Quando você deixa de ser o cliente para ser o produto  

03/05/2019

 

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Lendo o livro de Marc Goodman intitulado “Future Crimes”[i] deparei-me com o surpreendente capítulo “Você não é o cliente; você é o produto” e senti vontade de compartilhar minha perplexidade com os leitores desta coluna.

Não há dúvida de que a internet converteu-se em um poderoso mecanismo de comunicação e difusão de informações em todos os âmbitos da vida humana, criando conexões, flexíveis e adaptáveis, que ultrapassam as noções tradicionais de espaço e tempo. Atualmente, as principais atividades econômicas, sociais, políticas e culturais de todo o mundo estão estruturadas por meio da internet.

No aspecto econômico, intrinsecamente ligado às questões de consumo, a internet promove uma verdadeira revolução. É possível comprar qualquer objeto ou serviço de qualquer lugar do mundo com um mero click. Os consumidores, ao acessarem as páginas da internet, são bombardeados com estímulos para consumirem cada vez mais, o que gera um ciclo efêmero de aquisição, uso e descarte, já referido por Bauman[ii].

Observa-se, ainda, a criação de uma emergente indústria da informática e o surgimento de uma nova economia dentro dos antigos setores, visto que ela passa a ser utilizada amplamente pelas empresas em seus diversos setores de atuação.

A grande questão trazida por Marc Goodman é saber por que serviços como e-mail, tradução, telefonia, mapas, processamento de textos, jornais e programas de fotos e vídeos que há tempos atrás eram cobrados dos usuários tornaram-se, de repente, gratuitos.

Afinal, o que estaria por trás destes atos de generosidade? Qual o verdadeiro preço pago por todos estes serviços?

Muitos imaginam que o oferecimento destes serviços está vinculado à publicidade de outros produtos, por meio de banners ou pop-ups que parecem sempre saber do que precisamos. Se o usuário pesquisou, em mecanismos de busca pela internet, o preço de um notebook, com certeza em seus próximos acessos aparecerão promoções do produto. O mesmo ocorrerá se forem pesquisados hotéis de uma determinada cidade, logo inúmeras outras ofertas aparecerão na tela do computador.

Entretanto, segundo o autor americano, os desenvolvedores destes produtos, supostamente “gratuitos”, possuem a intenção de estimular os usuários a revelar um volume cada vez maior de dados privados sobre a sua vida. Tudo aconteceria de maneira simples e gradual: ao utilizar um mecanismo de pesquisa, ou aplicativos de música ou vídeo, a empresa acabaria tendo conhecimento de todas as consultas feitas pelo usuário na rede mundial de computadores; ao usar um correio eletrônico, estaria sendo possibilitado acesso ao e-mail pessoal e profissional, ou seja, o que e a quem se escreve, abrindo ainda mais o leque de informações a serem oferecidas a anunciantes de produtos na internet; ao lançar um programa de mapas, oferecendo GPS e rotas, seria possível rastrear os lugares pelos quais o usuário passou.

Vendo a situação por este ângulo, tais conglomerados da internet ofereceriam produtos gratuitos para obter cada vez mais informações sobre seus usuários e poder vendê-las aos anunciantes por uma boa quantia de dinheiro. É a monetarização da privacidade, por meios que violam claramente a proteção do consumidor.

Conforme destaca Marc Goodman, a rede mundial de computadores é uma enorme fonte gratuita de informação e entretenimento, porém em cada utilização é deixado um imenso rastro digital e o modo como esses dados são criados, armazenados, analisados e vendidos são desconhecidos da maioria dos usuários. Até porque, caso estas empresas resolvessem explicar tudo isso, muitas pessoas ficariam assustadas e deixariam de utilizar seus serviços. E mesmo aqueles que fornecem algumas informações, fazem aproveitando-se da vulnerabilidade do consumidor. Afinal, quem lê todos os termos de consentimentos eletrônicos, padronizados na forma de formulários e com linguagem técnica, em um verdadeiro contrato de adesão em que se cede totalmente a privacidade, por prazo indeterminado e de maneira irrevogável?

Dessa forma, nas palavras deste autor, se não ficou muito claro antes, você não é o cliente das empresas digitais, você é o seu produto. E mesmo que já tenha percebido esta dinâmica, você está completamente envolvido no processo.

 

Notas e Referências

[i] GOODMAN, Marc. Future Crimes: tudo está conectado, todos somos vulneráveis e o que podemos fazer sobre isso. São Paulo: HSM Editora, 2015.

[ii] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.

 

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