Não é mais novidade que a chamada era digital, sobretudo no pós-pandemia, trouxe consigo uma série de avanços tecnológicos e mudanças paradigmáticas que impactaram (e seguem impactando) diversos setores da sociedade; inclusive o jurídico.
Nessa esteira, no âmbito do direito penal e processual penal, por exemplo, a utilização de provas digitais tornou-se cada vez mais frequente, substancial e crucial para efeitos condenatórios.
Notadamente, a relevância dessas provas é crescente, especialmente em crimes cibernéticos ou naqueles em que, ao menos, alguma “fase delitiva” tenha atravessado “caminhos digitais”; a exemplo de redes sociais, aplicativos de mensagens, dispositivos criptografados ou algum tipo de armazenamento em nuvem.
Pontualmente, a título de exemplificação, destaca-se que para os autores Renan Thamay e Maurício Tamer, provas digitais podem ser conceituadas como:
“O instrumento jurídico vocacionado a demonstrar a ocorrência de um fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração.”
Em outras palavras, provas digitais são uma espécie de dados ou informações em formato eletrônico que podem ser utilizados para demonstrar a materialidade e a autoria de um fato – supostamente criminoso –, em um processo judicial.
Contudo, a validade e a confiabilidade dessas provas dependem de um rigoroso controle sobre a cadeia de custódia; tema que ganhou destaque com a promulgação da Lei n. 13.964/2019.
Chamado de "Pacote Anticrime", o referido texto legal trouxe importantes inovações ao Código de Processo Penal (CPP), incluindo dispositivos específicos sobre a cadeia de custódia das provas. Nessa linha, cita-se o artigo 158-A do CPP que define a cadeia de custódia como:
"O conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, desde sua obtenção até o descarte".
Ou seja, a cadeia de custódia serve para assegurar que a prova digital não seja alterada, substituída ou destruída desde o momento de sua coleta até sua apresentação em juízo. Este conceito é essencial para garantir a integridade e a autenticidade das provas, de modo que elas reflitam fielmente os fatos que se pretende demonstrar.
Nesta temática, o doutrinador Aury Lopes Jr. pondera que:
“É preciso considerar que haverá diferentes morfologias da cadeia de custódia conforme o tipo de prova que estamos tratando. Uma prova pericial de exame de DNA, por exemplo, possui especificidades que obrigam ao estabelecimento de determinada rotina de coleta, transporte, armazenagem, análise, etc. que será completamente diferente da perícia sobre o material obtido em uma interceptação telefônica, por exemplo.”
Assim sendo, no que concerne a estes procedimentos a serem adotados para fiel preservação da cadeia de custódia, elenca-se o artigo 158-B do Código de Processo Penal, devidamente inovado em face do Pacote Anticrime.
De maneira breve e didática, são eles: o reconhecimento (identificação do vestígio que será submetido a exame pericial); isolamento (medidas para preservar o local do crime e evitar a contaminação da prova); fixação (documentação detalhada do local do crime e das condições do vestígio); coleta (recolhimento do vestígio, garantindo que não haja alteração de suas características); acondicionamento (armazenamento adequado do vestígio para evitar deterioração ou alterações); transporte (transferência segura do vestígio para o local onde será analisado); recebimento (registro da chegada do vestígio no local de análise); processamento (análise técnica do vestígio); armazenamento (guarda segura do vestígio após a análise); por fim, o descarte (destruição ou devolução do vestígio, conforme o caso).
Sublinha-se que cada uma dessas etapas deve ser documentada minuciosamente a fim de assegurar a rastreabilidade da prova digital, prevenindo alegações de adulteração ou contaminação. Isso, porque a correta observância da cadeia de custódia tem implicações diretas na admissibilidade e na valoração das provas digitais no processo penal.
Afinal, provas obtidas sem o devido respeito aos procedimentos de custódia, podem ser desconsideradas. É o que aduz o artigo 157 do CPP onde diz que:
"São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais".
Por isso, a integridade da cadeia de custódia é crucial para se evitar nulidades processuais e garantir, assim, o direito ao devido processo legal; protegendo os justos interesses acusatórios e defensivos.
Aqui, não se pode olvidar que se está diante de desafios específicos quanto à aplicação da cadeia de custódia nas provas digitais. Não obstante, diferentemente de provas físicas, as digitais podem ser facilmente alteradas, copiadas ou destruídas sem deixar vestígios visíveis. Assim, a preservação da integridade dessas provas requer o emprego de técnicas e ferramentas especializadas, como a utilização de algoritmos de hash para garantir a autenticidade dos dados.
Por fim, a incorporação de provas digitais no processo penal brasileiro representa um avanço significativo, refletindo a realidade tecnológica atual. No entanto, a eficácia dessas provas depende de um rigoroso controle sobre a cadeia de custódia, conforme explicitado. Além disso, a quebra da cadeia de custódia gera dúvidas quanto à veracidade das provas e afeta diretamente a credibilidade do material probatório apresentado em juízo.
Portanto, os atores da persecução penal não podem prescindir do conhecimento acerca deste cenário de desafios envolvendo a garantia, integridade e autenticidade das provas e, consequentemente, a preservação do devido processo legal e da ampla defesa; também na era digital.
Notas e referências:
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