Por Fabrício Morais da Costa - 16/07/2015
É necessário que reflitamos sobre quem é esse menor “criminoso” antes de inciar qualquer debate sobre a maioridade penal. O mais preocupante é que se observa um clamor midiático e de parte da população pela redução da maioridade penal quando, na verdade, não temos dados oficiais e hígidos sobre esses infratores.
Com base no Dossiê Criança e Adolescente – 2012, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, é possível extrair alguns dados sobre o perfil dos menores em conflito com a lei.
O primeiro dado significativo que podemos apontar é que 88,5% das crianças e adolescentes são vítimas e não infratores. Dentre os crimes em que os menores são vítimas, o mais comum é o de lesão corporal dolosa, com 35,2%, seguido de ameaça (16,2%), lesão corporal culposa (13,3%) e estupro (12,8%). Somente esses quatro delitos somam 77,5% do total das vítimas infantis. Percebam que dentre os crimes mais frequentes, todos afetam diretamente a integridade da criança ou do adolescente
Outro dado relevante está ligado à região em que os atos infracionais (“crimes” em que os menores figuram como autores) são praticados: da totalidade de atos infracionais na cidade do Rio de Janeiro, 39,6% acontecem na zona norte da cidade, seguido da zona oeste, com 21,6%, centro com 19,5% e a zona sul com 19,4%. Ou seja, percebe-se uma maior concentração de jovens infratores em regiões em que se verifica uma maior presença de comunidades e “favelas”.
Em nível estadual, a maior incidência de adolescentes em conflito com a lei se encontra na Baixada Fluminense, com 29,2% dos casos. Esse percentual é maior que o de todo o interior do Estado do Rio de Janeiro (outros municípios do Estado, excetuando-se a Capital e Grande Niterói), que somado tem 27,5% dos casos. Mais uma vez com maiores índices nas regiões de subúrbio, periféricas aos grandes centros e que não recebe toda infraestrutura e atenção dada aos grandes complexos urbanos.
Quanto aos tipos de atos infracionais praticados, os que têm incidência significativamente maior, são os de envolvimento com drogas, com 39,9%, seguido por atos infracionais cometidos contra o patrimônio (roubo, furto, dano, etc) com 26,3% e como crimes chamados “graves”, contra a integridade física das pessoas apenas 5,2% (abrangendo homicídio, tentativa de homicídio, estupro, ameaça e lesão corporal).
Cabe ressaltar que esses dados são referentes apenas ao Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2011, tendo por base os Registros de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
Alguns dados pouco mais recentes divulgados pelo jornal O Globo, mas não tão detalhados, ratificam aqueles obtidos com o Dossiê Criança e Adolescente. Uma pesquisa encomendada pelo Departamento de Ações Sócioeducativas (DEGASE) demonstra que do total de jovens internados, a maioria se encontra na instituição por envolvimento com drogas e que apenas 5% foram apreendidos com algum tipo de arma letal. Essas informações vão de encontro e desconstroem a imagem do jovem poderoso e armado, predisposto para cometimento de violência letal e gratuita.
Ainda há comprovação de que 95% dos jovens internados na instituição não concluíram o ensino fundamental. Complementar a isso, segundo dados divulgados pelo próprio Governo Federal, em 2012, o Brasil tinha uma taxa de abandono escolar de 24,3%, número preocupante quando comparado a países vizinhos como o Chile (2,6% de evasão), Argentina (6,2%) e Uruguai (4,8%). Dos 1,6 milhão de alunos que abandonaram a escola, mais de 1,5 milhão cursava a rede pública. Mais uma vez, percebe-se a má condição da juventude relacionada às baixas condições sociais.
Como exemplo e corroborando com a ideia de falta de informação quanto a prática criminosa infanto-juvenil, no dia 07 de junho de 2015, o jornal Folha de S. Paulo divulgou matéria em que alertava justamente para isso: a redução da maioridade penal e a falta de informação para direcionamento de política adequada e efetiva.
Na tentativa de levantar dados sobre essas práticas, o jornal entrou em contato com as vinte e sete unidades da Federação, conseguiu obter dados estatísticos atualizados apenas em nove delas, o que já demonstra o desinteresse e a desorganização a que está relegado o tema dos jovens. O resultado apresentou números bastante díspares no território do país, como: o número de homicídios praticados por menores no Estado do Ceará chega a 30,9%[1], enquanto em São Luís, capital do Estado do Maranhão, eles compreendem 3,1% dos atos infracionais cometidos.
Ainda, segundo o jornal, as estatísticas apontam que os adolescentes se envolvem mais com latrocínio (roubo seguido de morte) que com o homicídio propriamente dito. Embora o jornal não aponte a diferença percentual, esse dado demonstra a inclinação à prática de crimes contra o patrimônio pelos menores infratores. Em outras palavras, o adolescente em conflito com a lei está mais voltado a obter dinheiro, ou algum bem que possa gerar dinheiro, a agredir ou tirar a vida de alguém, ainda que esse resultado venha a ocorrer.
Diante de dados tão controversos, é importante que antes de qualquer mudança na legislação referente à maioridade penal, traçar um mapa da criminalidade juvenil, assim como estudos sociológico, antropológico, político e jurídico sobre as consequências da modificação legal. A busca para o direcionamento de política realmente efetiva passa primeiramente por conhecer esse menor infrator. Tomar decisões no calor da emoção ou por pressão de determinados grupos, pode não ser o melhor caminho para a melhoria da segurança pública.
Diante do que foi apresentado, e apesar das incertezas, podemos afirmar uma coisa: o caminho mais adequado à superação dessa complexa situação passa pela qualidade da educação para crianças e jovens.
Notas e Referências:
[1] considerando homicídios, roubos seguidos de morte e lesão corporal seguida de morte.
DIRK, Renato; MORAES, Orlinda Cláudia Rosa de. Dossiê criança e adolescente, 2012 / Instituto de Segurança Pública. Rio de Janeiro: Editora Riosegurança, 2013. Disponível em: “http://arquivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/DossieCriancaAdolescente2013.pdf”.
FRAGA, Érica; TUROLLO JR, REYNALDO. Brasil revê maioridade penal sem ter mapa da criminalidade juvenil. In: Jornal Folha de São Paulo. Disponível em: “http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1638659-brasil-reve-maioridade-penal-sem-ter-mapa-da-criminalidade-juvenil.shtml?cmpid=facefolha”.
MEC cria grupo para examinar causa de evasão escolar “http://www.brasil.gov.br/educacao/2013/11/mec-cria-grupo-para-examinar-causa-de-evasao-escolar”
Menores internados no Degase têm baixa escolaridade, segundo pesquisa. “http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/05/menores-internados-no-degase-tem-baixa-escolaridade-segundo-pesquisa.html”.
Fabrício Morais da Costa é estudante de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e membro fundador e diretor de ensino da Liga Acadêmica de Ciências Criminais (LACCrim).
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