Princípios inerentes à ação penal – Parte I

31/08/2015

Por Thiago M. Minagé - 31/08/2015

Primeira parte da aula sobre Princípios para o exercício do direito de ação penal.

– Princípios Inerentes à Ação Penal.

Pode considerar como Princípio toda estrutura sobre a qual se constrói alguma coisa, verdadeiros ensinamentos básicos e gerais delimitando de onde devemos partir em busca de algo, verdades práticas que visam doutrinar nossa mente para melhor discernirmos quanto aos caminhos corretos a serem tomados nos objetivos. Os Princípios são os pilares, as bases do ordenamento. Eles traçam as orientações, as diretrizes que devem ser seguidas por todo o Direito. A estrutura do Direito é corolário de tal forma dos princípios jurídicos, que dificilmente pode-se dissertar doutrinariamente sobre qualquer tema decorrente desta ciência, sem que haja uma série de princípios a serem citados. Conforme conceituação dada por Bandeira de Mello[1].

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

São ideias conceituais, conceitos básicos. Importância, tendo a função de ligar a sociedade a sua história, fazendo da história do direito a historia do direito em si, pois os princípios não se esgotam nos textos que estão descritos, estando em constante evolução, nunca reduzidos à norma legal.

Existe divergência quanto à existência ou não de diferença entre Princípios, Regras e Normas. Conforme entendido, para Dworkin[2] ambos (regras e Princípios) pertencem à espécie “norma jurídica” o princípio possui um grau de abstração maior do que as regras, que possuem um grau de abstração menor, o Principio possui uma morfologia diferente das regras, onde se apresentam como verdadeiro mandado de otimização, sendo aplicado conforme o caso concreto, sendo ainda deferido um sentido social aos princípios, onde são considerados como padrões que identificam o homem como ser social: Denomino princípio um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade, ou alguma outra dimensão da moralidade. Enquanto as regras são aplicadas ou não independentemente do caso concreto, ou seja, se a regra é válida deve ser aplicada ao caso apresentado, e não existe a possibilidade de existência de duas regras conflitantes, certamente uma sucumbirá em prol da outra, resolvendo-se a questão no campo da validade.

Com a consolidação dos Princípios os Direitos Fundamentais assume uma nova ordem, direitos de liberdade (1ª geração/dimensão), após a 1ª Guerra entendeu-se que os direitos individuais não garantiam nada, surgindo assim a exigência do Estado de uma isonomia, prestação social igualitária (2ª geração/dimensão), após entendeu-se que os direitos não pertenciam a determinados agrupamentos e sim a todos sem restrição, tendo como base a solidariedade, direitos difusos ambientais, por exemplo, 3ª geração/dimensão.

Os direitos fundamentais são anteriores ao Estado, não são deferidos pelo Estado. Não se relacionam com os direitos sociais e sim apenas quanto à liberdade (1ª geração). “Ferrajoli” direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana, orgânicos. Direitos (declaração) e Garantias (proteção à declaração) – diferença que hoje não é muito contemplada.

Mesmo em governos Déspotas e Estados Totalitários os Princípios tiveram sua importância reconhecida, mesmo que não tenham sido respeitados integralmente, mas ao menos, foram reconhecidos. Percebe-se assim, tamanha importância dos princípios na formação e estruturação do Estado Democrático de Direito.

Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho[3] afirma que a expressão princípio vem do latim principium tendo significado de início, origem: motivo conceitual sobre o(s) qual(ais) funda-se a teoria geral do processo penal, podendo estar positivado (na lei) ou não. O autor classifica os princípios como inerentes à organização dos sistemas processuais e posteriormente os que se referem ao Direito Processual Penal subdivididos em Ação, Jurisdição e Processo.

De uma forma ou de outra, os princípios empregam unidade no discurso do direito, fato este extremamente necessário para condição de sua consistência[4], validade e coerência. Apenas os princípios impõem ao direito a lógica de fato que deveriam ter, sem lacunas e sem contradições, verdadeiro discurso uno, coerente e satisfatório como no dizer de Luigi Ferrajol: Son princípios, em otras palabras, que imponem al derecho positivo, la lógica que, de hecho, no tiene pero que, juridicamente, debe tener.

– Principio da Obrigatoriedade no exercício do Direito de Ação Penal.

Explicando o princípio em sua forma pura, assim, os órgãos incumbidos da persecução não podem possuir poderes discricionários para apreciar a conveniência ou oportunidade da instauração do processo ou do Inquérito. Assim sua origem na idéia de que os delitos não podem ficar impunes este princípio impõe ao Estado o dever, e não só o poder, de dar início, ou continuidade, à persecução criminal. Referindo-se à sua origem, podemos afirmar que no momento em que o Estado proibiu a vingança privada, assumiu o dever de prestar jurisdição, monopolizando esta atividade pública. É bem verdade que tal princípio foi relevante no momento histórico em que surgiu, e sua importância está justamente no fato de que obriga o Estado a agir, todavia, não lhe permitindo uma apreciação valorativa, nem da viabilidade da instauração da ação penal, incorre no erro de onerar excessivamente.

Salienta-se que na hipótese de se estabelecer um sistema onde vigora, em sua plenitude, o princípio em questão, as possibilidades fixadas pelo legislador, permitindo, em determinados casos, o arquivamento do Inquérito policial, não o desnaturam; haja vista que não se admite é que existam situações em que a não propositura da ação penal dependa de um juízo de valor do agente do Ministério Público, ou seja, não há a verificação da oportunidade ou da viabilidade da instauração da ação, mas fica-se adstrito às condições previamente estabelecidas pela lei, vinculando-se, então, a não propositura da ação penal às enumerações legais. Alegam os que desta maneira se posicionam, que não ocorre uma mitigação deste princípio, mas ele permanece vigente em toda sua plenitude, ressaltando que esta pequena dose de discricionariedade não recai sobre o exercício ou não da ação penal, segundo critérios de oportunidade ou conveniência, mas recai apenas sobre a presença ou não do dever legal de propor a ação condenatória (existência de prova mínima).

Corolário do Principio da Indisponibilidade advém o denominado Principio da oportunidade onde o mesmo se contrapõe ao da obrigatoriedade eis que citado o órgão estatal, o mesmo, tem a faculdade, e não o dever ou    obrigação jurídica de propor a ação penal, quando cometido um fato delituoso. Essa faculdade se exerce com base em estimativa discricionária da utilidade, sob o ponto de vista do interesse público, da promoção da ação penal. Podendo ainda ser considerado como também, como sendo o princípio que permite ao Ministério Público eleger entre acionar ou arquivar quando a investigação põe manifesto que o acusado com quase absoluta certeza tenha delinqüido.

3.2 – Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal.

Este princípio da ação penal refere-se não só ao agente, mas também aos partícipes. Todavia, apresenta entendimentos divergentes, até porque, em estudo nenhum a doutrina consagra um ou outro posicionamento, entendendo-se que embora possa ensejar o entendimento de que tal dispositivo, de fato fere o princípio de indisponibilidade e indivisibilidade da ação penal pública, analisando-se de maneira ampla e moderna o princípio da indisponibilidade, no intuito de demonstrar que tal ataque não é uno.

O Código Processual Penal dispõe em seu art 42, que o Ministério Público não poderá desistir da ação penal, entretanto na mesma norma jurídica, estabelece que o Ministério Público promova e fiscalize a execução da lei, forte no art 257, da referida lei. Necessário se faz enxergar, que não se tratam de desistências, visto que receberá a denúncia, quanto ao mérito da causa criminal, o que lhe é terminantemente proibido, mas quando à viabilidade acusatória, e ainda assim, o não recebimento da denúncia deverá ser justificado, como diz o dispositivo. Tratando-se, na realidade, de um verdadeiro juízo de admissibilidade da denúncia, onde são verificadas as condições da ação e a definição do quadro probatório.

O que se necessita é acreditar na serenidade, compromisso e comprometimento do órgão ministerial para com a sociedade e o bem comum, partindo do princípio de que, como se auto intitula como fiscal da lei não será ele quem vai burlá-la. Ou este título serve para poder fazer aquilo que bem entender?

– Princípio da Legalidade Estrita

Convencionalismo – reserva legal e submissão do juiz a lei. Princípio da legalidade estrita – serve única e exclusivamente para definir aquilo que o estado que seja considerado como desvio punível. Características da legalidade estrita: Caráter formal/legal – definir o desvio, ou seja, aquilo que é punível. É crime/desvio aquilo que a lei previamente diz que é, pouco importando o que a moral, os costumes e a sociedade diz (por mais que no âmbito da criminologia este tema ganha tamanha relevância). Caráter empírico/fático – quando ocorrer o desvio previamente definido. Buscam-se as figuras fático-empíricas de comportamento e não as características pessoais.

A lei definidora de desvio/crime tem caráter regulamentar e não constitutivo, pois a norma ela regula um comportamento. Sendo certo que neste ponto o autor afasta a moral do direito.

- Princípio da Estrita Jurisdição e refutação da verdade no Processo Penal.

Como bem definido por Ferrajoli como cognitivismo processual o Princípio da estrita jurisdição busca fundar a tarefa do processo quanto às partes nele atuantes, fornecer o mais profundo possível uma verificabilidade e refutabilidade das hipóteses acusatórias de caráter assertivo e nunca indutivo, ou seja, o processo por ser verdadeira reconstrução histórica dos fatos, não deve induzir em nada o seu caminhar, deve sim, descrever o mais próximo possível o que ocorrera anteriormente, deve a acusação a apresentar/descrever os fatos no processo como efetivamente ocorreu e nunca induzir o julgador ou mesma a parte contrária conforme entende que tenha ocorrido ou queira que seja definido. Como já afirmado o desvio punível é regulado e não constituído pela lei, os fatos precedem a lei, e a previsão legal se torna abstrata, obviamente que terá ingerência apenas quando o fato que a antecede e posteriormente se torna regulado venha ocorrer novamente.

Logo, em todo o tramitar processual e mesmo o período pré-processual que possivelmente originara o processo, deverá estar pautado em atos processuais previamente definidos e conforme sua sequência lógica de prática. Não podendo as partes inovar para além daquilo que está previsto na lei. Por conta desta situação Ferrajoli[5] critica a existência de normas em branco (aquelas que padecem de indefinição) seja de cunho material ou mesmo processual, alertando que as referidas leis podem levar o a valorações (valores pessoais) jurídicas, por parte não só do julgador como também das partes, submetendo a possibilidades de gerar injustiças devido o alto grau de subjetivismo. Tudo até aqui afirmado visa um modelo idealista limitativo. A adoção do termo verdade leva-nos a uma discricionariedade tamanha que, deve ser esvaziado de forma a não mais influenciar em toda sistemática processual.

Quatro pontos são destacados para reduzir o caráter verdadeiro. Poder de indicação/interpretação/verificação, comprovação probatória/verificação fática, poder conotação/compreensão, disposição/valoração ético-política.

A prova empírica dos fatos penalmente relevantes não é uma atividade unicamente cognitiva, mas constitui uma conclusão provável de um processo indutivo. O modelo garantista tem a função de limitar o poder do estado evitando penas ultra e extra legem. Inegável a afirmação de que uma decisão judicial é sim, uma decisão política.

Modelos autoritários são verdadeiros modelos antigarantista, que se perfazem da seguinte forma: É considerado desvio punível não só aquilo que está descrito na lei mas também aquilo que confronta a moral e ética social. Para a doutrina moralista o desvio punível seria um pecado, para os jusnaturalista seria um problema patológico levando a definir como crimes situações abrangentes e elásticas (normas em branco) que esvazia o princípio da estreita legalidade.

Outra vertente do antigarantismo é o decisionismo processual, mesmo porque, não possui caráter cognitivo e sim potestativo. O decisionismo advém da falta de conhecimentos empíricos, gerando assim uma subjetividade dos pressupostos da sanção. Possui duas vertentes: 1 – direito penal do autor, qualifica como criminoso determinados modelos de pessoas. 2 – não possui verdade processual atrelado apenas ao que o julgador entende (subjetivismo) sendo conseqüentemente irrefutável.

A maldita verdade material significa uma verdade absoluta que vai de confronto com o modelo penal garantista, alcançável por qualquer meio sem qualquer limite legal. O despotismo penal é sempre produto do decisionismo e do arbítrio dos juízes. A verdade formal é aquela que respeita as regras em caráter absoluto sem arbitrariedades, eis que, a produção probatória respeita os ditames previamente estabelecidos. Fica difícil dessa forma saber o que é verdade então.

Assim sendo alcança-se um verdadeiro paradoxo, ou seja, se uma justiça integralmente com verdade é uma utopia, uma justiça penal completamente sem verdade leva a uma arbitrariedade.


Notas e Referências:

[1] BANDEIRA DE MELLO. Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 8ªEd. São Paulo: Malheiros Editores, São Paulo. 1996, p.545.

[2] DWORKIN. Ronald, Levando os Direitos a Sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo. Martins Fontes. 2002.  p. 36.

[3]  MIRANDA COUTINHO. O papel dos princípios, portanto, transcende a mera análise que se acostumou fazer nas faculdades, pressupondo-se um conhecimento que se não tem, de regra; e a categoria acaba solta, desgarrada, com uma característica assaz interessante: os operadores do direito sabem da sua importância, mas, não raro, não tem o seu sentido, o que dificulta sobremaneira o manejo. O problema maior, nesse passo, é seu efeito alienante altamente perigoso quando em jogo estão valores fundamentais como a vida, só para ter-se um exemplo.

[4] FERRAJOLI. Luigi. Epistemologia Juridica y Garantismo. Fontamara. 1ª edição 2004. p. 134.

[5] FERRAJOLI. p. 264.


Sem título-15

Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal nos cursos de Pós Graduação da Faculdade Baiana de Direito e ABDConst-Rio. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Coordenador do Curso de Direito e da Pós Graduação em Penal e Processo Penal da UNESA/RJ unidade West Shoping. Advogado Criminalista.

E-mail: thiagominage@hotmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: JD Hancock// Foto de: Cobra Commander // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jdhancock/5504936963

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura