Questões (ainda) não resolvidas sobre a audiência de conciliação ou mediação no Novo CPC – Por Daniel Colnago Rodrigues

17/03/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

O Novo Código de Processo Civil brasileiro está prestes a completar 1 ano de vigência. O cenário, porém, ainda é de incertezas. Neste texto, separamos algumas questões não resolvidas (e que, portanto, precisam ser debatidas) sobre a audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do Novo CPC.

Como se sabe, o CPC/2015, disposto a romper com um sistema processual sedimentado em mecanismos adversariais, atribuiu notável relevância às formas autocompositivas de solução dos conflitos, especialmente em suas modalidades tradicionais: a conciliação e a mediação. Um bom exemplo deste prestígio pode ser encontrado justamente no art. 334: no procedimento comum do novo Código, a partir de agora, estando em ordem a petição inicial, porque atende às prescrições legais (arts. 319 e 320) ou desde que cumprida a determinação de sua emenda (art. 321), e não sendo caso de improcedência liminar do pedido (art. 332), o magistrado designará a competente audiência de conciliação ou mediação, passando o réu a oferecer contestação apenas se não houver autocomposição na sessão oral.

Até aí, nada demais: o CPC/2015 generalizou um modelo já existente há anos no âmbito dos Juizados Especiais. Ocorre que algumas disposições do NCPC atinentes a esta audiência, especialmente quando analisadas sistematicamente, causam perplexidades. Veja:

(i) manifestação do autor quanto ao interesse na realização da audiência e requisitos da petição inicial: diferentemente do CPC/1973, em que o juiz poderia dispensar a audiência preliminar caso as circunstâncias da causa evidenciassem ser improvável a conciliação (v.g., diante da manifestação do autor indicando desinteresse na autocomposição), o CPC/2015 optou por tornar a audiência de mediação ou conciliação quase obrigatória. Só não será realizada se o direito em debate não admitir autocomposição, ou se ambas as partes, expressamente, declinarem desinteresse (art. 334, § 4º, NCPC).

Pois o Novo Código não disse que a audiência será dispensada se quaisquer das partes manifestarem desinteresse na solução consensual, mas sim se ambas as partes sinalizarem neste sentido (art. 334, § 4º, I). O autor deverá revelar seu desinteresse na autocomposição na própria petição inicial. Não por outra razão, passa a ser um requisito da inicial a opção do autor pela realização ou não da audiência (art. 319, VII).

A primeira questão que se coloca é: qual a consequência do não cumprimento deste requisito por parte do autor? De plano, parece-nos insustentável a afirmação de que pode o juiz indeferir a petição inicial, extinguindo o processo sem resolução do mérito. As normas que regem o novo processo civil brasileiro, em especial aquela que estabelece a primazia da decisão de mérito (art. 4º, NCPC), orientam no sentido de impedir tal conduta. Nada impede, porém, em atenção à colaboração, que o magistrado intime o autor para que diga se deseja ou não a realização do ato. Persistindo o silêncio, a questão deve se resolver na base da presunção.

Presumir que o autor não deseja a audiência encontra óbice no próprio texto legal (art. 334, § 4º, I), que exige manifestação expressa das partes pelo desinteresse. Logo, a saída é presumir que o autor concorda com a realização da audiência. Isto é importante (e precisa ser padronizado), uma vez que, pelo § 8º do art. 334, o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Temos, então, que o silêncio do autor quanto à realização da audiência importa na sua anuência, razão pela qual, ainda que o réu peticione sinalizando seu desinteresse no ato, devem as partes comparecer, sob pena de multa.

E nem se diga que a Lei da Mediação (Lei 13.140/15), por não repetir a possibilidade de oposição à realização da audiência, revogou o NCPC neste ponto: a um, porque o art. 27 da Lei da Mediação continua fazendo referência à necessidade de preenchimento dos requisitos da petição inicial; a dois, porque a convergência de vontades quanto à não realização da audiência configura, em todo caso, negócio jurídico processual (art. 190, NCPC), apto a afastar a incidência da conciliação/mediação obrigatória.

(ii) manifestação do réu quanto ao interesse na realização da audiência e boa-fé processual: como visto acima, para que a audiência não ocorra, é necessário que ambas as partes manifestem, de maneira expressa, seu desinteresse na autocomposição. Pois bem: segundo o Código, o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com até dez dias de antecedência, contados da data da audiência (art. 335).

Seria melhor que o legislador tivesse previsto, para a manifestação do réu, contagem do prazo a partir de sua citação, e não da audiência (de forma invertida), o que prestigiaria o princípio da boa-fé processual (art. 5º), impedindo que o demandado a utilizasse como mecanismo protelatório. Num exemplo: suponha que o autor, na petição inicial, opte pela não realização da audiência. Mesmo assim – já que o ato somente não se realizará se ambas as partes manifestarem desinteresse -, o juiz cita o réu e, diante da pauta congestionada, designa audiência para dali, aproximadamente, 1 (um) ano. Observe que, neste caso, a audiência segue agendada apenas pela vontade do réu (que pode peticionar depois de 11 meses da citação dizendo que não deseja mais a audiência, ou ainda comparecer à audiência e simplesmente não fazer nenhuma proposta de acordo).

A questão que se coloca, nesta sede, é a seguinte: pode o juiz, ao invés de esperar (por meses) o réu peticionar indicando seu eventual desinteresse na autocomposição, instigá-lo, no próprio ato citatório, a dizer, dentro de alguns dias, se quer ou não a realização da audiência? Parece-nos que sim. Embora o art. 139, VI, do NCPC, confira ao juiz poderes apenas para dilatar os prazos processuais, a incumbência que tem de velar pela duração razoável do processo (art. 139, II) parece permitir a construção de semelhante norma. Some-se a isto o prestígio dado pelo Novo Código à flexibilização procedimental.

Ainda que a proposta não seja suficiente para solucionar todos os problemas (basta pensar que o réu pode, imediatamente, dizer que tem interesse na audiência, mas sequer ofertar uma proposta de acordo durante a realização do ato), pensamos que ela possui ao menos dois benefícios: dar andamento mais ágil a processos em que, declaradamente, o réu não possui interesse na autocomposição; e facilitar a comprovação de eventual litigância de má-fé por parte do réu que abusou deste direito de optar pela (não) realização da audiência.

(iii) manifestação do litisconsorte quanto à realização da audiência e termo inicial do prazo para sua contestação: de acordo o CPC/2015, havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes (art. 334, § 6º). Até aí, sem problemas. A regra está em sintonia com o ideal de fomentar os mecanismos não adversariais de solução de conflitos. O problema é que, conforme previsão do art. 335, § 1º, no caso de litisconsórcio passivo, ocorrendo a hipótese do art. 334, § 6º (transcrito acima), o termo inicial do prazo para contestação será, para cada um dos réus, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência. Para ficar mais claro: na hipótese em que todos os litisconsortes manifestaram desinteresse na realização da audiência, o prazo para contestar terá termo inicial diferente para cada litisconsorte (a partir de cada pedido de cancelamento).

Isto gera uma situação no mínimo inusitada: suponha uma ação proposta contra três réus, na qual o autor já manifesta desinteresse na realização da audiência. O juiz determina a citação de todos os litisconsortes e designa audiência de conciliação ou mediação para dali 10 (dez) meses. No segundo mês após a citação, um dos réus atravessa um pedido de cancelamento, sinalizando desinteresse na sessão oral. No quinto mês contado da citação, o segundo réu também peticiona manifestando expressamente desinteresse na audiência. Veja o “poder” que passa a ter o terceiro litisconsorte: se, no oitavo mês, ele apresenta pedido de cancelamento da audiência, perfaz-se o suporte fático da norma prevista no art. 335, § 1º (se todos os litisconsortes manifestaram desinteresse, o termo inicial do prazo para contestação será, para cada um, a data de apresentação de seu respectivo pedido de cancelamento da audiência), de modo que os dois primeiros réus acabam perdendo o prazo para contestar; se, por outro lado, o terceiro litisconsorte não manifesta desinteresse na realização da audiência, não incide a norma acima mencionada, razão pela qual o prazo para todos os litisconsortes contestarem inicia-se a partir da audiência infrutífera. Naturalmente, o problema é agravado em se tratando de litisconsórcio simples.

A questão que nos resta é: como compatibilizar esses dois dispositivos, aparentemente incongruentes? Desconsiderar por completo a redação do art. 335, § 1º, supondo que o prazo para os litisconsortes contestarem começaria a correr, em caso de não realização da audiência, a partir do último protocolo do pedido de cancelamento, não parece ser uma solução legítima. De igual maneira, não podemos pensar em soluções que desprestigiem a lógica de fortalecimento dos mecanismos consensuais idealizada pelo Novo CPC, permitindo, por exemplo, que um litisconsorte já conteste e se abstenha de comparecer à audiência. Neste sentido, pensamos que a melhor solução seja mesmo conviver com o referido “poder” do litisconsorte que ainda não manifestou o desinteresse. De resto, fica uma recomendação ao litisconsorte passivo: se vier a protocolar pedido de cancelamento da audiência, já conteste e compareça à audiência.

Neste mar de incertezas, cada gota de cautela será muito bem-vinda!


 

Imagem Ilustrativa do Post: And we all fall down! 2 // Foto de: Mark Bonica // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/23119666@N03/4405379966

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura