Quem é o inimigo?  

21/07/2019

 

Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos, mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para eles no céu. Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada — foi expulso para a terra, e seus Anjos foram expulsos com ele. Ouvi então uma voz forte no céu, proclamando: ‘Agora realizou-se a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus, e a autoridade do seu Cristo: porque foi expulso o acusador dos nossos irmãos, aquele que os acusava dia e noite diante do nosso Deus. Eles, porém, o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho, pois desprezaram a própria vida até à morte. Por isso, alegrai-vos, ó céu, e vós que o habitais! Ai da terra e do mar, porque o Diabo desceu para junto de vós cheio de grande furor, sabendo que lhe resta pouco tempo’. Ao ver que fora expulso para a terra, o Dragão pôs-se a perseguir a Mulher que dera à luz o filho varão” (Ap 12, 7-13).

O texto acima representa o momento histórico em que e a humanidade atual está inserida, um tempo de guerra, que já foi vencida no céu, restando pendente sua definição na terra, quando o inimigo da humanidade será acorrentado por mil anos, para que possamos, enfim, viver uma era de paz, até que, ao final, a guerra seja definitivamente vencida.

Mas qual o significado concreto disso tudo?

A passagem transcrita da Escritura se refere a um contexto teológico, político e religioso, inserido na narrativa bíblica de redenção da humanidade, porque houve, em algum momento da história, um rompimento da humanidade com Deus, com reflexo na relação dos homens entre si e com a natureza.

As questões climáticas e ecológicas são parte dos sintomas desse rompimento, são a reação da natureza à violação de suas leis pela espécie humana. Uma vez desrespeitado o sutil equilíbrio cósmico, nós sofremos as consequências, individual e coletivamente, de nossas ações.

O mesmo problema é verificado no âmbito das relações humanas, regulado pela política e pela religião, que, na realidade, são uma só e mesma coisa, fato que somente não é percebido pela cegueira do homem moderno, que, em sua empreitada unilateral decorrente do racionalismo iluminista, perdeu o contato com o sentido da vida, como exposto no artigo anterior.

A grande dificuldade está no fato de que poucos conseguem compreender que, em nome da ciência, a “civilização sucumbiu à fantasia”, sendo que a maioria não entende, de fato, o que acontece a sua volta, porque vive segundo as ideias do passado, e, o pior, segundo uma indevida interpretação dessas ideias, na medida em que as melhores ideias ainda são as do passado, notadamente as ideias de eternidade. Como bem falou Nietzsche no parágrafo 285 de “Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro”:

“Os maiores acontecimentos e as maiores ideias — e as ideias maiores são também os maiores acontecimentos — são os últimos a serem compreendidos, as gerações contemporâneas não chegam a vivê-los — passam sempre ao lado deles. Acontece na vida como acontece entre os astros. A luz das estrelas mais longínquas chega mais tarde até nós e tanto que o homem que não as percebeu nega a sua existência. ‘Quantos séculos necessita um espírito para ser compreendido?’”.

Em que pese a loucura de Nietzsche, e sua falta de compreensão do plano mais elevado da realidade, algumas de suas críticas ao pensamento ocidental são válidas, uma vez que o Cristianismo, a principal ideia e o maior evento da história da humanidade, de fato, padece de falhas consideráveis na interpretação que prevaleceu, a começar pela separação artificial entre sociedade política e religiosa, a cidade de Deus e a cidade dos homens, ainda que ao tempo de sua formulação essa interpretação pudesse ter aparência de razoabilidade.

Assim, o maior evento da História ainda não é devidamente vivido, pois se passaram quase vinte séculos sem que Espírito de Cristo tenha sido adequadamente compreendido em sua correta significação política, porque, afinal, o Messias é o Rei dos Judeus, o que, inquestionavelmente, é uma questão de ordem política, e isso também vale para o adversário de Cristo, que age principalmente no mundo político.

O inimigo da humanidade, o Dragão, a Serpente, o Diabo ou Satanás, é o espírito que separa o homem de Deus, e esse espírito, como todo espírito, é invisível, e se manifesta através das ações humanas, pelo que nossos inimigos não são as pessoas, ainda que essas manifestem ou encarnem aquele espírito, dando-lhe expressão concreta, causando mal aos filhos de Deus.

Em sentido oposto, o amigo da humanidade é Cristo, que através de ações humanas manifesta o Espírito de Deus, encarnando a Razão Divina, o Logos, ao fazer o Bem.

Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se praticais o que vos mando” (Jo 15, 12-14).

O Cristo é o servo fiel de Deus, que cumpriu sua missão de mostrar como o Rei, o governante, deve se portar, o que possui uma profunda realidade espiritual e religiosa, daí porque Jesus, o Messias, venceu a guerra no céu, mostrou o dever e o ser do verdadeiro governante, como deve agir, a serviço da Lei Perfeita, que é a Lei de Deus, sendo servo até a morte, dando a vida por seus amigos, e por isso, como Messias, ele é o Rei dos Reis.

Essa guerra já foi vencida no céu, no plano espiritual, no mundo das ideias, na teoria, porque não há exemplo melhor de governante do que o de Cristo, ou Messias, e esse é um exemplo antigo e eterno, que não pode ser superado, e será sempre uma luz contra a mentira e os desvios do poder, o que se apresenta em comportamentos egoístas arraigados na humanidade, que muitas vezes ocorrem sem que o percebamos, inconscientemente.

Pois o nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais” (Ef 6, 12).

Esses espíritos povoam as regiões celestiais mas agem sobre as pessoas, e até Freud entendeu isso, fazendo com que os interesses individuais contrários à Lei Perfeita sejam realizados, em detrimento do próximo, quando o amor a si exclui o amor ao próximo, quando as vontades pessoais, familiares, partidárias ou ideológicas tentam falar mais alto que a Verdade, o que só pode ocorrer com sucesso de forma provisória, porque a Verdade é invencível, pelo que a guerra será também vencida na terra.

Por isso deveis vestir a armadura de Deus, para poderdes resistir no dia mau e sair firmes de todo o combate. Portanto, ponde-vos de pé e cingi os vossos rins com a verdade e revesti-vos da couraça da justiça e calçai os vossos pés com a preparação do evangelho da paz, empunhando sempre o escudo da fé, com o qual podereis extinguir os dardos inflamados do Maligno. E tomai o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus” (Ef 6, 13-17).

O que falta, portanto, é a guerra da prática, no plano terreno, no dia a dia, no cotidiano, pela ação conforme a verdade, com a Palavra de Deus, com a Razão, com Logos, inicialmente em nós mesmos, e depois pela pregação ou proclamação da Verdade, para que, enfim, o inimigo seja vencido, individual, pelo exemplo de Cristo, e coletivamente, pela encarnação de seu Espírito, quando as pessoas o compreenderem e passarem a viver encarnando o Logos, ou Vontade Deus, também no âmbito político.

Seja feita Vossa vontade, assim na terra como no céu”.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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