto de características comuns, entre as quais se identificam várias estratégias de intimidação do outro e que resultam em práticas violentas exercidas por um indivíduo ou por pequenos grupos, com caráter regular e freqüente[6].

Para Fante e Pedra[7], bullying “é uma palavra de origem inglesa adotada por muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar outra pessoa e colocá-la sob tensão”.

O tema é antigo, confundindo-se com o surgimento da escola, pois é neste meio que se encontram os primeiros atos de constrangimento caracterizadores do bullying. Iniciados na década de 70 na Suécia e na Dinamarca, após na década de 80 na Noruega o tema começou a ser estudado no Brasil no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000[8].

Conforme Ana Beatriz Barbosa Silva:

O bullying sempre existiu nas escolas; no entanto; somente há pouco mais de trinta anos começou a ser estudado sob parâmetros psicossociais e científicos, e recebeu a denominação específica pelo qual é conhecido atualmente em todo o mundo[9].

Para Marcelo Wegner:

Bullying é um conceito muito amplo, mas é um conceito que nós temos atuado, principalmente a questão do aluno ou um grupo de alunos que pratica condutas que são agressivas, intencionais, repetitivas contra outro aluno ou outro grupo de alunos, causando extremo sofrimento[10].

O bullying pode ter várias maneiras de ser cometido,

[...] algumas mais cruéis do que outras, dependendo de muitos factores. Os estudos sobre a agressividade na escola têm visado o mau trato pessoal, a intimidação psicológica e o isolamento social entre pares, crianças e jovens[11].

Como visto, apesar de ser cometido de diversas maneiras assume, basicamente, duas formas de ser cometido, o direto, consistente em agressões de fácil constatação como agressões físicas, verbais ou danos aos pertences pessoais, e o indireto ou relacional, que engloba os atos de ignorar, excluir, difamar ou realizar complôs. Este último, apesar de ser menos perceptível e menos debatido, traz consequências tão nefastas quanto a forma direta[12].

Então, as agressões, intimidações, exclusões e preconceito generalizado no âmbito escolar e de maneira frequente, são atos característicos do bullying que a partir daqui, será abordado quanto aos seus personagens. Identificar os alunos que são agressores, vítimas ou expectadores é de relevante importância para que a família e o ambiente escolar juntos possam elaborar diretrizes para o enfrentamento do bullying.

CIBERBULLYING E SUAS PECULIARIDADES

Antes de adentrar ao tema, há de ser considerado que grande parte dos conceitos abordados quando do tratamento do bullying, são aplicáveis ao ciberbullying. A distinção encontra-se, basicamente, na via em que são praticados, o primeiro no âmbito escolar o segundo no ciberespaço.

Sabe-se que o impacto das tecnologias na sociedade acabou por proporcionar uma transformação, promovendo o surgimento da “sociedade ciber”, sendo que tais avanços tecnológicos, ante o descontrole de seu emprego/uso e emprego de forma deliberada, insensata e com ausência ética, acabou por promover constrangimentos reiterados, comportamento este, constatado, tão somente (ou na maioria dos casos), no ambiente escolar.

CIBERBULLIYNG: O ATO

O surgimento e o rápido desenvolvimento da tecnologia alcançou o bullying e os maus tratos, difamações, agressões e insultos reiterados contra um ou mais indivíduos, cometidas num estado físico presencial, agora, são levados a efeito pelos meios tecnológicos que mascaram as agressões.

Nas relações virtuais é notória a busca pela visibilidade, que pode trazer consigo atos inadmissíveis no mundo físico de relações marcadas por regras e normas de conduta, que nas redes aparentam ser de cunho subjetivo para muitos, facilitando o uso de artifícios antiéticos e imorais para alcançar a visibilidade[13].

Conforme Ana Beatriz Barbosa Silva:

Os praticantes de ciberbullying ou “bulliying virtual” utilizam, na sua prática, os mais atuais e modernos instrumentos da internet e de outros avanços tecnológicos na área da informação e da comunicação (fixa ou móvel), com o covarde intuito de constranger, humilhar e maltratar suas vítimas[14].

O ato em si consiste basicamente em mensagens eletrônicas enviadas via internet por computador ou por telefone celular (smartphone) onde o agressor, normalmente, se faz passar por outra pessoa adotando para isso apelidos parecidos. Atribuindo ofensas e palavras desagradáveis para provocar intrigas e fofocas. As redes sociais são utilizadas para excluir e expor os pares de forma vexatória. Por vezes, fotografias são alteradas ou tiradas sem o consentimento das vítimas encaminhadas aos demais e publicada em sites, incluindo em tais, piadas, comentários sexuais ou racistas[15].

Para Ana Beatriz Barbosa Silva:

Muitas vezes os pais têm dificuldades em diferenciar o que é uma brincadeira de mau gosto (ou mesmo uma simples agressão) de um comportamento de bullying virtual – via internet, especificamente –, essa realidade apresenta uma peculiaridade. Quando se posta uma imagem ou mensagem na rede, e ela é visualizada por terceiros, o fator repetição se dá de forma imediata[16].

De acordo com a pesquisa realizada pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor e a Fundação Instituto de Administração:

Tais maus tratos consistem em práticas de difamação, humilhação, ridicularização e estigmatização por meio de ferramentas da internet. Com o atual aumento das facilidades para acesso ao mundo virtual por parte de crianças e adolescentes, esse tipo de agressão se torna cada vez mais frequente. Uma característica importante desse tipo de agressão é que consiste num “fenômeno sem rosto”, à medida que, na internet, o agressor pode, muitas vezes, não se identificar[17].

Fante e Pedra ainda afirmam que:

É a forma virtual de praticar bullying. É uma modalidade que vem preocupando especialistas, pais e educadores em todo o mundo, por seu efeito multiplicador do sofrimento das vítimas. Na sua prática utilizam-se as modernas ferramentas da internet e de outras tecnologias de informação e comunicação, móveis ou fixas, como intuito de maltratar, humilhar e constranger. Uma forma de ataque perversa, que extrapola em muito os muros da escola, ganhando dimensões incalculáveis. A diferença está nos métodos e nas ferramentas utilizadas pelos praticantes. O bullying ocorre no mundo real, enquanto o ciberbullying ocorre no mundo virtual[18].

O aplicativo de mensagens – WhatsApp –, apresenta muitos benefícios, todavia, como todas as coisas boas, tornou-se também um meio utilizado para intimidação via texto, caracterizando-se como um dos meios de cometer o ciberbullying. O envio de mensagens instantâneas ameaçadoras ou provocadoras, mensagens de voz, imagens e vídeos, com o objetivo de ferir e humilhar o receptor são as características presentes, incluindo, também o envio de mensagens de natureza sexual, de mensagens que ameaçam a danos físicos, espalhando ou ameaçando espalhar mentiras, rumores e segredos, e chantageando por exclusão ou ameaçando excluir uma pessoa de um grupo do aplicativo[19].

Bem observado que as agressões normalmente são anônimas, ou ainda, de perfis falsos que mascaram o real agressor.

A liberdade conferida à internet proporciona o anonimato nas agressões. Muito dificilmente a vítima consegue se esconder das agressões e a perseguição é prolongada conforme os comentários insultuosos se multiplicam, potencializando o resultado das agressões.

Na próxima semana, buscaremos destacar alguns aspectos relacionados ao perfil da vítima, os agressores e a inércia de muitos que ficam apenas como meros expectadores.

Até lá!


Notas e Referências:

[1] WHO.Global Consultation on Violence and Health.Violence: a public health priority. Geneva, World Health Organization, 1996 (document WHO/EHA/ SPI.POA.2).Disponívelem: <http://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/introduction.pdf>. Acesso em: 11 de jun. 2016.

[2] KRUG, Etiene G et al., eds. Relatório Mundial sobre Violência e Saúde.Geneva, World Health Organization, 2002.

[3] MINAYO, Maria Cecília de Souza. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. 2006. p. 23. Disponível em: <http://www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/capacitacao_rede%20/modulo_2/205631-conceitos_teorias_tipologias_violencia.pdf>. Acesso em: 28 de jul. 2016.

[4] MINAYO. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. 2006.

[5] MINAYO. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. 2006. p. 38.

[6] PEREIRA, Beatriz Oliveira. Para uma Escola sem Violência. Estudo e prevenção das Práticas Agressivas entre Crianças. Porto: Fundação CalousteGulbenkian, 2002, p. 16.

[7] FANTE, Cléo. PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas & respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 34-35.

[8] FANTE e PEDRA. Bullying escolar: perguntas & respostas. 2008.

[9] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 161.

[10] YOU TUBE. O que é bullying? O Promotor Responde. 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6qfqgDGWVk>. Acesso em 21 de jul. 2016.

[11] PEREIRA. Para uma Escola sem Violência. Estudo e prevenção das Práticas Agressivas entre Crianças. 2002, p. 15.

[12] SANTOS, Mariana Michelena; PERKOSK, Izadora Ribeiro e KIENEN, Nádia. Bullying: atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas psicol. vol.23 nº.4 Ribeirão Preto dez. 2015.

[13] AZEVEDO, Jefferson Cabral, MIRANDA, Fabiana Aguiar de, MANHÃES, Fernanda Castro e SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de. O Ciberbullying e suas Relações com as Estruturas Psíquicas. Núcleos, Vol. 9, Nº. 1, 2012, p. 246. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3988625>. Acesso em 20 de ago. 2016.

[14] SILVA. Bullying: Mentes perigosas nas escolas. 2010, p. 126.

[15] FANTE, Cléo. PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas & respostas, 2008.

[16] SILVA. Bullying: Mentes perigosas nas escolas. 2010, p. 137.

[17] CEATS– FIA. Bullying Escolar no Brasil - Relatório Final, 2010. p. 69.

[18] FANTE, PEDRA. Bullying escolar: perguntas & respostas. 2008, p. 64.

[19] JESUDIAN, Mabel M..Whatsapp And Text Bullying: What Every Parent Should Know.EKAVACH, Enabling Better Parenting.Publicadoem 02 de out. 2015. Disponívelem: <http://yourekavach.com/blog/parental-control/whatsapp-text-bullying-every-parent-know/>. Acesso em 20 de ago. 2016.


 

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