PRINCÍPIOS E DIREITOS PREVISTOS NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL: REFLEXÕES A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA

03/07/2018

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A presente investigação científica tem como objetivo analisar alguns julgados de segunda instância da jurisprudência nacional, no viés da dogmática jurídico-penal, quanto à aplicação de “benefícios” aos reeducandos previstos na Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984) e de princípios norteadores da execução das penas. A pesquisa científica se estruturou em seis capítulos, cada um com dois tópicos.

Esclarece-se, de início, que embora a legislação pátria se refira aos direitos à progressão de regime, remissão da pena e saídas temporárias enquanto “benefícios”, o artigo em questão modificará a nomenclatura por “direitos”, o que se amolda aos princípios de cariz democrática sob a ótica da execução penal.

No primeiro capítulo abordou-se o princípio da dignidade da pessoa humana, com análise de dois acórdãos, um favorável à situação que se encontra o apenado e um desfavorável. No segundo capítulo, analisou-se o princípio da taxatividade da legislação penal a partir de dois casos enfrentados pela jurisprudência, um em que a decisão foi favorável e outro desfavorável ao recorrente. Na terceira parte da pesquisa foram objeto de análise dois julgados, a favor e em desfavor do reeducando, a respeito de como o princípio do no bis in idem tem sido vislumbrada na prática.

Além disso, os três últimos capítulos do artigo abordaram três direitos previstos na Lei de Execução Penal e como estão sendo tratados pelos Tribunais nacionais, notadamente à luz do garantismo penal. Foram objeto de análise, com uma decisão contrária e um favorável ao reeducando, os seguintes direitos: remissão de pena, progressão de regime e saída temporária.

Os materiais utilizados como base da pesquisa foram a legislação, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, doutrinas e decisões da jurisprudência nacional. O artigo utiliza-se do método dedutivo de investigação. Salienta-se, outrossim, que a pesquisa não tem o escopo de findar a discussão sobre como a Lei de Execução Penal tem sido aplicada pelos Tribunais. Pelo contrário, o objetivo é iniciar e ampliar a discussão crítica sobre o tema.

 

1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1.1 Decisão favorável ao apenado

Trata-se de Agravo de Execução Penal nº 1000059-69.2016.8.24.0000, de relatoria do Desembargador Sérgio Rizelo, do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 29 de março de 2016, assim ementado:

RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE INDEFERE PRISÃO DOMICILIAR HUMANITÁRIA. RECURSO DO APENADO. 1. PRISÃO DOMICILIAR (LEI 7.210/84 (LEP), ART. 117). REGIME FECHADO. DOENÇA GRAVE. TRATAMENTO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º. INC. III). 2. ENFERMIDADES DEBILITANTES COMPROVADAS. PIORA DO QUADRO. ASSISTÊNCIA MÉDICA INSUFICIENTE. INFORMAÇÃO E RECOMENDAÇÃO DO MÉDICO DO PRESÍDIO. 1. É possível, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana, a concessão de prisão domiciliar a presos dos regimes semiaberto e fechado portadores de doença grave que não possam ser tratados no sistema prisional. 2. Deve ser concedido o recolhimento em residência particular a condenado de 77 anos de idade que, por sofrer de hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, alto risco cardiovascular, depressão, perda auditiva neurossensorial bilateral, osteoartrose, obesidade, gastrite, hiperplasia prostática benigna, cefaleia crônica, insônia, desnutrição/sarcopenia, declínio cognitivo, incontinência urinária e lombalgia crônica, necessita de cuidados médicos constantes, ingestão diária de medicamentos e tratamento fisioterápico e fonoaudiológico, quando se constata piora no seu estado de saúde desde a prisão e o médico do estabelecimento prisional em que está recluso atesta a inviabilidade de oferecimento de tratamento adequado no local e a possibilidade de riscos à saúde, recomendando a inserção em prisão domiciliar. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O recurso em tela impugnou decisão do juízo de execução penal que indeferiu o pedido da defesa para que o apenado cumprisse a pena em prisão domiciliar na modalidade humanitária. Todavia, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, com supedâneo no sagrado princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) entendeu que é possível a concessão de prisão domiciliar a presos dos regimes semiaberto e fechado portadores de doença grave que não possam ser tratados no sistema prisional, vez que comprovada enfermidade debilitante.

A decisão foi acertada, haja vista que, embora condene-se o sujeito a uma pena de prisão, está deve sempre observar a dignidade que lhe é inerente, assim como a todo ser humano, de modo que se a sua manutenção no sistema carcerário o impossibilita de ter tratamento médico adequado, com probabilidade atestada por profissional da área de que o quadro pode ser agravado, não há legitimidade alguma do Estado para insistir na permanência do apenado nas estruturas falidas e desumanas que ainda – sim, ainda – conseguem, de forma capenga evidentemente, sustentar um sistema prisional que apenas corrobora as mazelas da atuação pretérita do direito penal de apuração de condutas, processamento e condenação.

Até porque, como bem ensina Maria Garcia, “a compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica com autodeterminação consciente, garantida moral e juridicamente” (GARCIA, p. 211, 2004) é a essência da dignidade de cada sujeito. Ou como diria Artur Cortez Bonifácio, é um princípio que justifica as ações do Estado Democrático de Direitos e Garantias em favor dos direitos fundamentais, evidenciando um modelo democrático de governo voltado para a busca pela paz social (BONIFÁCIO, 2008). Nessa linha, cabe destacar os apontamentos de Eugênio Raul Zaffaroni e Nilo Batista, segundo os quais:

A irrupção dos direitos humanos no discurso jurídico-penal constitui o mais importante e complexo fenômeno de sua história contemporânea. Se, por um lado, tal irrupção contribui para o programa de desterritorialização normativa, funcional perante o empreendimento econômico e político que se esconde atrás da expressão “globalização”, levando por vezes à produção discursiva de duvidosos universais […], por outro lado representa inquestionável reforço no delineamento de padrões mínimos de contenção e limitação do poder punitivo (ZAFFARONI; BATISTA, 2006, p.339).

Além do que, como já explanado pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 201819, de Relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie, "se o juiz não reconhece, no caso concreto, a influência dos direitos fundamentais sobre as relações privadas, então ele não apenas lesa o direito constitucional objetivo, como também afronta direito fundamental considerado como pretensão em face do Estado, ao qual, enquanto órgão estatal, está obrigado a observar".

 

1.2 Decisão desfavorável ao apenado

Trata-se de Agravo de Execução Penal nº 0040987-59.2015.8.26.0000, de relatoria da Desembargadora Ivana David, do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 09 de dezembro de 2015, assim ementado:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. PEDIDO DE INTERVENÇÃO JUDICIAL PARA REMOÇÃO DE PRESO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.

Cuida-se de recurso que impugnou decisão proferida pelo juízo a quo de execução penal que negou pedido de remoção de preso para outra penitenciária. O agravante pretendeu sua remoção da Penitenciária de Flórida Paulista-SP, onde cumpria pena, para a Penitenciária I, II ou III de São Vicente, sob o argumento de que seu irmão também cumpria pena no referido local e que tal mudança lhe permitiria ficar mais próximo de sua família, que residia no Município do Guarujá. Segundo o agravante, a decisão ofendeu, entre outras garantias, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em que pese as alegações do agravante, e guardadas as suas proporções, com máxima venia de quem pensa de modo diverso, a decisão do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que não há necessidade de intervenção do Poder Judiciário para remoção de preso no sistema carcerário, por se tratar de competência administrativa dos diretórios penitenciários, vai de encontro com a garantia fundamental do acesso à justiça, especificamente da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) e, consequentemente de encontro com a própria dignidade do sujeito, que se vê frustrado diante daquele com o qual assinou o contrato social: o Estado.

O fundamental direito de acesso à justiça, notadamente dentro de um Estado Democrático de Direitos e Garantias Fundamentais, pode-se dizer, é a forma pela qual os sujeitos da ordem social [Estado] podem deste se defender, por meio de uma prestação jurisdicional do Poder Judiciário justa e efetiva, ao arrepio de um direito penal estigmatizante e deslegitimador da própria proposta de retribuição e ressocialização.

É por meio do acesso à justiça que a proclamação do direito de todos pode encontrar seu campo de maior efetivação. Não se trata apenas de um direito social fundamental; mais do que isso, o acesso à justiça é o ponto central da moderna processualística (CAPPELLETTI; GARTH, 1988) e, nessa linha de raciocínio, a recusa judicial em analisar irresignações do sujeito apenado, data venia, viola sim a dignidade do ser humano. Não é desairoso repisar que a ausência de tutela judicial em casos tais na sociedade contemporânea, como bem explicitou Luiz Guilherme Marinoni, “torna-se muito difícil, principalmente para os pobres, a percepção da existência de um direito. Tal dificuldade poderia ser contornada se os mais humildes tivessem acesso à orientação e à informação jurídicas. Porém, se a assistência judiciária tem suas deficiências, a assistência jurídica é um sonho ainda muito distante” (MARINONI, 2000, p. 65).

Nessa celeuma, insta trazer à baila, outrossim, as ponderações de Luigi Ferrajoli para quem a prisão é compreendida como ato de arbitrariedade e força do Estado. Isso porque, inexiste provimento judicial, nem mesmo dos demais poderes públicos, que desperte tanta insegurança e medo no direito do que o encarceramento de um indivíduo, que muitas vezes, se estende por anos, sem processo (FERRAJOLI, 2006). Ou seja, não pode o Judiciário negar-se quando acionado pelo apenado para análise de possível remoção para outra estrutura penitenciária. É necessário que haja a atuação para que então – ainda que minimamente – a descrença em um direito [des]penalizante seja minimizada diante de tantas mazelas do sistema penal.

 

2 O PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE DA LEI PENAL

2.1 Decisão favorável ao apenado

Trata-se de Agravo de Execução Penal nº 0006236-02.2016.8.21.7000, julgado em 28 de abril de 2016 pela Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. DETERMINAÇÃO DE INTERRUPÇÃO DO CUMPRIMENTO DA PENA. PRISÃO DOMICILIAR. AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO PENAL ADEQUADO AO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME SEMIABERTO. NÃO TAXATIVIDADE DAS HIPÓTESES DO ART. 117 DA LEP.  INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, DA RAZOABILIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA.  Se o apenado cumpre pena privativa de liberdade em regime semiaberto, o estabelecimento penal ao qual está recolhido deve atender aos requisitos dos arts. 35, §1º, do CP, e 91 da Lei de Execução Penal. A enumeração contida no art. 117 da Lei das Execuções Penais, que disciplina as hipóteses em que os apenados podem ser beneficiados com prisão domiciliar, não é taxativa, devendo o juiz, diante da análise do caso concreto, aplicar a solução mais adequada, à luz dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualização da pena. Existe uma omissão deliberada e desidiosa do Estado em dar cumprimento à lei, não se podendo atribuir aos apenados os ônus dessa política omissiva. SUSPENSÃO DO CÔMPUTO DE PENA. Não há razoabilidade em não computar o período de espera pelo surgimento de vaga como pena cumprida quando o apenado não é responsável pela espera, tampouco pelo não cumprimento da pena no estabelecimento prisional compatível com o semiaberto. AGRAVO MINISTERIAL DESPROVIDO, por maioria. AGRAVO DEFENSIVO PROVIDO.

O Ministério Público interpôs o respectivo recurso em face da decisão da 2ª Vara de Execuções Penais de Porto Alegre que determinou a interrupção do cumprimento de pena, até que haja vagas no regime semiaberto. Alegou em suas razões recursais, que a decisão de interrupção de pena, é na realidade, uma prisão domiciliar. Por tal motivo, não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 117 da LEP.  A defesa, por sua vez, requer que seja computado como pena cumprida o período em que o apenado estiver em domicílio, sob o argumento de estar submetido ao controle estatal.

A Sétima Câmara Criminal negou o apelo do órgão de execução gaúcho e assentou, em um primeiro momento, que a enumeração contida no artigo 117 da Lei de Execuções Penais não é taxativa, devendo o juiz, diante da análise do caso concreto, aplicar a solução mais adequada, em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e individualização da pena. E, ainda, asseverou que “É inaceitável o cumprimento de pena em presídio que não atende aos requisitos mínimos estabelecidos na Lei de Execuções Penais, os quais visam a assegurar diretamente a integridade física e moral dos condenados”.

Portanto, não havendo vaga em estabelecimento compatível com o regime semiaberto, a prisão domiciliar é medida que se impõe. Por consequência, a respectiva câmara acatou o apelo defensivo para computar o período de espera (prisão domiciliar) pelo surgimento da vaga como pena cumprida e demais efeitos inerentes à execução. Nesse diapasão, o apenado não é responsável por essa espera e sim o Estado que foi negligente na gestão de seus jurisdicionados penais.

A decisão é muito acertada e reflete o Direito Penal de Cariz Democrática estabelecido pela Constituição Federal. A omissão do estado não pode interferir em um regime mais gravoso para àqueles que possuem direito à progressão de regime. Esse julgado é uma resposta garantista à superlotação e à crença desmedida na prisão e no encarceramento em massa.

O Sistema Penal passa por uma grave crise de legitimidade, pois não cumpriu com as promessas que fez na modernidade: proteção de bens jurídicos; b) combate à criminalidade, através da retribuição e prevenção; c) aplicação igualitária das penas. Como acreditar em um sistema que ao mesmo tempo encarcera demasiadamente, mas, ao mesmo tempo, aumenta a criminalidade em números astrológicos? Assim, a punição é ineficaz, pois “afasta a busca de outras soluções mais eficazes, dispensando a investigação das razões ensejadoras daquelas situações negativas, ao provocar a superficial sensão de que, com a punição, o problema já estaria satisfatoriamente resolvido” (KARAM, 2015, p. 3).

 

2.2 Decisão desfavorável ao apenado

Trata-se de Agravo de Execução Penal nº 0379529-29.2016.8.21.7000, julgado pela Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 01 de dezembro de 2016, assim ementado:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. pRISÃO DOMICILIAR. REGIME FECHADO. EXCEPCIONALIDADE NÃO EVIDENCIADA.  PATOLOGIAS QUE NÃO IMPOSSIBILITAm O CUMPRIMENTO DE PENA. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO INTRAMUROS. QUADRO CLÍNICO ESTÁVEL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. Preliminar contrarrecursal. Recurso conhecido. Evidente interesse recursal da Defesa, legitimado pela melhora da situação do apenado, com deferimento de prisão domiciliar, independentemente do efetivo recolhimento ao cárcere. Preliminar que, durante a tramtiação do agravo, perdeu sua razão de ser, porquanto o reeducando foi recolhido ao regime fechado. Prisão domiciliar. Apenado de 73 anos de idade, acometido por “Insuficiência Cardíaca Congestiva CID I50, Angina Instável CID I200, Hipertensão Arterial Sistêmica CID I10”. Hipóteses do art. 117 da Lei de Execução Penal que dizem respeito tão somente aos apenados pertencentes ao regime aberto, não podendo o agravante valer-se delas em razão de cumprir pena em regime fechado. Contudo, algumas situações, revestindo-se de inegável excepcionalidade, adquirem magnitude bastante a ensejar a concessão do recolhimento domiciliar, ainda que não estejam dentre as previstas pelo legislador. Taxatividade do art. 117 da LEP afastada pela Súmula Vinculante n.º 56 do STF. Excepcionalidade não verificada no caso concreto. Diagnóstico profissional que evidencia quadro clínico estável, considerado “assintomático” no último exame realizado. Moléstias que, embora dificultem e limitem a vida no cárcere, não a inviabilizam. Cuidados contínuos que vêm sendo providos, com, ao que tudo indica, fornecimento do tratamento adequado, de caráter medicamentoso, via oral, com cápsulas facilmente ministráveis. Inexistência de incapacidade para atividades compatíveis com a idade, tampouco registradas crises ou emergências decorrentes do delicado estado de saúde. Eventual falha no fornecimento da medicação necessária que deve ser sanada perante a administração prisional ou, ainda, em Habeas Corpus diretamente ao Juiz execucional. Manutenção da decisão indeferitória, podendo a situação ser revista pela magistrada singular em caso de agravamento do quadro clínico. Incidência do princípio da confiança no Juízo de origem.PRELIMINAR CONTRARRECURSAL REJEITADA. RECURSO CONHECIDO. AGRAVO DESPROVIDO. UNÂNIME.

O respectivo agravo foi interposto pela defesa em face da decisão a quo que indeferiu o pedido de prisão domiciliar sob o fundamento de ausência dos requisitos do art. 117 da LEP, afirmando, ainda, a inexistência de indicativo de que o tratamento não possa ser prestado dentro do estabelecimento prisional ou mediante deslocamento do detento para estabelecimento hospitalar.

A Sexta Câmara Criminal não deu provimento ao recurso e manteve a decisão do juízo de primeiro grau.  A Câmara em questão filia-se ao entendimento de que, um dos casos permissivos da substituição do regime por prisão domiciliar, é enfermidade que impossibilite a regular execução da sanção imposta. Contudo, não restou comprovado nos autos que as condições da doença do apenado permite o cumprimento da pena em sede de prisão domiciliar.

Além disso salientou que, por ainda ter um saldo de pena 08 anos e 10 meses de crimes de extrema gravidades, não seria cauteloso o retorno “abrupto e prematuro do apenado ao convívio social”. Como não se pode ter acesso aos autos e, consequentemente às provas, não há como aferir se a decisão foi acertada ou não. Mas pelo teor da fundamentação o que impossibilitou a concessão da prisão domiciliar foi a gravidade do crime e não as condições da doença propriamente dita, coadunando-se de alguma forma, aos fundamentos da decisão recorrida.

 

3 O PRINCÍPIO DO NO BIS IN IDEM

3.1 Decisão favorável ao apenado

Trata-se de Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 543.044 - MT (2014/0164744-0), de relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro, do colendo Superior Tribunal de Justiça, julgado em 15 de setembro de 2016, em oposição à decisão proferida pelo então relator, o Ministro Ericson Marano (Desembargador Convocado do TJ/SP) que não conheceu do agravo em recurso especial.

O agravante foi condenado como incurso no art. 33, caput, c/c o art. 40, inciso III, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 05 (cinco) anos, 02 (dois) meses e 06 (seis) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, além do pagamento de 223 (duzentos e vinte e três) dias-multa.

Houve apelação do Tribunal do Mato Grosso, onde, por maioria, deram parcial provimento ao recurso de modo a reduzir a reprimenda para 03 (três) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, além do pagamento de 96 (noventa e seis) dias-multa. Opostos embargos declaratórios pelo Ministério Público, foram acolhidos a fim de, corrigindo erro material, estabelecer a pena de 04 (quatro) anos, 04 (quatro) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, além do pagamento de 155 (cento e cinquenta e cinco) dias-multa.

Irresignada, a defesa interpôs recurso especial, sustentando a violação dos arts. 59, inciso II, do Código Penal e 33, §4º, e 42 da Lei nº 11.343/2006, alegando que ocorreu bis in idem na dosimetria da pena, pelo fato das instâncias ordinárias terem utilizado a quantidade e a natureza da droga apreendida tanto na primeira quanto na terceira fase do cálculo. Contudo, o apelo foi inadmitido, subindo ao STJ por força de agravo, não conhecido pela decisão do então relator, Ministro Ericson Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), por incidência da Súmula 182/STJ. De seu turno, a defesa então interpôs agravo regimental, sustentando que impugnou todos os fundamentos do Tribunal de Origem que inadmitiu o recurso especial.

Em que pese os eminentes Desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso entenderem que a quantidade e a natureza da droga podem ser utilizados, concomitantemente, tanto na primeira fase da dosimetria, a fim de aumentar a pena-base, quanto na terceira fase, na estipulação da fração de diminuição da reprimenda prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, data máxima vênia, tal entendimento diverge de forma contundente a jurisprudência da Corte Superior. Consoante inúmeros precedentes colacionados na decisão em análise, o Superior Tribunal de Justiça já se firmou no sentido de que tal entendimento configura ocorrência de bis in idem.

Extrai-se, portanto, que a decisão analisada atende aos preceitos ideológicos do garantismo penal, na busca pelas garantias básicas do indivíduo no sistema jurídico-penal de um Estado Democrático de Direito. Parece-nos razoável que se preserve a isonomia e o devido processo legal, desde sua origem até a extinção da punibilidade. Em tempos onde a preocupação com o respeito à dignidade da pessoa humana e a busca por um Direito Penal que se ocupe precipuamente com o fato delituoso, não se concentrando em perseguições de determinados grupos sociais, de determinados crimes previamente rotulados e destinados a estes grupos sociais.

Outrossim, relativizar a vedação ao bis in idem na dosimetria da pena estaria totalmente fora do contexto e dos rumos que o Direito Penal está seguindo. As regras do jogo devem ser claras e isonômicas, sob pena de entrarmos em um estado de exceção. Dessa forma, a decisão proferida pelo Ministro Antônio Saldanha Palheiro, que deu provimento ao agravo regimental, ordenando que o Tribunal de origem efetuasse novamente a dosimetria da pena, considerando a natureza e a quantidade da droga em apenas uma das fases da individualização da reprimenda, reforçou, acertadamente, as garantias constitucionais do condenado.

 

4 O DIREITO DA REMIÇÃO DE PENA

4.1 Decisão favorável ao apenado

Trata-se de Agravo de Execução Penal nº 0003783-67.2016.8.24.0075, de relatoria da Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer, do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 25 de agosto de 2016, assim ementado:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE AO RECONHECER A PRÁTICA DE FALTA GRAVE PELO APENADO, REGRIDE SEU REGIME PRISIONAL E DECRETA A PERDA DE 1/3 (UM TERÇO) DO TEMPO REMIDO. INSURGÊNCIA DA DEFESA. ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA DECRETAR A PERDA DA REMIÇÃO. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS  127 E 57 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. PERDA DA REMIÇÃO QUE DEIXOU DE SER CONSEQUÊNCIA AUTOMÁTICA COM O RECONHECIMENTO DA PRÁTICA DE FALTA GRAVE E PASSOU A SER ATO DISCRICIONÁRIO DO JUIZ E QUE, PORTANTO, DEMANDA FUNDAMENTAÇÃO. - Com o advento da Lei n. 12.433/11, o artigo 127 da Lei de Execução Penal passou a prever a possibilidade da perda da remição pela prática de falta grave de até 1/3 (um terço) do tempo remido. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O recurso em tela impugnou decisão do juízo a quo de execução penal que, ao reconhecer a prática de falta grave pelo apenado, regrediu seu regime de prisão, bem como decretou a perda de 1/3 (um terço) do tempo de remição de pena conquistado pelo apenado, todavia, a magistrada decretou a perda sem qualquer fundamentação jurídica, o que, segundo o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina contraria o próprio art. 127 da lei de execução penal que exige fundamentação.

Com a máxima venia de quem pensa de modo contrário, a decisão da Corte Catarinense, no sentido de revogar o decisum de primeiro grau, devolvendo ao apenado a remição conquistada foi acertada. Isso porque, a fundamentação de qualquer decisão judicial é um dos corolários do Estado democrático de Direitos e Garantias, tanto é assim que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 93, inciso IX determina expressamente que todas as decisões do Poder Judiciário serão públicas e fundamentadas. Isso em razão de o sujeito ter o direito de saber as razões que levaram o julgador a decidir de tal jeito e se tal motivação encontra respaldo normativo no ordenamento jurídico pátrio.

A necessidade de fundamentação das decisões, sob outro vértice, impede que o magistrado atue de forma discricionária, exarando única e exclusivamente sua vontade pessoal sobre a vida de cada sujeito submetido à sua jurisdição. É uma garantia fundamental – constitucionalmente assegurada – que visa garantir a paz social e o equilíbrio entre aqueles que realizam a prestação jurisdicional (juízes, órgãos judiciais etc.) e os jurisdicionados. Uadi Lammêgo Bulos, nesse diapasão, pondera que pelo princípio da motivação das decisões, o Poder Judiciário tem o dever de explicar as razões fáticas e jurídicas pelas quais a decisão é favorável ou não ao jurisdicionado, tratando-se de uma garantia contra possíveis excessos do Estado-juiz (BULOS, 2015).

Especificamente à remição da pena, a fundamentação de sua possível perda é imprescindível, pois nota-se que tal direito ao apenado visa tornar a pena menos severa e, quiçá, fazer valer o argumento de que uma das funções da pena é a ressocialização. A remição, nessa toada, revela-se um verdadeiro afrouxamento da severidade do sistema penal. Quanto menos sofrimento, mais suavidade e mais próximo da ressocialização poderá então encontrar-se o sujeito. Já esclarecia Michel Foucault que: “o afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e “humanidade”. Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade? Talvez. Mudança de objetivo, certamente” (FOUCAULT, 2003, p. 18).

Não bastasse a garantia constitucional de fundamentação das decisões judiciais, a lei de execução penal, em seu art. 127 é muito cristalina ao dispor sobre a necessidade de o magistrado fundamentar a possibilidade de perda da remição conquistada pelo apenado, inclusive no tocante ao quantum perdido. A legalidade é uma pedra de toque para o Judiciário dentro de uma ordem social democrática. Tanto é verdade que bem escreveu Montesquieu que “nos governos republicanos é da natureza da Constituição que os juízes observem literalmente a lei” (MONTESQUIEU, p. 110, 1982). Outrossim, vale destacar os ensinamentos de José Afonso da Silva, segundo o qual o princípio da legalidade é nota essencial do Estado Democrático, uma vez que é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se sempre na legalidade democrática, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça social (SILVA, 2007).

 

4.2 Decisão desfavorável ao apenado

Trata-se de Agravo de Execução Penal nº 0005854-83.2015.8.24.008, de relatoria do Desembargador Rui Fortes, do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 12 de julho de 2016, assim ementado:

RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. INDEFERIMENTO NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA DEFESA. NÃO ACOLHIMENTO. GRADE DE REMIÇÃO QUE INDICOU A OCORRÊNCIA DE 74 (SETENTA E QUATRO) DIAS DE TRABALHO NO PERÍODO DE DEZEMBRO DE 2013 A FEVEREIRO DE 2014. APENADO, TODAVIA, QUE AFIRMOU EM AUDIÊNCIA QUE O LABOR EXERCIDO NÃO SUPERAVA UMA HORA DIÁRIA. JORNADA DE TRABALHO INFERIOR AO EXIGIDO POR LEI (6 HORAS DIÁRIAS). INEXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE CONTROLE/FISCALIZAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL ACERCA DO TRABALHO DESEMPENHADO PELO REEDUCANDO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA REMIÇÃO NO CASO CONCRETO. ATIVIDADE DESEMPENHADA PELO REEDUCANDO EM DESACORDO COM OS REQUISITOS DA LEI DE REGÊNCIA. EXEGESE DOS ARTS. 33 E 126 DA LEP. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "A remição se dá por dias trabalhados, e não por horas, sendo que a contagem de tempo será feita à razão de um dia de pena a cada 3 dias trabalhados, exigindo-se, para cada dia a ser remido, o labor de no mínimo 6 e no máximo 8 horas (AgRg no HC n. 289.635/MG, Sexta Turma, Rel Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 3/2/2015)." (HC 351.951/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 24/05/2016).

O recurso em tela impugnou decisão do juízo a quo de execução que indeferiu o pedido de remição da pena pelo trabalho realizado pelo apenado. O agravo foi desprovido porque, embora na grade de remição houvesse indicação de ocorrência de 74 (setenta e quatro) dias de trabalho no período de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014, o apenado, em sede de audiência, afirmou que o trabalho exercido não superava uma hora diária, ou seja, inferior ao exigido pela lei de execução penal. O recurso de agravo ainda destacou a inexistência de controle dos trabalhos pela administração prisional.

Em parte, a decisão é descabida. Isso porque, ao que parece, a egrégia Corte de Justiça Catarinense legitimou a inexistência de controle/fiscalização da administração prisional acerca dos trabalhos realizados pelos apenados, pois o entendimento foi no sentido de não reconhecer a remição, entre outros motivos, pela ausência de fiscalização. Ora, a partir do momento em que o Estado exerce o jus puniendi, é de sua responsabilidade o controle e a fiscalização daqueles que passam a integrar o sistema penitenciário, não podendo, portanto, se esquivar de suas responsabilidades.

A decisão apenas traz à celeuma a questão que há tempos se discute na seara penal: o déficit do sistema prisional brasileiro. As mazelas dos cárceres do Estado brasileiro são tão fragrantes que o próprio Poder Judiciário as reconhece e as utiliza como fundamento para não deferir os direitos legalmente assegurados aos jurisdicionados em condição de apenados.

O que se observa dessa realidade – que inclusive é retratada em decisões judiciais como fundamento jurídico –, é que a promessa do Estado de promover a justiça social dos sujeitos que assinaram o contrato social é reduzida à uma justiça penal ilegítima, desestruturada e pautada em uma atuação seletiva e não menos estigmatizadora. Nos dizeres de Eduardo Galeano “em muitos países do mundo, a justiça social foi reduzida à justiça penal. O Estado vela pela segurança pública: de outros serviços já se encarrega o mercado, e da pobreza, gente pobre, regiões pobres, cuidará Deus, se a polícia não puder” (GALEANO, p. 31. 1999).    

 

5 O DIREITO DA SAÍDA TEMPORÁRIA

5.1 Decisão favorável ao apenado

Trata-se de Recurso de Agravo de Execução Penal nº 2015.064796-9, julgado pela Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 01 de dezembro de 2015, assim ementado:

RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. PEDIDO DE SAÍDA TEMPORÁRIA. INDEFERIMENTO NA ORIGEM, ANTE A AUSÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. REEDUCANDO QUE, NO GOZO DE SAÍDA TEMPORÁRIA, NÃO RETORNOU AO ERGÁSTULO NA DATA APRAZADA. FALTA GRAVE, TODAVIA, COMETIDA HÁ MAIS DE 12 (DOZE) MESES E QUE FOI DEVIDAMENTE PUNIDA COM A REGRESSÃO DE REGIME, A PERDA DE 1/3 (UM TERÇO) DOS DIAS REMIDOS, E A FIXAÇÃO DE NOVA DATA-BASE PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS. AUSÊNCIA DE NOVAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES. RELATÓRIO CARCERÁRIO QUE ATESTA O BOM COMPORTAMENTO DO APENADO. PARECERES FAVORÁVEIS DO GERENTE DE EXECUÇÕES PENAIS DO ERGÁSTULO E DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. REQUISITO SUBJETIVO DEVIDAMENTE SATISFEITO. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

O Ministério Público, no uso de suas atribuições legais, interpôs Recurso de Agravo em Execução Penal contra a decisão a quo que indeferiu o pedido de saída temporária formulado pelo reeducando. A Corte Catarinense acatou o pedido, pois ao se analisar o contexto fático-probatório, verificou-se a existência dos requisitos objetivos e subjetivos. Ou seja, cumpriu mais de 1/6 (um sexto) da pena que lhe foi imposta, mesmo com a alteração da data-base em decorrência da falta grave cometida e, ainda, apresenta bom comportamento carcerário, não se tendo notícias de novos incidentes disciplinares.

Salientou, ainda, que a existência de falta grave cometida pelo apenado há mais de 12(doze) meses, por si só, não justifica o indeferimento do direito da saída temporária tendo em vista a aplicação das sanções devidas.  Ou seja, faltas graves não podem servir de argumentos ad eterno para indeferir àquilo que lhe é de direito.

A decisão foi acertada pois, além de cumprir com o disposto no artigo 123 da Lei de Execuções Penais, cumpriu com uma das funções da pena: ressocialização. Nesse sentido, “a ressocialização é uma das finalidades que deve ser perseguida, na medida do possível” (BITTENCOURT, 2015, p.607) e deve ser operada em lógicas estruturadas para que se obtenha um resultado satisfatório. Não somente as disciplinas penais são responsáveis pela ressocialização, mas também políticas públicas de inclusão.

 

5.2 Decisão desfavorável ao apenado:

Trata-se de Recurso de Agravo de Execução Penal nº 2015.074966-5, julgado pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 12 de janeiro de 2016, in verbis:

RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE AUTORIZA FREQUÊNCIA A CURSO SUPERIOR MEDIANTE MONITORAMENTO ELETRÔNICO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REGIME FECHADO. SAÍDAS TEMPORÁRIAS E MONITORAMENTO ELETRÔNICO. ÓBICE LEGAL (LEI 7.210/84 (LEP), ART. 122, INC. II, E 146-B, E CP, ART. 35, § 2º). Não é legal a autorização de saída temporária para frequência a curso superior, ainda que mediante monitoramento eletrônico, em favor de apenado que cumpre pena definitiva ou provisória no regime fechado. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O Ministério Público de Santa Catarina interpôs o presente recurso contra decisão do Vara Criminal da Comarca de Biguaçu que concedeu a autorização para reeducando frequentar aulas no curso de nutrição na IES, mediante saídas temporárias. O apelo do órgão de execução foi acatado pelos seguintes fundamentos: a) é permito a saída àqueles apenados que cumprem pena em regime semiaberto ou aberto em observância ao artigo 122 da Lei de Execuções Penais; b) os que cumprem pena em regime fechado, como no presente caso, só podem sair nas hipóteses previstas no artigo 36 da LEP.

A decisão em comento, embora extremamente legalista e de acordo com Lei de Execuções Penais, deixou de oportunizar ao apenado os estudos que muito bem poderiam contribuir para sua ressocialização. Por outro lado, para fins de políticas criminais, tal situação ensejaria desigualdades para outros apenados que não possuem a oportunidade de estudar fora dos muros da prisão. Mas sem sobra de dúvidas, poderia suscitar reflexões acerca da rigidez do sistema fechado.

O Sistema Penal, reprodutor de violência por excelência, dentro de suas lógicas estruturantes e muito bem enraizadas, opera a partir da segregação. Observada a sua historicidade, percebe-se muito mais continuidade de violências e estigmatizações do que rupturas, “muito mais manutenção da barbárie do que progressiva racionalização das práticas punitivas” (JUNIOR; ROSA, 2015, p.37). Aqui seria uma oportunidade de manter uma prática, iniciada pelo juízo a quo, de racionalização da punição, dando ao apenado a prática dos estudos que, nesse momento em sua vida, representaria a prática da libertação daquilo que lhe aprisionou.

 

6 O DIREITO DA PROGRESSÃO DE REGIME

6.1 Decisão favorável ao apenado

Trata-se de Habeas Corpus de n. 4015195-55.2016.8.24.0000, de relatoria do Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho, do egrégio Tribunal do Estado de Santa Catarina, julgado em 15 de dezembro de 2016, assim ementado:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME E SAÍDA TEMPORÁRIA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. AFASTAMENTO DA EQUIPARAÇÃO AOS CRIMES HEDIONDOS. NOVO POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. STF, HC N. 118.533. STJ, REVOGAÇÃO DA SÚMULA 512 E REVISÃO DO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO EM REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 600. ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E ISONOMIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EXISTENTE. APRECIAÇÃO DOS DEMAIS REQUISITOS DOS BENEFÍCIOS ALMEJADOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. PEDIDO DE ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDO.   1 "O tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos" (STF, HC n. 118.533/MT, Mina. Cármen Lúcia, j. em 23/6/2016).   2 "É sabido que os julgamentos proferidos pelo Excelso Pretório em Habeas Corpus, ainda que por seu Órgão Pleno, não têm efeito vinculante nem eficácia erga omnes. No entanto, a fim de observar os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, bem com de evitar prolação de decisões contraditórias nas instâncias ordinárias e também no âmbito deste Tribunal Superior de Justiça, é necessária a revisão do tema analisado por este Sodalício sob o rito dos recursos repetitivos (Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1.329.08/RS -Tema 600)" (STJ, Pet n. 11.796/DF, Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 23/11/2016). (TJSC, Habeas Corpus (Criminal) n. 4015195-55.2016.8.24.0000, de Tubarão, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. 13-12-2016).

No caso em apreço, entendeu o magistrado da 2ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão, que o pleito do apenado de obter o direito da progressão de regime não preencheu o requisito objetivo, porquanto aplicável ao crime que lhe foi imputado (art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006) o tratamento mais rigoroso destinado pela Lei dos Crimes Hediondos. A defesa apontou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária do dia 22 de junho de 2016, por ocasião do julgamento do HC n. 118.533/MT, que deixou de considerar hediondo o delito de tráfico privilegiado.

Em sua decisão, o relator fez menção aos entendimentos pretéritos, tanto do Tribunal de Justiça de Santa Catarina como do Superior Tribunal de Justiça, consoante trecho extraído do seu voto, vejamos:

Enaltece-se que este Relator, seguindo entendimento dominante desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, já decidiu que o reconhecimento da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 não altera a natureza do delito cometido, tampouco descaracteriza o tráfico de drogas (privilegiado) como crime equiparado aos hediondos. Lembra-se que a Legislação Brasileira optou por listar as infrações penais sujeitas a tratamento mais gravoso, qualificando-as como hediondas ou equiparadas. Segundo o art. 2º da Lei n. 8.072/90, o tráfico de drogas é crime equiparado aos hediondos, ao qual a progressão de regime, demanda o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.Diante da previsão legal, estava consolidado o posicionamento, inclusive em recurso representativo de controvérsia (Tema 600), de que "a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas, uma vez que a sua incidência não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada e tampouco da existência de uma figura privilegiada do crime" (STJ, REsp n. 1.329.088/RS, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 13/3/2013).Esse é o conteúdo da Súmula 512 do Superior Tribunal de Justiça ("a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas"), como também de decisões recentes deste Tribunal Superior (HC n. 290.673/SP, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. em 3/5/2016.”

Muito embora, como o próprio relator destaca, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, mediante controle difuso, não teria, a rigor, efeito erga omnes, entendeu que representa clara superação de entendimento jurisprudencial anterior (overrulling), prestigiando a teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão, como também a força dos precedentes.

Isto posto, a guisa de todo arrazoado, concedeu parcialmente o pedido de ordem, determinando que o Juízo da Execução reexaminasse os pleitos defensivos, deixando de considerar equiparado a hediondo o delito de tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006). Certamente, o novo posicionamento da Suprema Corte, seguido pelo emérito relator do referido remédio heroico, está em consonância com os princípios constitucionais basilares do processo penal, tais como a individualização da pena e da proporcionalidade.

Os princípios insculpidos no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em especial aqueles no âmbito penal, orientaram o legislador infraconstitucional “para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista” (BITENCOURT, 2012, p. 47).

Esse foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e seguido pelo relator do caso em tela, fazendo jus às garantias fundamentais, em especial a individualização da pena, dando tratamento diferenciado ao paciente, que cometeu o crime de tráfico privilegiado, considerando constrangimento ilegal a não concessão da progressão de regime pelos fundamentos expostos na decisão denegatória do juízo a quo.

 

6.2 Decisão desfavorável ao apenado

Trata-se de Agravo em Execução Penal nº 0022948-62.2016.8.24.0023, de relatoria do Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho, do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em 6 de dezembro de 2016, assim ementado:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PLEITO DE EXCLUSÃO DE DADO CONSTANTE NO HISTÓRICO CARCERÁRIO (BOLETIM PENAL INFORMATIVO) DO APENADO. MATÉRIA NÃO SUSCITADA NA ORIGEM E QUE ULTRAPASSA OS LIMITES OBJETIVOS DO PROCESSO. NÃO CONHECIMENTO.   Não deve ser conhecido o pedido não formulado no juízo a quo - sob pena de supressão de instância - e que, ademais, desborda dos limites objetivos do processo.   PROGRESSÃO DE REGIME. FALTA MÉDIA (ART. 96, XIV, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 529/11). ALEGADA A AUSÊNCIA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). ASSERTIVA NÃO COMPROVADA. REGISTRO QUE PERMANECE HÍGIDO. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR RECENTE. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. RECURSO NÃO PROVIDO.   Para a concessão do benefício da progressão de regime, deve o apenado preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal. Ausente o segundo - embasado no recente envolvimento do apenado em falta disciplinar de natureza média, consistente em produzir ruídos para perturbar a ordem -, o pedido deve ser indeferido. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 0022948-62.2016.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. 06-12-2016).

No caso in visu, insurgiu-se o apenado da decisão exarada pelo Juiz da Vara de Execuções Penais da Comarca da Capital, que denenegou o pedido de progressão de regime, com fulcro no não preenchimento do requisito subjetivo. Aduziu que a malsinada decisão violou a Súmula 533 do Superior Tribunal de Justiça, vez que não fora instaurado o procedimento administrativo disciplinar (PAD) para a constatação da falta de natureza média imputada a ele.

Entretanto, o entendimento do relator foi de que o agravante (apenado) não produziu provas cabais de que foi indevido o apontamento da infração disciplinar, bem como tal matéria não fora submetida ao Juízo a quo, de forma que qualquer análise importaria em supressão de instância.

Todavia, em contrario sensu, o magistrado analisou (e muito) o fato de o apenado possuir uma falta caracterizada em 29/08/2016. Afirmou que o mesmo não havia assimilado a “terapêutica penal”, fazendo “pouco caso” da lei e das ordens e “benefícios” emanados, não preenchendo, assim, o requisito subjetivo, razão pela qual manteve o indeferimento da progressão postulada.

Insta salientar que, anteriormente, o apenado formulou pedido de progressão de regime, que foi negado pelo não preenchimento do requisito objetivo, pois entendeu o Juízo Executor que o tráfico privilegiado não perdia a natureza de crime hediondo. Deferida a liminar pelo Superior Tribunal de Justiça (Habeas Corpus n. 371.705, rel. Min. Jorge Mussi, j. em 22/9/2016), a progressão voltou a ser indeferida, sob novo fundamento.

Em que pese o Juízo da Execução se demonstrar obstinado em denegar o pleito do apenado em progredir de regime, o cerne da fundamentação do relator é justamente a falta média que supostamente o apenado cometeu e que, segundo o próprio relator, qualquer análise importaria em supressão de instância. Não bastasse isso, impõe ao apenado produzir provas cabais de que foi indevido o apontamento da infração disciplinar, que sequer fora constatada pela via de processo administrativo disciplinar.

Certamente a decisão proferida pelo Desembargador relator não encontra respaldo nos preceitos garantistas, estando a decisão munida de contrariedades, subjetivismos e discricionariedades. O ônus probandi é do Estado, que é quem detém de todos os meios de controle e documentos sobre os apenados. Não se pode incumbir aos custodiados que produzam prova a qual não possuem mecanismos para tal, sob pena de afrontar os princípios constitucionais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no apresentado, os julgados mostram a contradição que os Tribunais vivem: oram aplicam a lei e os princípios inerentes à execução penal ora os negligenciam. A consequência, quiçá a mais gravosa, são os parâmetros de análise desiguais para situações idênticas impostos pela apreciação do Judiciário, superlotando as penitenciárias, contribuindo para o encarceramento em massa.

Além disso, ainda que pautados na lei, vê-se decisões extremamente legalistas, sem analisar o contexto do apenado, afastando-se da tão sonhada ressocialização. Soma-se a isso, uma classificação direcionada aos direitos elencados na Lei de Execução Penal enquanto benesses, demonstrando um viés inquisitivo, sob égide moral religiosa: se fizeres tudo certo terás a recompensa. Importante frisar que essa nomenclatura é oriunda da própria lei, contudo a incorporação dessa palavra e de seu significado é incorporada pelos Tribunais de forma muito peculiar.

As palavras, as fundamentações e os arranjos entre lei, doutrina e jurisprudência têm muito a dizer sobre o momento nada democrático e instável que se vive. O desrespeito às garantias constitucionais, conquistadas a tão duras penas, mostram o descompasso entre a legislação e sua aplicação.

Cumpre ressaltar a dificuldade em encontrar uma decisão favorável ao apenado enquanto as desfavoráveis se encontraram aos montes nos campos de busca. Isso seria somente uma coincidência? Fica o questionamento. Em que pese o cenário atual, ainda se vê decisões acertadas alinhavadas com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo, um impulso para voos libertadores.

 

Notas e Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BONIFÁCIO, Artur Cortez. O direito constitucional internacional e a proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: Método, 2008, p. 173-176.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev. atual. de acordo com a emenda constitucional nº 83/2014 e os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 706.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, BRYANT. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 12-13.

FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir. São Paulo: Editora Vozes, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 511-513.

GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Tradução de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 31.

GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana, a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 211.

JUNIOR, Salah H. Kahled; ROSA, Alexandre Morais da. Neopenalismo e constrangimentos democráticos. Florianópolis: Emporio do Direito, 2015.

KARAM, Maria Lúcia. Os paradoxais desejos punitivos de ativistas e movimentos feministas. Justificando. 13 de março de 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 65.

MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. O espírito das leis. Livro VI. Caítulo III. Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 110.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4. ed. de acordo com a emenda constitucional 53. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 82.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito penal brasileiro: teoria geral do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

 

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