(Re)pensando os fundamentos do meio ambiente de trabalho saudável e o direito a um trabalho saudável no conflito com os trabalhadores da indústria do tabaco

02/11/2015

Por Guilherme Wunsch - 02/11/2015

Já se teve a oportunidade, em colunas anteriores de refletir que o meio ambiente do trabalho é de suma importância para se compreender a inserção do ser humano na construção de sua identidade laboral. É na lição de Sebastião Geraldo de Oliveira[1], acerca da relevância do trabalho, que se encontram os fundamentos da compreensão do meio ambiente de trabalho na vida do homem: “O homem passa a maior parte da sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude de suas forças físicas e mentais, daí por que o trabalho, frequentemente, determina o seu estilo de vida, influencia nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte. E o instrumental multidisciplinar, com certeza, dará mais condições de alcançar as melhorias necessárias para a segurança e a saúde do trabalhador. O meio ambiente do trabalho deve ser conceituado como o lugar onde quaisquer trabalhadores - homens, mulheres, celetistas, servidores públicos, etc - exercem suas atividades laborais, sejam essas remuneradas ou a título gratuito. Seu equilíbrio se dá pela ausência de agentes maculadores da saúde física ou psíquica dos trabalhadores.”[2]

O direito ao meio ambiente de trabalho equilibrado advém da interpretação conjunta do art. 200, inciso VIII, com o art. 225, caput, ambos da Constituição Federal. O primeiro, que trata da competência do Sistema Único de Saúde, aduz que deve tal sistema colaborar na proteção do meio ambiente, compreendido nesse o do trabalho. De acordo com Sandro Nahmias Melo, entende-se que o meio ambiente do trabalho estende-se para além do estabelecimento empresarial, tendo em vista que inúmeros trabalhadores efetivamente laboram em local diverso desse. Dessa feita, verifica-se que o meio ambiente de trabalho é um local deveras amplo, podendo ser, no mais das vezes, representado pelo estabelecimento empresarial; todavia, em determinadas profissões, esse expressar-se-á pelo local da efetiva prestação laboral.

O meio ambiente de trabalho equilibrado é considerado um direito difuso, de titulares indetermináveis, ou seja, é direito de todos[3]. Do mesmo modo, o meio ambiente de trabalho equilibrado é considerado um direito fundamental, sendo indispensável para que seja atingido o objetivo da vida com qualidade[4]. Todavia, mesmo sendo um direito fundamental, não é um direito absoluto, eis que deve ser compatibilizado com os interesses da coletividade[5].

Como complemento, a autora Cristiane Ramos Costa[6] apresenta atitudes a serem tomadas pelo empregado que sofre ofensas à sua saúde em razão do meio ambiente de trabalho: “Diante das agressões no ambiente de trabalho, o empregado dispõe de seis comportamentos juridicamente tutelados: 1) reclamar perante a CIPA e/ou SESMT; 2) apresentar denúncia da irregularidade ao órgão local do Ministério do Trabalho; 3) apresentar denúncia ao Ministério Público do Trabalho, fornecendo-lhe os elementos de convicção, para que este possa verificar a hipótese de ajuizamento de ação civil pública, como previsto no art. 6º da Lei n. 7.347/85 e Lei Complementar n. 75/93; 4) requerer judicialmente as providências para eliminação ou neutralização do agente agressivo; 5) interromper a prestação dos serviços; 6) considerar o contrato de trabalho rescindido, com apoio no art. 483 da CLT”.

Mas a mácula ao meio ambiente de trabalho não traz só adversidades aos próprios trabalhadores que são vítimas de tais práticas. Essa ofende também a própria sociedade, na forma das lições de Sandro Nahmias Melo[7], “como foi exposto, o meio ambiente do trabalho saudável e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda a sociedade, na medida em que esta, em última instância, é quem custeia a Previdência Social, mantenedora de benefícios relacionados a acidentes de trabalho ou doenças profissionais equiparadas aos mesmos”.

Para casos de desrespeito ao meio ambiente do trabalho, há a proteção pela via judicial, exercida por meio da Ação Civil Pública - instrumento de proteção dos direitos metaindividuais[8].  É justamente a partir de tal instrumento que empresas do ramo do tabaco foram condenadas por submeterem os trabalhadores a atividades como experimentação de vários tipos de fumo e de produtos utilizados para a composição de cigarros. No Recurso de Revista 120300-89.2003.5.01.0015, oriundo de Ação Civil Pública intentada pelo MPT, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que, relativamente à atividade de "provador de cigarros", diante do panorama atual de vácuo normativo, cabe à Justiça do Trabalho, se instada a tanto, velar pela observância dos direitos fundamentais dos empregados em harmonia com as normas constitucionais, impondo às empresas a obrigação de adotar medidas que minimizem os riscos daí decorrentes e desencorajá-las na adoção de práticas nocivas à saúde. Em que pese a licitude em si do ofício de "provador de cigarros", desenvolvido em favor de atividade econômica também lícita, é manifestamente perniciosa e lesiva à saúde dos empregados a referida atividade, em "Painel de Avaliação Sensorial", ainda que voluntariamente desempenhada. O desenvolvimento de tal atividade acarreta lesão a direitos personalíssimos fundamentais (saúde e vida). Conquanto não se possa proibi-la judicialmente, da conduta patronal emerge inequivocamente responsabilidade civil, pela prática de ato ilícito, com a correlata obrigação de indenizar os danos morais perpetrados à coletividade indeterminada de empregados potencialmente sujeitos à atividade de experimentação de cigarros. Assim, houve o reconhecimento da responsabilidade civil mediante a fixação de indenização por danos morais coletivos, com o escopo de desestimular o prosseguimento de atividade prejudicial à saúde humana.

Já no Recurso de Revista 129100-11.2006.5.01.0045, o Tribunal Superior do Trabalho minorou indenização concedida a trabalhador que desenvolvia a atividade de provador de cigarro. Em síntese, entendeu a Corte pela qualificação como acidente de trabalho o evento doença que de alguma forma tenha conexão com a execução de um labor, ou seja, por ele agravado, bastando que se faça necessário precisar sua significação maior ou menor, próxima ou remota, concausal ou coadjuvante, entre a doença de que padece a vítima e o ambiente de trabalho. No caso analisado, o reclamante, que trabalhou como 'provador de cigarros' por aproximadamente 10 anos, desenvolveu doença ocupacional grave.

O Autor foi admitido na empresa ré em 10/06/1976, com quinze anos, como mensageiro, e ao atingir a idade de 18 anos, foi escolhido para participar de uma atividade interna denominada 'painel de fumo', atividade que consistia em experimentar 4 vezes na semana, entre 7:00 e 9:00 horas, em jejum, uma média de 200 cigarros por dia, situação que perdurou por 10 anos, fatos que restaram incontroversos. Tal exposição gerou a doença denominada Pneumotórax.

Como resultado do aspecto da responsabilidade civil, o TST manifestou-se no sentido de que, na legislação brasileira não há critérios objetivos definidores do quantum a ser estabelecido a título de dano moral postulado, não sendo possível delimitar com precisão o dano imaterial. Por isso, incumbe ao Juiz fixá-lo de forma equitativa, usando de máxima cautela e de equilibrado exame das provas constantes dos autos. Há que se ater a um critério de razoabilidade e proporcionalidade entre a lesão de ordem imaterial sofrida, seus efeitos extrapatrimoniais porventura perceptíveis, o grau da culpa do lesante e a capacidade econômica do réu. Dessa forma, o reclamante que havia ganho indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), em sede de 1º e 2º graus, teve a indenização reduzida para R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), pela Corte.

Nunca é demais deixar de refletir que o tabagismo é uma doença epidêmica e que a exposição ao tabaco é prejudicial à saúde, podendo ocasionar, inclusive, o óbito. Nesse sentido, é razoável concluir que há um conteúdo essencial nos direitos fundamentais trabalhistas, no sentido de que não se trata apenas de um direito a um ambiente de trabalho saudável, mas, igualmente, o direita um trabalho saudável, de sorte que a livre iniciativa não deve preponderar quando em conflito com os direitos de personalidade dos provadores de cigarro nas empresas fabricantes de tabaco.


Notas e Referências:

[1] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2011. p. 142.

[2] MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 26-27.

[3] MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001. p. 33.

[4] MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001. p. 69.

[5] MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001. p. 83.

[6] COSTA, Cristiane Ramos. O direito ambiental do trabalho e a insalubridade: aspectos da proteção jurídica à saúde do trabalhador sob o enfoque dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2013. p. 115.

[7] MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001. p. 103.

[8] MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001. p. 106.

COSTA, Cristiane Ramos. O direito ambiental do trabalho e a insalubridade: aspectos da proteção jurídica à saúde do trabalhador sob o enfoque dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2013.

MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.

MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2011.


Guilherme WunschGuilherme Wunsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) fui assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, sou advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS; professor da UNIRITTER e professor convidado dos cursos de especialização da FADERGS, FACOS, FACENSA E IDC.


Imagem Ilustrativa do Post: Técnicos do Ministério da Agricultura da China visitam plantações e fábricas de tabaco // Foto de: Fotos GOVBA // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/agecombahia/5710175820

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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