Primeiras linhas para se repensar a constitucionalização do Direito do Trabalho

13/09/2016

Por Guilherme Wünsch – 13/09/2016

Se em um passado recente o trabalho assumiu a posição de direito fundamental, diante da necessidade da proteção da pessoa humana, em face dos efeitos do capitalismo, hodiernamente, os antigos problemas como a crise econômica, a revolução tecnológica, entre outros, e que exigem que o direito do trabalho forneça respostas para os quais os seus institutos clássicos não estão aptos a responder. Assim, o Direito do Trabalho é provocado a formular possibilidades de respostas normativas que atendam aos novos fins sociais, conciliando os valores constitucionais, em especial atenção à tutela da pessoa humana, com as exigências de uma sociedade globalizada.

O trabalho se apresenta na sociedade de forma multifacetada, não se limitando aos moldes clássicos em que operava no decorrer do Século XX, onde havia, na sua maioria, condições similares de trabalho, com normas que se encaixavam de forma quase que exata as situações fáticas.[1] Destarte, a doutrina passou a apontar uma espécie de crise que sufoca o Direito do Trabalho e que o revigora a partir de uma releitura constitucionalizada. Como refere Luiz Marcelo Góis “a crise que asfixia o Direito do Trabalho pode ser solucionada a partir dessa nova ventilação constitucional. O convite que fazemos é emergirmos das profundezas do Direito do Trabalho para essa superfície constitucional translúcida e, uma vez lá, respirarmos novos ares, revigorarmos nossos pulmões, para, dotados de novo fôlego, mergulharmos novamente a espessura da disciplina trabalhista e nela espalharmos todo o oxigênio axiológico apreendido no caminho.”[2]

A Constituição Federal de 1988, concedeu ao conceito de dignidade da pessoa humana lugar de princípio fundamental da república, fato que, para o direito do trabalho, possui relevância ímpar no que diz respeito a interpretação de suas regras. Assim, diante do valor superior do princípio da dignidade humana, passa este a servir de cânone interpretativo para as relações entre trabalhadores e empregadores.[3] Assim, torna-se passível de afirmação, que o mesmo movimento realizado no campo civilista vem a ocorrer no direito do trabalho, no sentido de buscar a função social de seus institutos, realocando o ser humano no centro do sistema jurídico. Em outras palavras,  o contrato de trabalho também necessita romper com o paradigma liberal e passa a ocupar uma "nova ordem pública constitucional" fruto de um Estado de Bem-Estar Social. Logo, acaba por assumir um perfil solidarista através da intervenção estatal direta, funcionalizando-se socialmente o contrato para que possa servir de instrumento de garantia da erradicação da pobreza via distribuição de renda, despatrimonialização do vínculo jurídico para a preservação dos direitos fundamentais e, em especial, alocação da dignidade da pessoa humana como o fundamento axiológico de toda a produção jurídica que serve sobremaneira ao campo laboral.[4]

O movimento de funcionalização do contrato de trabalho, agora visto como instrumento a ser lido sob a ótica dos direitos fundamentais e sociais encontra, na Constituição Federal, outros valores com os quais, inevitavelmente, passa a ter que dialogar. O direito subjetivo a um emprego[5] que respeite integralmente os direitos trabalhistas assegurados pela legislação brasileira, passa a conviver com as exigências provenientes da livre-iniciativa, que, diante da rápida mutabilidade do mercado necessita de flexibilidade para que se mantenha viável, competitiva e obtendo lucros.

Nesse sentido, o movimento de constitucionalização do direito do trabalho visa a adequar todo o arcabouço legislativo e doutrinário aos ditames da Constituição Federal, pois, toma-se a Carta Magna como o documento que, além de formalmente fornecer o critério de validade para as normas jurídicas, vem a refletir quais são as principais escolhas valorativas do ordenamento jurídico brasileiro, processo este que possibilita "trazer o Direito do Trabalho para a modernidade pluralista pós-tecnológica e injetar novos valores presentes na sociedade nos antigos institutos de direito do trabalho".[6] No entanto, apesar da importância da ascensão da disciplina trabalhista ao plano constitucional, o objetivo de constitucionalizar o direito do trabalho segue uma senda muito mais ampla, pois, respeitadas as sabidas peculiaridades da disciplina, segue o mesmo caminho trilhado pelo Direito Civil em seu processo de constitucionalização.


Notas e Referências:

[1] MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas: a aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p. 154.

[2] GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista constitucional. São Paulo: LTr, 2010. p. 46.

[3] BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr. 2013. p. 487.

[4] COUTINHO, ALDACY RACHID. A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2. ed. Livraria do Advogado: 2003. p. 179.

[5]  SARLET, Ingo Wolfgang et. al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 603.

[6] GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista constitucional. São Paulo: LTr, 2010. p. 52.

BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr. 2013.

COUTINHO, ALDACY RACHID. A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2. ed. Livraria do Advogado: 2003.

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas: a aplicação do modelo metodológico pós-positivista ao direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013.

SARLET, Ingo Wolfgang et. al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.


Guilherme WunschGuilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


Imagem Ilustrativa do Post: and one day // Foto de: piotr mamnaimie // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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