Coluna Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck
A visão do empresário brasileiro está intimamente ligada com o conceito de perenidade da atividade empresária.
A empresa nasce para dar resultados e permanece enquanto isso ocorre. A ausência de integração entre a gestão, a contabilidade, a economia e o direito podem custar caro à empresa e repercutir sobremaneira na vida dos sócios ou acionistas.
Elegeu-se, aqui, um dos temas onde o compartilhamento de informações entre as áreas citadas não é apenas importante, mas necessário: as provisões.
Provisão, do latim provisione, no sentido de aprovisionamento. Quando se fala em provisão, a intimidade da palavra está relacionada com “comportamento” e, no caso, comportamento futuro. Neste contexto, a economia fornece boas ferramentas para análise empírica do comportamento, cabendo aos profissionais do direito utilizá-las no momento de classificar o risco das demandas para compor provisões com vistas ao contingenciamento.
O gestor/empresário deve atrair para si a importância do entendimento circular sobre assuntos desta natureza, permitindo a circularidade das informações entre os profissionais destas áreas, com o objetivo de organizá-las e utilizá-las de modo racional no seu planejamento e nas suas ações.
A empresa tem uma rotina pré-estabelecida e conhecida, assim como é a vida das pessoas de maneira geral. Ela opera no dia-a-dia, relaciona-se. Todavia se sujeita a eventos que podem resultar em perdas de ativos ou despesas referentes a obrigações. Os eventos, especialmente quando recorrentes, precisam ser classificados e ordenados, permitindo antecipar os efeitos no seu resultado, por meio da constituição de provisões, formadas com o objetivo de apropriar no resultado de um determinado período de apuração, segundo o regime de competência, tais custos e ou despesas.[i]
É possível o registro da provisão sobre créditos de liquidação duvidosa ou para suprir contingências, sendo que, no primeiro caso, os gestores conhecem sobre o comportamento pregresso dos seus clientes e, portanto, a suscetibilidade de perdas, enquanto que, no segundo caso, as contingências se referem ao risco de perdas derivadas de processos judiciais ou arbitrais.
Tanto as provisões decorrentes de devedores duvidosos como as provisões para contingências são passíveis de alocação e registro no Balanço Patrimonial, levado a efeito no final de cada exercício social.
A presente reflexão tem por objetivo ponderar sobre a troca de informações entre as áreas/ciências mencionadas no preâmbulo, pois tal intimidade dará subsídios adequados para a gestão eficiente da empresa.
É mais frequente o compartilhamento de informações para empresas que têm seus balanços auditados por auditoria independente, pois os consultores desta área têm por praxe orientar subsídios para parecer final.
A Lei n. 11.638/2007 estabelece que as empresas que apresentem ativo superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) no exercício anterior estão obrigadas a submeter-se ao processo de auditoria independente. Pelo conceito legal, tal obrigatoriedade se estende para além das sociedades por ações, aplicando-se as regras da Lei 6.404/76 também às demais sociedades de grande porte, classificadas segundo o valor do ativo e da receita bruta[ii].
Para os profissionais do direito, chamados para dar parecer sobre os riscos das demandas, compreender essa dinâmica também atrai diferenciais importantes, pois, frequentemente demandados, realizam um trabalho que leva em consideração o entendimento sobre o comportamento dos Tribunais Pátrios e sua jurisprudência.
O Advogado será demandado para classificar o risco em “remoto”, “provável” ou “possível”. Ao deparar com estas expressões, é indagado sobre qual o rótulo cada demanda levará, ciente de que a sua decisão importará no registro ou não das provisões para contingenciamento, como antes já fora afirmado.
Prever o comportamento é uma das tarefas mais difíceis, por isso o alerta ab initio sobre os subsídios que a economia dá para tal desiderato, podendo o leitor valer-se de outros textos desta coluna que tratem sobre temas aderentes à Análise Econômica do Direito — AED.
Para facilitar a compreensão, pode-se lançar o desafio de rotular uma determinada demanda judicial, a partir do seguinte caso hipotético: uma determinada empresa é fabricante do produto “a”. Existe a alegação de dano coletivo por defeito no produto. Subsídios do advogado: parecer técnico contratado pela empresa não conclusivo; inversão do ônus da prova em benefício da coletividade de consumidores; necessidade da prova contrária; custos de transação elevados, diante da necessidade de perícia técnica; laudo pericial igualmente não conclusivo e divergências jurisprudenciais identificadas.
Percebe-se que o cenário não é nada bom, mas a decisão do advogado em classificar o risco atrairá o registro da provisão como contingenciamento ou não. Por um lado, impactará no congelamento da receita, com repercussão em novos investimentos e até mesmo na distribuição de dividendos, no caso de uma sociedade por ações e, por outro lado, na ausência de reservas para suportar custos ou despesas futuras não contingenciadas, com repercussão na sustentabilidade do negócio.
Os autores antes mencionados esclarecem que quando as chances de perda no processo são “remotas”, a empresa não constituirá provisão. Por outro lado, caso haja risco elevado de perda, a classificação apontará perda provável, acarretando, por consequência, o registro do valor estimado de perda da causa como “provável”, hipótese em que a empresa constituirá provisão. Enquanto que na classificação “possível”, ao implicar a sensação de que não há elementos suficientes para garantir certeza de êxito ou de perda para a empresa, não haverá constituição de provisão, mas haverá ressalvas em notas explicativas das Demonstrações Financeiras.[iii]
Conclui-se com o pensamento de que a empresa deva trabalhar com subsídios das áreas compartilhadas, pois somente assim será possível ter elementos suficientes para atrair uma decisão ponderada e correta por parte do gestor/administrador findo o respectivo exercício, devendo-se incorporar metodologias geradoras de eficiência na estrutura de governança, independentemente do tamanho da empresa e da obrigatoriedade de uma escrituração mais completa e detalhada, pois, ao assim proceder, estar-se-á prestigiando o propalado princípio da perenidade da empresa.
Notas e Referências
[i] FERNANDES, Edson Carlos; RIDOLFO NETO, Arthur. Contabilidade aplicada ao direito. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 111.
[ii] Lei n. 11.638/2007. Art. 3º: “Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários”. Parágrafo único. Considera-se de grande porte, para os fins exclusivos desta Lei, a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).
[iii] FERNANDES, Edson Carlos; RIDOLFO NETO, Arthur. Contabilidade aplicada ao direito. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 115-116.
Sobre a relação entre o direito e a economia, cabe transcrever os comentários dos referidos autores (p. 15): “A partir de 2008, com a promulgação da Lei n. 11.638, de 2007, e a decorrente implementação dos International Financial Reporting Standards — IFRS pela legislação societária brasileira, a relação entre a Contabilidade e Direito se alterou de maneira significativa”.
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