PRODUTOR RURAL: COMO ADMINISTRAR CRIATIVAMENTE O PASSIVO E, EM ÚLTIMA ANÁLISE, UTILIZAR-SE DA LEI RECUPERACIONAL

24/01/2024

O agronegócio associado a cadeia de produção alimentar exerce relevante influência na economia do País e agrega conexões com vários setores da economia. Para se ter uma ideia “o Valor Bruto da Produção (VBP) de 2023, obtido com base nas informações de novembro, atingiu o valor recorde de R$ 1,159 trilhão, 2,5% superior em valores reais ao obtido no ano de 2022, que foi de R$ 1,131 trilhão”[i].

Pesquisadores do CEPEA/CNA indicam que, com base no desempenho parcial (terceiro trimestre/2023), o PIB do setor agropecuário pode alcançar R$ 2,62 trilhões em 2023, o que corresponderia a 24,1% do PIB do País[ii], responsável, portanto, por prover o equilíbrio da Balança Comercial e superávit.

As famílias detentoras de grandes propriedades (fazendas agrícolas e pecuárias) exercem atividades empresárias vocacionadas ao agronegócio, até mesmo em razão da sucessão para a perpetuidade, podendo melhor organizar suas atividades produtivas nas conhecidas holdings familiares (do Agro).

A produção agropecuária provém de atividades organizadas pelo pequeno, médio e grande produtor rural (o empresário do Agro). Essa é a questão! Organizar a atividade produtiva em torno de uma empresa, familiar ou não, independentemente do tamanho, responderá bem ao risco da atividade e uso de medidas saneadoras decorrentes da própria lei recuperacional (reforma pela Lei 14.112/2020).

Ressalva-se, que, mesmo antes do uso deste gatilho, por meio da bem estruturada “gestão jurídico-administrativa do passivo empresarial” é possível o soerguimento, ou seja, a recuperação do produtor rural/empresário.

Para isso, medidas saneadoras são metodicamente organizadas, segundo o perfil do empresário, dos ativos e das dívidas (passivo existente). O trabalho envolve um processo extrajudicial complexo e sistematizado, conduzido pelo jurídico que coordenará a equipe multidisciplinar em todas as atividades.

Essa equipe detém expertise para compreender como o mercado de crédito atua, como os processos judiciais de cobrança se desenvolvem e como enfrentar o mapa de credores criativamente constituído por prioridades (perfil, tempo e modo).

Outro ponto crucial, é o entendimento do negócio, das atividades econômicas do cliente, e como gerar caixa extra para o fundo próprio criado pelo Comitê Gestor do Passivo (a referida equipe multidisciplinar).

Fazer caixa com a própria atividade, gerenciando o passivo é o desafio. Socorrer-se aos fundos ou crédito de terceiros, em 2º plano, apenas para superar obstáculos não transponíveis com as próprias forças.

Desafio adicional diz respeito a conscientização do empresário, quanto a necessidade de focar no negócio e desapegar do passivo, para que este, e as decisões que são caras ao empresário/empresa sejam orientadas pela equipe de gestão jurídico-administrativa, com capacidade de mediar (com o uso real das boas técnicas de mediação e negociação). 

De qualquer modo, o instituto da recuperação judicial tem sido aprimorado, com mudanças significativas, apaziguando algumas incertezas.

Assim, caso o processo de gestão administrativa do passivo não tenha sido concluído com êxito, pode-se, em última análise, dar azo a recuperação judicial, no entanto, compreendendo as consequências amargas de uma recuperação não bem-sucedida, diante da possibilidade da convolação em falência.

Está sedimentado o entendimento de que o produtor rural poderá formalizar seu pedido de recuperação, desde que tenha a inscrição na Junta Comercial. O registro/arquivamento trata-se de ato meramente declaratório, pois a lei presume que o produtor rural já exercia atividade econômica empresarial antes mesmo de assumir a condição de empresário com registro (CC, artigo, 971). Percebe-se aqui, para o produtor rural, o reconhecimento prévio da condição de empresário, mesmo antes do arquivamento de atos na Junta Comercial, porém, para o pedido recuperacional o arquivamento prévio é necessário.

Os créditos sujeitos a recuperação devem derivar da atividade rural. Para dívidas iguais ou inferiores a R$ 4,8 milhões o produtor rural poderá lançar mão do plano especial de recuperação judicial equiparado ao do plano das micro e pequenas empresas. 

Sobre o assunto registre-se o Tema Repetitivo 1145/STJ[iii] que teve por objetivo: “definir a possibilidade de deferimento de pedido de recuperação judicial de produtor rural que comprovadamente exerce atividade rural há mais de dois anos, ainda que esteja registrado na Junta Comercial há menos tempo”.

Em decorrência do julgamento do referido Tema, firmou-se a seguinte tese: “ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro”.

Para corroborar o entendimento, confira-se o julgado abaixo:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PRODUTOR RURAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA ATIVIDADE RURAL HÁ PELO MENOS DOIS ANOS. INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL NA JUNTA COMERCIAL NO MOMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI N. 11.101/2005, ART. 48). RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Tese firmada para efeito do art. 1.036 do CPC/2015: Ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro.

2. No caso concreto, recurso especial provido.

(REsp n. 1.905.573/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 22/6/2022, DJe de 3/8/2022)[iv].

Algumas divergências foram então sanadas: a) O produtor rural/devedor, no momento do requerimento da recuperação judicial, deverá exercer regularmente suas atividades há mais de 2 anos; b) A comprovação do pleno exercício pode-se dar pela Escrituração Contábil Fiscal (ECF), pelo Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou pelo livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRF, nos termos dos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 48 da Lei de Recuperação, redação dada pela Lei 14.112/2020; c) O produtor rural no momento do requerimento da recuperação judicial deverá estar inscrito na Junta Comercial; d) O tempo de inscrição não importa, e as benesses da recuperação judicial surtem efeitos, inclusive, sobre os créditos constituídos antes da inscrição do produtor rural.

Neste contexto, conclui-se que o produtor rural que atenda os requisitos exigidos pela lei recuperacional, com destaque para as questões acima, poderá deflagrar o seu requerimento judicial de recuperação, no entanto, como estratégia inicial, e com objetivo de soerguimento com maior celeridade e eficiência, sugere-se adotar, inicialmente, o programa de gestão jurídico-administrativa do passivo, nos termos do resumo acima.

 

Notas e referências

[i]Ministério da Agricultura < https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/valor-da-producao-agropecuaria-deve-atingir-r-1-159-trilhao-este-ano>. Acesso em 18/01/2024.

[ii] CEPEA https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx. Acesso 22/01/2023.

[iii]STJ<https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&sg_classe=REsp&num_processo_classe=1905573>. Acesso em 19/01/2024.

[iv] STJ < REsp n. 1.905.573/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 22/6/2022, DJe de 3/8/2022)>. Acesso em 18/01/2023.

 

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