Por Charles M. Machado e Aicha Eroud – 29/12/2016
"Desculpem-me, mas eu não quero ser um Imperador, esse não é o meu objetivo. Eu não pretendo governar ou conquistar ninguém. Gostaria de ajudar a todos, se possível, judeus, gentios, negros, brancos. Todos nós queremos ajudar-nos uns aos outros, os seres humanos são assim. Todos nós queremos viver pela felicidade dos outros, não pela miséria alheia. Não queremos odiar e desprezar o outro. Neste mundo há espaço para todos e a terra é rica e pode prover para todos.
O nosso modo de vida pode ser livre e belo. Mas nós estamos perdidos no caminho.
A ganância envenenou a alma dos homens, e barricou o mundo com ódio; ela colocou-nos no caminho da miséria e do derramamento de sangue.
Nós desenvolvemos a velocidade, mas sentimo-nos enclausurados: As máquinas que produzem abundância têm-nos deixado na penúria. O aumento dos nossos conhecimentos tornou-nos cépticos; a nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco: Mais do que máquinas, precisamos de humanidade; Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
O avião e o rádio aproximaram-nos. A própria natureza destas invenções clama pela bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Mesmo agora a minha voz chega a milhões em todo o mundo, milhões de desesperados, homens, mulheres, crianças, vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Para aqueles que me podem ouvir eu digo: "Não se desesperem".
A desgraça que está agora sobre nós não é senão a passagem da ganância, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano: O ódio dos homens passará e os ditadores morrem e o poder que tiraram ao povo, irá retornar ao povo e enquanto os homens morrem [agora] a liberdade nunca perecerá…
Soldados: não se entreguem aos brutos, homens que vos desprezam e vos escravizam, que arregimentam as vossas vidas, vos dizem o que fazer, o que pensar e o que sentir, que vos corroem, digerem, tratam como gado, como carne para canhão.
Não se entreguem a esses homens artificiais, homens-máquina, com mentes e corações mecanizados. Vocês não são máquinas. Vocês não são gado. Vocês são Homens. Vocês têm o amor da humanidade nos vossos corações. Vocês não odeiam, apenas odeia quem não é amado. Apenas os não amados e não naturais. Soldados: não lutem pela escravidão, lutem pela liberdade.
No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito: "O reino de Deus está dentro do homem" Não um homem, nem um grupo de homens, mas em todos os homens; em você, o povo.
Vós, o povo tem o poder, o poder de criar máquinas, o poder de criar felicidade. Vós, o povo tem o poder de tornar a vida livre e bela, para fazer desta vida uma aventura maravilhosa. Então, em nome da democracia, vamos usar esse poder, vamos todos unir-nos. Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que vai dar aos homens a oportunidade de trabalhar, que lhe dará o futuro, longevidade e segurança. É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder, mas eles mentem. Eles não cumprem as suas promessas, eles nunca o farão. Os ditadores libertam-se, porém escravizam o povo. Agora vamos lutar para cumprir essa promessa. Lutemos agora para libertar o mundo, para acabar com as barreiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à intolerância. Lutemos por um mundo de razão, um mundo onde a ciência e o progresso conduzam à felicidade de todos os homens.
Soldados! Em nome da democracia, vamos todos unir-nos!
Olha para cima! Olha para cima! As nuvens estão a dissipar-se, o sol está a romper. Estamos a sair das trevas para a luz. Estamos a entrar num novo mundo. Um novo tipo de mundo onde os homens vão subir acima do seu ódio e da sua brutalidade. A alma do homem ganhou asas e, finalmente, ele está a começar a voar. Ele está a voar para o arco-íris, para a luz da esperança, para o futuro, esse futuro glorioso que te pertence, que me pertence, que pertence a todos nós. Olha para cima! Olha para cima!"
(Tradução, Fernando Barroso)
TU LIDERAS A TUA VIDA
Lançado em 15 de outubro de 1940, o filme “O Grande Ditador” trazia o discurso acima, que permanece incrivelmente atual. Depois dele O Mundo conheceu os nefastos efeitos de duas bombas atômicas, criou a ONU em 1945, e viu ser construído em 1961 o muro de Berlim, a barreira de concreto que dividia o mundo entre o capitalismo e o socialismo.
A segunda Guerra Mundial, iniciada por um Grande ditador, que pregava bandeiras tão populistas quanto as defendidas hoje por Trump, com uma nova roupagem, gerou como resultado a morte de 50.000.000 milhões de vidas, mais de 2% da população do mundo naquela época. É incrível que passados 76 anos o discurso continua atual.
Com todo avanço tecnológico, queremos compartilhar assuntos na rede mundial, e encontramos imbecis que defendem a segregação das nossas diferenças, como se o belo não fosse a diferença, e o certo fosse apenas uma repetição do “eu”.
Do discurso de Donald Trump, no Estado de New Hampshire, defendendo a construção de um muro que separaria os E.U.A do México, onde os custos deveriam ser arcados pelo país vizinho, como solução para imigração.[1]
Esse discurso, se repete em cada esquina, com cores e tons diferentes, muitas vezes na radicalidade do ‘Sul é o meu País’, ou nos bad boys, que espancam até a morte um vendedor ambulante, que em um ato de coragem, tenta defender um travesti.
São tempos sombrios, onde nossas lâmpadas de Led, parecem opacar as mentes pouco privilegiadas, e os sons das festas raves, calam as diferenças, sendo o silêncio obsequioso a não resposta a esses atos de brutalidade.
Nesse faroeste caboclo, vence quem berra mais alto, ainda que o berro seja o eco da indiferença, dos que parecem ser robotizados pela mesmice das redes sócias, onde curtir virou a nossa única manifestação, e saímos a curtir muitas vezes sem mesmo saber o que!
O mundo, não é mais bipolar, quando se dividia entre capitalistas e socialistas, entre EUA e a URSS, ele tem diversos agentes que nele agem e interagem, numa profusão de manifestações na maioria das vezes apátridas.
A divisão única entre certo e errado, entre verde e azul, não cabe mais, pois as classificações são mera referência em um mundo que desafia a harmonia da diferença.
Harmonizar as diferenças, sem violência é o novo desafio, e nós brasileiros, cidadãos do mundo que somos únicos, com uma das maiores populações, temos um desafio, afinal quantos são os povos multiculturais e com uma considerável multiplicidade de crenças, e que conseguem viver de forma harmoniosa como o Brasil?
A Magna Carta, art. 5º, incisos XLI, XLII, determina que haverá penalização para qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais e que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, garantindo de forma ampla e segura a total liberdade religiosa de cada ser, configurando-se num Estado Democrático de Direito e Laico, onde a descriminação de qualquer natureza é considerada crime, sob penalização.
De igual forma a Lei ordinária Nº 7.716/89 define os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor.
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da administração direta ou indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.
Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Para esses, que não vivem e nem convivem com a diferença, o caminho é o rigor da lei e a frieza das grades, onde a ignorância deve ser aprisionada.
O muro, de hoje, vai além da pedra e do tijolo, nesse contexto, o muro vai muito além de uma simples obra humana, significando também imposições de barreiras entre as diferenças religiosas, raciais ou culturais, visando separar, desconsiderando uma raça ou etnia, pelos mais variados motivos, ferindo a dignidade humana da forma mais perversa possível.
O mundo presencia uma de suas maiores atrocidades, por não aprender com as lições passadas, onde alguns líderes mundiais preconizam a violência, a desigualdade, utilizando a ignorância como campo fértil para o atraso.
Em busca da sobrevivência, os imigrantes lutam constantemente contra a xenofobia e discriminações, enfrentando enormes dificuldades desde o momento em que abandonam o que restaram de seus lares, até o momento em que conseguem cruzar a fronteira. Depois, ainda lutam para conseguir um trabalho que ajude a prover o mínimo subsistente para a sobrevivência.
Sobre esse tema pode-se ter como exemplo a guerra que vem ocorrendo na Síria, onde muitos morreram ou imigraram. Conforme relata o site da G1:
“O número de sírios que buscaram refúgio em países vizinhos desde o início do conflito no país é de mais de 4,8 milhões, enquanto os que fugiram para a Europa chegam a quase 900 mil, segundo divulga nesta segunda-feira (14) o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur).”[2]
Considerando esses dados, pode-se afirmar que a maioria desses refugiados são muçulmanos. Esse fator colaborou com o crescimento da população islâmica em vários países.
No Brasil, por exemplo, foi promulgada no ano de 1997, a lei de refúgio, nº 9.474\97, onde o artigo 1º desta referida lei e seus respectivos incisos I, II, III conceitua:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
“De acordo com o CONARE, o Brasil possui atualmente (abril de 2016) 8.863 refugiados reconhecidos, de 79 nacionalidades distintas (28,2% deles são mulheres) – incluindo refugiados reassentados. Os principais grupos são compostos por nacionais da Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100), República Democrática do Congo (968) e Palestina (376).”[3]
Decorrente desses números, onde consta que a maioria dos refugiados são de países árabes. Houve também um crescimento no número de construções de mesquitas, conforme indica o site BBC:[4]
“O número de mesquitas e mussalas (salas de oração islâmicas) no Estado de São Paulo cresceu cerca de 20% em 2015, impulsionado pela chegada de refugiados e pela conversão de brasileiros, segundo a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras).”
As maiores comunidades muçulmanas estão localizadas na cidade de Foz do Iguaçu e na Capital São Paulo, onde nesta última, concentra-se o maior número:[5]
“O crescimento em São Paulo ilustra o aumento do número de praticantes do islã em todo o Brasil, que ainda não foi quantificado. Atualmente, há 102 centros de oração islâmicos em todo o país.”
Esses resultados do aumento da população muçulmana não é diferente na Europa, segundo o relatório “O futuro das religiões mundiais: projeções sobre o crescimento das populações, 2010-2050”, divulgado pelo instituto norte-americano Pew Research Center:[6]
“De 2010 até 2050, a população muçulmana na Europa deverá aumentar 63%, passando de cerca de 43.5 milhões para 70.9 milhões de residentes. Em termos percentuais, o aumento será ainda maior, de 73%: os muçulmanos a residir no continente europeu representavam 5,9% da população europeia, em 2010, e deverão passar a representar 10,2% da totalidade dos habitantes europeus em 2050.”
Num mundo sem fronteiras, não existe diferenças entre o preconceito ao haitiano ou boliviano por parte de alguns brasileiros, que ainda teimam em acreditar que só seus filhos tem direito de sonhar. São essas mesmas pessoas que defendem a migração para os Estados Unidos, mas são contrários a receber os “Hermanos latinos”.
As ações extremas, são sempre alimentadas pela ignorância e intransigência, algo incompatível com um mundo plural, onde o capital flutua em bits, e as letras acordam as mentes que nunca devem repousar.
Quem dera o único grito, não silenciado fosse o das nossas consciências à clamar pelo fim das indiferenças, que podem nascer da crença de um ser superior ou da indiferença ao pobre no farol, onde contamos os segundos para que ele abra, e partamos, distantes do fosso social que lateja nas ruas das cidades.
Oremos então para que o discurso atual de Chaplin ecoe pelo mundo, despertando as mentes frias e aquecendo os corações.
Notas e Referências:
[1] http://veja.abril.com.br/mundo/site-de-trump-poe-muro-na-fronteira-com-mexico-como-prioridade/
[2] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/refugiados-sirios-sao-48-mi-em-paises-vizinhos-e-900-mil-na-europa-diz-onu.html
[3] http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/?sword_list[]=dados&sword_list[]=de&sword_list[]=refugio&sword_list[]=de&sword_list[]=sirios&sword_list[]=na&sword_list[]=europa&no_cache=1
[4] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150911_mesquitas_saopaulo_cc
[5] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150911_mesquitas_saopaulo_cc
[6] http://observador.pt/2016/02/19/40-anos-percentagem-muculmanos-na-europa-aumentara-63/
Charles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br
. . Aicha Eroud é Acadêmica de Direito da FAFIG, Faculdade de Foz de Iguaçu.. . . .
Imagem Ilustrativa do Post: Wax Figure Charlie Chaplin, Panoptikum Hamburg // Foto de: Mark Michaelis // Sem alterações
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