Produto vencido: na prateleira ou comprado garante direitos ao consumidor - Por Mauricio Antonio Correia

03/11/2017

O consumidor que constatar a existência de produto exposto à venda com prazo de validade vencido, tem direito, gratuitamente, a um produto idêntico ou similar, à sua escolha.

O consumidor, por vezes, se vê desamparado para acionar os seus direitos, mesmo hoje com todas as formas de informação, de acesso à justiça, inclusive gratuita, e de Órgãos que prestam serviço em atenção a defesa do consumidor como PROCON`s (Decreto Federal nº 2.181/97[1]), RECLAME AQUI etc.

As vezes por desinformação, outras vezes pela relação custo x benefício, em que pese, para uma reclamação até mesmo em um site requer a disponibilidade de um “tempo extra” o que em balanço ao prejuízo, as vezes em sentido singular ao consumidor se torna inviável, fazendo com que desista de praticar sua cidadania ao reclamar por seu direito, direito este, alçado à direito básico fundamental ante ao disposto no art. 5°, inciso XXXII/CRFB/1988.

Entretanto, o consumidor do estado de Santa Catarina[2] pode contar com a Lei estadual, de número 17.132 de 08 de maio de 2017, que nasceu depois do sucesso de uma campanha com caráter educativo[3], com adesão de 15 estados brasileiros, prevê que os estabelecimentos que comercializam produtos alimentícios forneçam, gratuitamente, ao consumidor que constatar a existência de produto exposto à venda com prazo de validade vencido, produto idêntico ou similar, à sua escolha. A Lei tem caráter educativo e que, para o consumidor pode fazer valer seu direito no ato em que percebe a violação do mesmo, conforme observa João Batista de Almeida “o consumidor não está educado para a relação de consumo, e que, em razão disso, é lesado por todos os modos e maneiras, diuturnamente, e vê com frequência, serem desrespeitados os seus direitos básicos consagrados pela ONU e pela legislação brasileira”[1].

Para o cumprimento desta Lei, o consumidor tem direito a apenas um produto, como disposto no parágrafo 1º, do artigo 1º do mesmo diploma legal. Na mesma Lei, prevê que o consumidor, depois de passar o produto no caixa não tenha mais o direito ao produto gratuito.

Para a correta informação ao consumidor, os estabelecimentos que comercializam os alimentos, deverão afixar placas de informações. O descumprimento ao que dispõe a Lei, imputará sanções administrativas, conforme previsão no art. 56 da Lei 8.078/90.

No entanto, o consumidor, após passar o produto pelo caixa, não perderá direito algum, apenas será acionado o dispositivo da Lei 8.078/90, CDC, que em seu art. 18, parágrafo 6º, incisos I dispõe sobre produtos vencidos como impróprios, obrigando o estabelecimento a troca, fato que também ofende os direitos básicos do consumidor como à segurança e à saúde, conforme disposto no inc. I do art. 6º do mesmo diploma legal.

A Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990 que dispõe dos crimes contra a ordem Econômica Tributária, também define os crimes contra a relação de consumo, conforme seu artigo 7º e inciso IX em que constitui crime contra as relações de consumo "vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo", o que imputa ao infrator uma pena de detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Entretanto, se o produto alimentício estiver corrompido, adulterado ou for falsificado, tornando-o nocivo a saúde ou que lhe reduza o valor nutritivo, requer maior atenção, conforme ao que expressa o art. 272, parágrafo 1º A, CP com redação dada pela Lei 9.677/98, não cabendo, de forma alguma, apenas a troca do alimento. Para Antônio Cezar Lima da Fonseca, de forma bem esplanada, entende que não teria sentido as normas do consumidor sem qualquer reprimenda, no que observa que sem a reprimenda (norma penal), “seria como dar-se uma arma ao consumidor (a Lei) retirando-lhe a munição (a sanção penal), no que ele só poderia largar a arma e sair correndo” (Fonseca, 1996, p. 80).

Na forma de penalização em pecúnia, como as multas aplicadas, o Tribunal do Estado de Santa Catarina manteve multa administrativa aplicada pelo PROCON da capital em desfavor de um atacadista pela infração de produtos vencidos, esta, que por sua vez entrou com uma ação de revisão de multa que, aplicado pelo órgão era o valor de R$ 150.000,00 e na ação de primeiro grau revertido em R$ 75.000,00 e mantido pelo Tribunal na apelação Civil n. 2015.089772-2, da Capital Relator: Des. Subst. Francisco Oliveira Neto:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REVISÃO DO VALOR DA MULTA ADMINISTRATIVA IMPOSTA PELO PROCON À FORNECEDORA DE PRODUTOS. EXCLUSÃO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO ÀS NORMAS E DE PREJUÍZO AOS CONSUMIDORES. TESES NÃO LEVANTADAS PELA AUTORA NA PETIÇÃO INICIAL. INVIABILIDADE DE DISCUSSÃO EM SEDE RECURSAL. EVIDENCIADA INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NO PONTO. "Em sede de apelação cível - cuja extensão do efeito devolutivo fica adstrita à pretensão do autor e à resposta do réu - é vedada a inovação recursal, a teor dos arts. 515 (caput) e 517, ambos do CPC." (AC n. 2014.064665-8, da Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 9-12-2014). REDUÇÃO DO QUANTUM DA MULTA. IMPOSSIBILIDADE. MONTANTE REDUZIDO PELA METADE EM PRIMEIRO GRAU. INFRAÇÃO GRAVE. VENDA DE PRODUTO VENCIDO. POTENCIAL RISCO À SAÚDE DOS CONSUMIDORES. EXPRESSIVO PODERIO ECONÔMICO DA EMPRESA INFRATORA. SOPESAMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 57 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ACERTADAMENTE REALIZADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, NO PRESENTE TÓPICO. "A multa por violação a direitos do consumidor deve ser aplicada pelo PROCON em valor significativo, mas não exagerado, com base nos seguintes parâmetros legais a observar em conjunto: gravidade da infração, extensão do dano ocasionado ao consumidor, vantagem auferida pela infratora e poderio econômico desta. O objetivo da aplicação da multa é retribuir o mal que a infratora praticou e incitá-la a não mais praticá-lo" (TJSC, Apelação Cível n. 2004.012696-4, rel. Des. Jaime Ramos, j. 19.10.2004). SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. PAGAMENTO QUE DEVE SER RATEADO ENTRE AS PARTES. EXEGESE DOS ARTS. 20, § 2º, E 21, AMBOS DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS CONFORME OS CRITÉRIOS DO ART. 20, §§ 3º E 4º, DO CPC. ISENÇÃO DE CUSTAS PELO MUNICÍPIO PREVISTA NO ART. 35, H, DA LCE 156/97. 1. "[...] VI. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos os encargos de sucumbência (despesas processuais e honorários advocatícios), a teor do caput do art. 21 do Código de Processo Civil, aplicando-se a Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça (...)" (TJSC, AC n. 2011.0486022, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 17.10.11). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO, EM PARTE, CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. REMESSA CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.089772-2, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 15-03-2016).

Ressalta-se, também, que o consumidor que adquirir o produto vencido ou, até mesmo, impróprio para consumo vier a consumi-lo e em decorrência disso sofrer algum tipo de distúrbio em sua saúde, terá a seu favor os direitos garantidos ao que preconiza a Lei consumerista 8.078/90, CDC em seu art. 18, parágrafo 6º e incisos I, II e III, sem prejuízo a possível sanção de dano moral e ou penal[4].

Fundamentado com as disposições do Diploma do Código de Defesa do Consumidor e na Lei 8.137, ambos de 1990, os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), em unanimidade, deram provimento ao recurso da Apelação Civil Nº 70057204125/2013 ao pagamento de R$ 4.000,00 a título de danos morais, (b) indenização por danos materiais e (c) pagamento custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, diante ao exposto do art. 20, § 3º, do CPC.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MEDICAMENTO. PRAZO DE VALIDADE VENCIDO. MAL-ESTAR. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1.Analisando as provas coligidas no presente feito, constata-se que a parte autora comprovou a aquisição do produto, consubstanciada pela nota fiscal inserta nos autos e que já havia transcorrido o termo final mencionado no prazo de validade do produto quando da sua aquisição. 2.Oportuno destacar que não é possível exigir do consumidor prova mais robusta quanto ao nexo de causalidade, pois não há dúvidas quanto ao fato da autora ter ingerido certa quantidade do produto deteriorado comercializado pela demandada. Contudo, exigir a prova de que o mal estar que o acometeu decorreu exatamente desta ingestão, não encontra amparo nem na ciência médica ou sequer na jurídica, quanto mais nesta que parte de presunções legais para atribuir a responsabilidade no direito consumerista. 3. Assim, a exigência do grau de certeza probatória pretendida constituiria extremada limitação aos direitos do consumidor, diante da dificuldade ou, até mesmo, da impossibilidade de sua realização, o que atenta ao garantismo à parte hipossuficiente técnica e economicamente na relação de consumo. 4.Há de ser reconhecida a inadequação da conduta da demandada ao colocar à disposição do consumidor medicamento vencido, o que ofende o direito à segurança e à saúde, insculpido no inc. I do art. 6º da Lei nº. 8.078/90. 5.Cumpre salientar que a comercialização de produto com prazo de validade expirado constitui ilícito penal, tipificado no inciso IX do art. 7ºda Lei nº. 8.137/90 e apenado com detenção de 2 a 5 anos ou multa. Assim, não há dúvida quanto à prática de conduta ilícita, tanto na seara criminal quanto civil, cujo prejuízo é presumido na hipótese dos autos. 6. No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta da ré, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita da demandada que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro. 7. O valor a ser arbitrado a título de indenização por dano imaterial deve levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como as condições da ofendida, a capacidade econômica do ofensor, além da reprovabilidade da conduta ilícita praticada. Por fim, há que se ter presente que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, importando em enriquecimento ilícito. Dado provimento ao apelo. (TJ-RS - AC: 70057204125 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 18/12/2013, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/01/2014)

Não obstante, incube ressaltar que, não entendemos que a Lei 17. 132/2017, aqui tratada, sirva como parâmetro para casos excepcionais, como em farmácias, por não se tratar de produtos alimentícios, uma vez que foi definida especificamente para mercados e produtos alimentícios, conforme art. 1º “Os supermercados, hipermercados e estabelecimentos similares que comercializam produtos alimentícios devem fornecer...” e que, na sua maioria, infrações ao que tange a medicamentos já tem legislação especifica, inclusive na seara penal.

No entanto, o provimento, como mostrado a exemplo, é apenas com intuito de confirmar o lado didático da Lei catarinense, pois, uma vez que ambas as partes da sociedade cumprem com sua parte, independentemente de culpa, diminui o prejuízo de ambos ao cumprir os dispositivos legais, sendo que muitas vezes o quantum indenizatório não é capaz de ressarcir o dano ante ao abalo emocional sofrido pela vítima[5] aqui, consumidora. 

1 - A Proteção Jurídica do Consumidor/João Batista de Almeida. 5. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006; p. 25. 

2- Direito Penal do Consumidor: Código de Defesa do Consumidor/ Antonio Cezar Lima da Fonseca. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. 

3 – Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade Civil e Defesa do Consumidor em Juizo/ Paulo R. Roque A. Khouri. 4º ed. São Paulo: Atlas, 2009 

4 – Arbitragem nas Relações de Consumo/Gustavo Pereira Leite Ribeiro. 1° ed. (ano 2006), 2° reimpr. Curitiba: Juruá, 2011. 

Santa Catarina. Lei 17. 132/2017: < http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2017/17132_2017_Lei.html> acesso em 20/10/2017 

Brasil. Lei 8.078/90. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> acesso em: 20 out. 2017

Brasil. Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> acesso em: 20 out. 2017

Santa Catarina. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2015.089772-2, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 15-03-2016). Disponível em: <http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia> acesso em: 20 out. 2017

Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. AC: 70057204125 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 18/12/2013, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/01/2014. Disponível em: <http://tjrs.jus.br> acesso em: 20 out. 2017

 



[1] “ 1) Decreto n. 2.181, 20 de março de 1997, que regulamentou aspectos do CDC, dispondo sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e estabelecendo as normas gerais da aplicação das sanções administrativas previstas no CDC. Revogou o de n. 861, de 9 de julho 1993. ”

(João Batista de Almeida, 2006, p. 13) 

[2] “Outro importante mecanismo para assegurar um elevado nível de proteção aos consumidores é a possibilidade de todos os entes federados poderem legislar sobre direitos do consumidor. Os Estados e o Distrito Federal têm poder para legislar concorrente com a União, sobre “produção e consumo”, nos termos do art. 24, V da Constituição Federal. (Paulo R. Roque A. Khouri, 2009, p. 26) 

[3] “...A educação informal não é dada na escola; decorre dos programas e das campanhas publicitárias levadas a efeito pelo poder público ou organizações não governamentais, notadamente pelos órgãos que atuam na defesa do consumidor e nas áreas de metrologia, saúde e vigilância sanitária, por intermédio dos meios de comunicação de massa ou mediante trabalhos comunitários, com objetivo de levar o consumidor, em qualquer faixa etária – e não só nas escolas -, informações e esclarecimentos que propiciem melhor postura no mercado de consumo.”

(João Batista de Almeida, 2006, p. 56) 

[4] “Os crimes contra o consumidor, assim como aqueles contra a ordem econômica, não são tratados com rigor nos Tribunais, seja porque há raridade de processos, seja porque trazem complexidade jurídica e fática. Também, como disse Nilo Batista, em relação a estes, porque a origem e relacionamento social dos autores desses crimes podem igualmente permitir mecanismos de identificação com funcionários do aparelho judiciário, o que não acontece com o ladrão de galinhas, com o assaltante de banco, etc. Daí que se disse que tais crimes são cometidos pelo colarinho branco, o cuello blanco, o White colar, na feliz expressão de Sutherland, em 1940. ” (Antonio Cezar Lima da Fonseca, 1996, p. 30) 

[5] “Oportuno salientar que a extrapatrimonial idade de um direito, por exemplo, da personalidade, não exclui a possibilidade de se produzir vantagem econômica para seu titular, caso se verifique o acontecimento de lesão da qual resulte em dano. ” (Gustavo Pereira Leite Ribeiro, 2011, p. 131)

 

Imagem Ilustrativa do Post: fun at the supermarket! // Foto de: Dylan_Payne // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/dylanlucaspayne/6450298169

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura