Primeiras impressões sobre o trabalho intermitente – Por Marcelo Ferreira Machado

18/07/2017

Coordenador: Ricardo Calcini

Entregue à sociedade brasileira em um átimo da atividade legislativa brasileira, a denominada “reforma trabalhista” (Lei 13.467/2017)[1] trouxe às relações do trabalho uma nova espécie de contrato de trabalho: o contrato de trabalho para prestação de trabalho intermitente.

O art. 443 da CLT, em seu caput, passa a ter a seguinte redação: “o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente”.

Nos dizeres do seu § 3º, verbis

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Com o contrato de trabalho para prestação de trabalho intermitente, o vínculo entre empregador e empregado passa a levar em consideração a dinâmica laboral que possui em seu cerne uma variação na forma de sua prestação, independentemente da atividade do empregado ou da atividade do empregador.

Na singela significação léxica encontrável em Caldas Aulete[2], intermitente é aquilo que “se interrompe e recomeça a intervalos”, cujo antônimo é contínuo.

Como sabido, um dos requisitos da relação de emprego é a habitualidade, que o cultor do Direito do Trabalho ensina estar na inerência das relações laborais. Ou seja, a finalidade buscada pelos institutos e normas desse ramo do Direito é assegurar a permanência do vínculo do trabalhador e trazer às partes, principalmente, ao empregado, um mínimo de estabilidade e de segurança jurídica.

Essa continuidade nas relações sociolaborais é a regra do sistema trabalhista, que incentiva a indeterminação do prazo contratual, mas também coloca sob proteção a própria forma de prestação do trabalho que deverá ser contínua, perene, “não eventual”.

Outras formas de relação de emprego, também reconhecem uma forma da continuidade, como a Lei Complementar 150/2015 (tal qual já o previa a Lei 5.859, de 1972), que regula o trabalho doméstico no Brasil. Seu art. 1º considera ser empregado doméstico aquele que presta serviços de forma contínua, por mais de dois dias por semana, espancando, afinal, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que tentavam definir os parâmetros da continuidade laboral doméstica em continuidade diária diversa – como exemplo, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho fluminense, até a edição da LC 150/2015 e um pouco depois[3], previa a Súmula nº 19, com toda força que se empresta o entendimento jurisprudencial consolidado regional, que a prestação laboral doméstica era a realizada até três vezes por semana não ensejando configuração do vínculo empregatício, por ausente o requisito da continuidade previsto no art. 1º da Lei 5.859/72.

Abstraída uma possível (e nem tanto relevante) distinção de ótica na CLT e na LC 150/2015, quer-se demonstrar que a ideia contida na permanência e habitualidade é a regra do Direito do Trabalho; lhe é inerente.

O art. 3º da CLT considera empregado toda pessoa natural (“física”) que presta serviços de natureza “não eventual” a empregador.

No que tange à permanência, reconhecendo-se a dificuldade de sua definição para os fins celetistas, a doutrina aponta, sem tanto apuro científico, que a CLT ao adotar o termo “não eventualidade” teria querido se afastar da doutrina italiana[4], que, por seu modo, conceituaria a eventualidade baseada na ótica da temporalidade da prestação do serviço pelo trabalhador em relação à atividade da empresa, ou seja, o tempo de duração da atividade prestada seria curto, episódico.

É inegável a necessidade de maior aprofundamento dos aspectos inerentes ao conceito abordado, porém, com grau de segurança afirmativa mínima, a não eventualidade, a configurar um dos requisitos de reconhecimento da figura do empregado, é aquela aferida tendo em vista os fins sociais da atividade empresarial.

Ou seja, o trabalho buscado, de modo habitual, é aquele que se insere como necessidade elegida e indissociável para a consecução dos fins empresariais, que nada tem a ver com aquilo que ficou consagrado no estudo do trabalho terceirizado entre “atividade fim” e “atividade meio”.

Por isso, falar-se em necessidades “normais” do empreendimento, tal qual preferiram Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho[5], induz a acientificidade que permeia os estudos acerca do conceito ora abordado. Basta uma pergunta: um hospital poderia prescindir da atividade de limpeza nas suas instalações? Pergunta decorrente: o hospital não pode escolher ter um corpo próprio de trabalhadores de limpeza?

Dessa forma, a opinião desse autor é a de que se pode afirmar que a indissociabilidade e a elegibilidade pelo empregador, acerca de determinada atividade a ser contratada, induzem a necessidade permanente da prestação de serviço, que, do ponto de vista da consecução material, pode ser contínua (perene) ou intermitente.

Em ambos os casos, seja do ponto de vista da necessidade indissociável de determinado trabalho para o empregador, seja elegendo propriamente tal ou qual atividade ou trabalho para a consecução dos fins empresariais, restarão configuradas a habitualidade ou “não eventualidade” e a permanência dos serviços sob a ótica do tomador. O empregador é quem racionaliza os elementos de empresa; é quem escolhe como gerir a atividade econômica. Se assim o fizer, seja na “atividade fim”, seja na “atividade meio” empresarial, de toda forma, elegendo determinadas atividades como necessárias aos fins sociais da empresa, forçar-se-á o reconhecimento da figura jurídica do empregado (claro, que com o preenchimento dos demais requisitos da relação de emprego).

Retorne-se, assim, ao novel contrato de trabalho para a prestação de trabalho intermitente. A definição legal contida no §3º do art. 443 mistura a forma de consecução material do trabalho de prestação dos serviços (intermitência/não continuidade) com o exercício do trabalho do empregado, bem como a atividade que o empregador exerce.

Se já era difícil conceituar a eventualidade (ou seu inverso) e, por sua vez, a intermitência para fins do Direito do Trabalho, o dispositivo legal não traz nenhuma luz.

O enunciado normativo, como rapidamente já mencionado, parece abarcar um contrato em que é variável a forma de prestação do trabalho.

Busque-se o que se pensa ser a origem do trabalho intermitente, agora regulado na CLT: a revisão do Código do Trabalho português, em 2009.

Prevê a alínea 1 do art. 157, contido na Subseção III, que trata do “trabalho intermitente”, por sua vez, contido na Seção IX (“modalidades do contrato de trabalho”) do Capítulo I (“disposições gerais”) do Título II (“contrato de trabalho”), que: “Em empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inatividade[6] (grifos nossos).

Apresentou-se, naquele país, um conceito legal muito mais claro e objetivo de trabalho intermitente. Focou-se na atividade do empregador, a caracterizar a intermitência laboral do empregado.

Na lição de Pedro Romano Martinez[7], “[o]s períodos de inatividade podem ser prolongados, de dias, semanas, etc., muito comum em atividades sazonais, ou curtos de horas, caso em que a prestação de trabalho é interpolada em cada dia”.

O problema do contrato de trabalho para prestação de trabalho intermitente não está propriamente em sua previsão no Brasil. Não é, como visto, nem nossa invenção. O problema recai na forma de qualificação desse trabalho, com a devida regulamentação, e sobre as consequências legais advindas na Lei 13.467/2017.

O caput do art. 452-A possui os seguintes termos:

O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

O §1º do art. 452-A prevê que: “O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência”.

Fica o questionamento, se um mero email faria as vezes de comunicação eficaz.

Diante dos termos da citada Lei, parece que o empregado será contratado sob a forma de prestação “assustada”; veja-se a redação do §2º do citado artigo: “Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa”.

Porém, conforme o §3º, “[a] recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente”.

A se pensar, se o empregado pode se recusar livremente quando da chamada, ou poderá recusar-se, de modo regrado, afinal está subordinado ao tomador de serviços intermitentes mediante um contrato. Pergunta-se: caberá a punição da recusa imotivada e/ou silenciosa?

Por sua vez, o §4º do art. 452-A da CLT, verbis: “Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo”.

Quem puder afirmar o que seja “justo motivo” o fará apenas intuitivamente.

Além disso, a previsão dessa multa, ainda que compensável, viola a construção trabalhista no Brasil, na configuração dos requisitos da relação de emprego, de que o empregado, seja ele qual for, jamais corre os riscos da atividade empreendida pelo empregador. É como se a partir dessa inovação legal, o empregado contratado sob o regime da intermitência pudesse anuir e assumir com o risco da não efetivação do trabalho, pagando ao empregador uma multa deveras elevada, o que é, inescondivelmente, um desserviço ao Direito do Trabalho no Brasil.

Ainda que subordinado ao empregador, prevê o §5º que o período de inatividade não será considerado tempo à sua disposição, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

Diferentemente, o art. 160 do Código do Trabalho português prevê que durante o período da inatividade, o trabalhador tem direito a uma compensação retributiva em valor estabelecido em instrumento coletivo, ou ausente este, na proporção de 20% da retribuição base, ainda que a alínea 3 desse enunciado normativo preveja, por igual, que o trabalhador, no período de inatividade, pode exercer outra atividade.[8]

Está claro, naquele ordenamento, ofertar-se um mínimo de estabilidade ao trabalhador sob o regime da intermitência.

O § 6º prevê como direitos a serem integralizados ao final de cada período de prestação de serviços, dever o empregador pagar a remuneração; as férias proporcionais com acréscimo de um terço; décimo terceiro salário proporcional; o repouso semanal remunerado; e os adicionais legais, mediante recibo discriminado dos valores pagos, conforme o teor do parágrafo que lhe segue, o 7º.

Além disso, o § 8º determina que o empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.

Por fim, o § 9º regula as férias do trabalhador em regime de trabalho intermitente, prevendo que “a cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador”.

Fica a questão: se o trabalhador sob o regime de contrato de trabalho de prestação de serviços intermitentes trabalhar um só mês no período aquisitivo terá direito a um mês a título de férias no período concessivo?

Conclui-se, que a regulação do contrato de trabalho para prestação de trabalho intermitente é muito deficiente (para não dizer, quase inexistente). Já se fala em uma medida provisória ou um projeto de lei para aparar as arestas da Lei 13.467/2017. Ou seja, uma “reforma da reforma”. Essa colcha de retalhos prejudica em demasia a autonomia científica do Direito do Trabalho no Brasil. Vive-se períodos obscuros. Necessitamos levar a sério o Direito do Trabalho. Todos!


Notas e Referências:

[1] Esse autor não pensa se tratar de uma verdadeira “reforma”, mas de uma revisão da CLT. Se se pretende uma reforma trabalhista no Brasil deve-se aprovar, nessas terras, finalmente, e com a devida urgência, um Código do Trabalho e um Código de Processo do Trabalho. A ciência do Direito agradecerá!

[2] AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. Atual. do Banco de Palavras, Conselho dos Dicionários Caldas Aulete, ed. resp. Paulo Geiger, apres. Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 460.

[3] Essa Súmula está cancelada, no âmbito do TRT da 1ª Região, desde a Resolução Administrativa nº 36, de 3 de setembro de 2015.

[4] Mencionando tal fato, CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 11.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. pp. 259-260.

[5] MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 17.ed. rev. e atual. de acordo com a Constituição de 1988 e legislação posterior. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1993. p. 63.

[6] Colhido em BITTENCOURT, Pedro Ortins de. Códigos do Trabalho e Processo do Trabalho. 11.ed. Lisboa: Quid Juris? – sociedade editora, 2014. p. 114.

[7] MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2013. p. 520.

[8] Colhido em BITTENCOURT, Pedro Ortins de. Códigos do Trabalho e Processo do Trabalho. 11.ed. Lisboa: Quid Juris? – sociedade editora, 2014. p. 115.

AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da língua portuguesa. Atual. do Banco de Palavras, Conselho dos Dicionários Caldas Aulete, ed. resp. Paulo Geiger, apres. Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

BITTENCOURT, Pedro Ortins de. Códigos do Trabalho e Processo do Trabalho. 11.ed. Lisboa: Quid Juris? – sociedade editora, 2014.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 11.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 17.ed. rev. e atual. de acordo com a Constituição de 1988 e legislação posterior. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1993.

MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2013.


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