Por Thiago M. Minagé - 08/07/2015
Muito se fala, pouco se explica, quanto à prescrição, que é um instituto jurídico, mediante o qual o Estado perde o poder-dever de processar ou executar uma pena em face de determinada pessoa, pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo lapso de temporal. De acordo com César Roberto Bittencourt[1], prescrição origina-se do termo latino praescriptio derivada do verbo prescrever, significando um escrito posto antes. Já era conhecido no Direito Grego, mas só se tem notícia do instituto no Direito Romano, como mais antigo texto legal, a Lex Julia de Adulteriis, datada de 18 A C.
No Direito Romano os crimes de maior potencial ofensivo eram tidos por imprescritíveis, visto que a prescrição associava-se à idéia de perdão. Ainda de acordo o doutrinador mencionado, a prescrição da condenação surgiu na França através do Código Penal de 1791, favorecido pela Revolução Francesa. Por volta dos séculos XVI e XVII a prescrição foi reconhecida pela Itália e pela Alemanha. Nos Códigos Penais modernos, a prescrição para o exercício do direito de ação é aceita quase sem exceção, inclusive pelo Direito Eclesiástico. No Brasil a prescrição foi regulada no Código de Processo Criminal de 1832 e leis posteriores, considerados prazos maiores para os crimes inafiançáveis e menores para os crimes afiançáveis, influenciando-se pela presença ou ausência do réu para sua fixação.
Grande divergência surge, acerca da natureza jurídica da prescrição, entendo que a prescrição é instituto de direito processual penal, tendo em vista constituir um obstáculo ao inicio ou prosseguimento da persecução criminal. Outros, todavia, entendem ser a prescrição de caráter penal, de direito material, extinguindo-se o dever de punir do Estado (ocorre que este somente surge com uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Como expolicar a prescrição da pretensão punitiva?). Há ainda, os que entendem ser de natureza mista, ou seja, tanto de direito penal quanto de direito processual. De acordo com Cesar Roberto Bitencourt[2], “para o ordenamento jurídico brasileiro, contudo, é instituto de direito material, regulado pelo código penal, e, nessas circunstancias, conta-se o dia do seu início.”
Já nas lições de Heleno Claudio Fragoso[3], “o aspecto processual da prescrição é o mais nítido, sobretudo quando se trata da prescrição da pretensão punitiva.”.
Apesar de a Constituição Federal ter consagrado a regra da prescritibilidade como direito individual, existem duas hipóteses em que não ocorrerá a prescrição penal, quais sejam, nos crimes de racismo, definidos na lei 7716/89 e nas ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, definidos na lei nº 7170, consoante o artigo 5º, XLII e XLIV da Constituição Federal[4].
Duas são as espécies de prescrição previstas na legislação criminal: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória.
A prescrição da pretensão punitiva, conhecida pela expressão amplamente criticada e errônea como “prescrição da ação”, ocorre quando uma vez praticada a infração penal e antes de transitar em julgado a sentença condenatória, o Estado, titular da pretensão punitiva, perde o poder-deve de processar o suposto autor do fato pelo não exercício em determinado lapso temporal.
Já a prescrição da pretensão executória que ocorre após o transito em julgado da sentença condenatória, é a perda do poder-dever de executar a pena (direito de punir), em face da inércia do Estado, durante determinado tempo. É a perda do ius executionis, em razão da inércia do estado em executar concretamente a sentença condenatória. Esta espécie de prescrição é regulada no artigo 110, caput, do Código Penal.
Algumas subespécies surgem por conta da inércia legislativa no sentido regulamentor do tema.
Prescrição da Pretensão Punitiva Abstrata - A prescrição abstrata consiste na perda do poder de processar o suposto autor do fato por parte do estado pelo decurso do tempo, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, calculado este com base na pena em abstrato cominada ao crime. Denominando-se abstrata porque ainda não existe pena concretizada em sentença.
Prescrição da Pretensão Punitiva Retroativa - Com o advento da lei n. 12.234/2010[5] alterando o regime da prescrição penal, passou a questionar se houve ou não extinção da prescrição retroativa do ordenamento jurídico penal. De acordo com o antigo preceito legal, constante no parágrafo primeiro do artigo 110, CP, “a prescrição, depois da sentença condenatória com transito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.” E, de acordo com o parágrafo segundo do referido artigo, “a prescrição de que trata o artigo anterior pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.”
A prescrição retroativa leva em consideração a pena aplicada, na sentença condenatória, diferente da prescrição abstrata, para a qual o ponto de referencia é o máximo de pena cominada ao delito.
Destaco que, para os fatos cometidos anteriormente a 5 de maio de 2010, subsiste o regime jurídico anterior, já que as mudanças decorrentes da lei n. 12.234, afiguram-se prejudiciais ao réu, consistindo-se em novatio legis in pejus, incapaz de aplicar-se retroativamente.
Com estas alterações surgiram divergências a respeito da subsistência da prescrição retroativa no ordenamento jurídico penal.
Para alguns doutrinadores, a prescrição retroativa, antes da lei nova, podia se reconhecida entre o fato e o recebimento da denuncia ou queixa e também entre este último termo e a publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis. Após o advento da Lei, foi vedada a contagem do prazo retroativo no lapso entre o recebimento da inicial acusatória. Vindo a ser possível ainda a incidência da prescrição retroativa entre a denuncia ou queixa e a publicação da sentença, acórdão e pronuncia recorríveis.
Prescrição da Pretensão Punitiva Intercorrente ou Subsequente - Esta espécie prescrição, é calculada com base na pena efetivamente fixada pelo juiz na sentença condenatória irrecorrível e aplicável sempre após a condenação de primeira instância. A prescrição intercorrente dirige-se para períodos posteriores à sentença condenatória irrecorrível, isto é para o futuro, diferentemente da prescrição retroativa que se volta para o passado. Deve-se para encontrar o prazo prescricional intercorrente, computar a pena aplicada, excetuando a majoração decorrente do concurso formal próprio e do crime continuado, verificar qual é o prazo prescricional correspondente, bem como, analisar a existência de causa modificadora do lapso prescricional. Esta modalidade de prescrição tem como pressupostos para sua ocorrência a inocorrência de prescrição abstrata e de prescrição retroativa, bem como, de acordo com o texto legal supra, sentença condenatória e trânsito em julgado para a acusação ou ausência de seu recurso. A prescrição intercorrente é baseada na idéia de que se apenas a defesa interpor recurso, a pena aplicada na sentença não poderá ser majorada, tendo em vista o princípio da vedação da reformatio in pejus, devendo a pena aplicada definir o prazo prescricional. Assim, deve se observar se entre a data da sentença condenatória e o julgamento do recurso interposto pela defesa transcorreu o lapso prescricional, nos moldes do artigo 109, CP.
Prescrição da Pretensão Punitiva Virtual, Projetada, Perspectiva ou Antecipada - Esta prescrição foi objeto de construção doutrinária e jurisprudencial, não estando a mesma prevista no ordenamento jurídico brasileiro. É reconhecida antecipadamente, geralmente na fase extrajudicial, quando for possível prever a pena concreta que será fixada futuramente pelo juiz ao caso, baseando-se nos critérios de fixação da pena adotados pelo Código penal, e com fundamento nos prazos prescricionais estabelecidos no mesmo diploma legal, aqui já vistos, levando-se em consideração o quantum da pena que deverá ser aplicado, e tomando-se por base essa pena virtualmente considerada, e a possibilidade de uma prescrição, impor a extinção da punibilidade, se transcorrer o referido lapso temporal.
Com fundamento no princípio da economia processual, esta prescrição tem por objetivo afirmar a dignidade da pessoa humana, impedindo que o acusado seja estigmatizado com o ônus de uma ação penal onde inexiste punibilidade, eis que, de nada adianta movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao insucesso, nos quais após condenar o réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo, devido à prescrição.[6]
Tal instituto, no entanto, não está pacificado no âmbito jurídico, a súmula 438 do STJ diz que “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.”. entretanto, esse posicionamento é altamente criticado e de juridicade duvidosa, mesmo por quê, não faz sentido perdurar um processo criminal em face de uma pessoa que ao final independentemente de seu resultado será inútil[7], eis que, alcançado pelo insituto da prescrição, nada mais poderá o Estado fazer. Alexandre Morais Da Rosa[8] alerta que “...embora exista a Súmula 438 do STJ, sem caráter vinculante, não faz sentido continuar com o processo que esteja prescrito, salvo se quisermos jogar dinheiro (nosso) fora. É necessária a aplicação da prescrição antecipada/hipotética por ausência de trade-off. Verificando-se, à evidência, que a pena a se aplicar será atingida pela prescrição torna-se inviável e inócuo que se prossiga até sentença final, a qual, mesmo sendo condenatória, nenhum efeito concreto produzirá, porque já caracterizada a prescrição, da qual resultará a extinção da punibilidade.” Repetindo: qual o sentido de permacer e insistir em um processo natimorto?
Independentemente da espécie ou sub espécie de prescrição, a qulauqer momento pode ser declarada, pouco importando se questionado por uma das partes do processo ou mesmo de ofício pelo juiz.
Notas e Referências:
[1] TRATADO DE DIREITO PENAL 1 - PARTE GERAL. 2009
[2] TRATADO DE DIREITO PENAL 1 - PARTE GERAL. 2009, p. 772
[3] Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Especial, revista e atualizada por Fernando
Fragoso, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1988
[4] Medo dessa lei por conta de tudo que ela possa representar.
[5] Art. 1º Esta lei altera os arts. 109 e 110 do ... Código Penal, para excluir a prescrição retroativa.
Art. 2º os arts. ... e 110 do Decreto-Lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código penal, passam a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 110.
(...)
1º A prescrição, depois da sentença condenatória com transito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.
2º (Revogado)’.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revoga-se o § 2º do art. 110 do Código penal.”
[6] GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prescrição virtual ou antecipada ou em perspectiva. Inaplicabilidade. Disponível em: < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2483365/artigos-do-prof-lfg-prescricao-virtual-ou-antecipada-ou-em-perspectiva-inaplicabilidade>. Acesso em: 20 set. 2011.
[7] DA ROSA, Alexandre Morais. A Súmula 438 do STJ aponta que "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.” A posição é reafirmada pelo STF (Repercussão Geral 602.527/RS). Então, diante de ação penal irremediavelmente prescrita, o Estado Juiz deve gastar recursos convocando testemunhas (intimação por oficial de justiça, requisição de policiais — que sairão do serviço etc.), ocupando pauta, com custos do Ministério Público e Defensoria ou defesa privada para, no final, mesmo reconhecida a responsabilidade, julgar extinta a pretensão punitiva. Parabéns. E os custos disso tudo? www.conjur.com.br
[8] http://www.conjur.com.br/2014-set-26/limite-penal-nao-reconhecer-prescricao-antecipada-crime-jogar-nosso-dinheiro-fora
Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal nos cursos de Pós Graduação da Faculdade Baiana de Direito e ABDConst-Rio. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Coordenador do Curso de Direito e da Pós Graduação em Penal e Processo Penal da UNESA/RJ unidade West Shoping. Advogado Criminalista.
E-mail: thiagominage@hotmail.com
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