Coluna Defensoria Pública e Sistema de Justiça / Coordenadores Gina Bezerra, Jorge Bheron e Eduardo Januário
1 CONCEITO E FUNDAMENTOS
A preclusão é conceituada pela doutrina como “a perda de uma situação jurídica ativa processual” das partes ou do juiz.1
A preclusão possui fundamento na ordem, segurança e duração razoável do processo, revelando-se ser “mola impulsionadora” da marcha processual.2
Nesse sentido, a lição da literatura clássica:
O ordenamento jurídico não se adstringe a regular as diversas atividades processuais, sua forma e seu conjunto, mas regula, também, sua sucessão processual; daqui se origina uma ordem legal entre as atividades processuais. O propósito do legislador é imprimir maior precisão no processo, tornar possível a definitiva certeza dos direitos, e assegurar-lhes rápida satisfação. Esse objetivo colima-o igualmente por outros meios, como seja: coibindo a protelação da fase instrutória ou da solução da causa, devida a negligência dos procuradores, com a aplicação de penas a estes (arts. 61,170,177,180); eliminando as superfluidades na defesa, negando a repetição das custas relativas aos atos supérfulos ( art. 376), e assim por diante. Mas eficazmente, porém, atende a esse objetivo com o instituto da preclusão. Todo processo, uns mais, outros menos, e da mesma forma o nosso processo, com o fim de assegurar precisão e rapidez ao desenvolvimento dos atos judiciais, traça limites ao exercício de determinadas faculdades processuais, com a consequência de que, além de tais limites, não se pode usar delas. Emprestei a essa consequência o nome de “preclusão”, extraído de uma expressão das fontes que se empregava, precisamente com o significado que lhe dou, na “poena praeclusi” do direito comum, ressalvando-se que, no direito moderno, naturalmente se prescinde da ideia de pena. Coligi e reuni sob essa observação e essa denominação numerosos casos (e não são todos) nos quais êsse expediente se acha aplicado pela lei. São casos variadíssimos, seja pela faculdade processual a que se refere cada um deles, seja pelos efeitos que pode produzir a preclusão do exercício dessa faculdade; mas têm todas, em comum, êste elemento, em que, para min, se concentra a essência da preclusão, a saber, a perda, ou a extinção, ou consumação, ou como quer que se diga, de uma faculdade processual pelo só fato de se haverem atingido os limites prescritos ao seu exercício. Direi, por consequência, para esclarecer onde necessário o meu pensamento, e ao mesmo tempo para precisar quais possam ser os limites cuja inobservância carreia a perda de uma faculdade processual, que entendo por preclusão a perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual que sofre pelo fato: a) Ou de não se haver observado a ordem prescrita em lei ao uso de seu exercício , como os prazos peremptórios, ou a sucessão legal da atividades e das exceções; b) ou de se haver realizado uma atividade incompatível com o exercício da faculdade, como a propositura de uma exceção incompatível com outra, ou a realização de um ato incompatível com a intenção de impugnar uma sentença; c) ou de já se haver validamente exercido a faculdade (consumação propriamente dita).3
Por isso, “para o bom andamento do processo, ele não deve ser interrompido ou embaraçado (ou, ao menos, as interrupções e os embaraços devem ser reduzidos ao mínimo inevitável). Deve-se caminhar sempre avante, de forma ordenada e proba: não se admite o retorno para etapas processuais já ultrapassadas, nem se toleram comportamentos incoerentes e contraditórios”.4
De mais a mais, o instituto da preclusão tem alicerce também em pilares éticos e políticos, na medida em que protege comportamentos leais e de boa- fé.5
Assim, a perda de faculdade processual é elemento essencial ao processo e aos fins a que ele se destina.
2 CLASSIFICAÇÃO
Como citado, a lição de CHIOVENDA denota a existência de três espécies de preclusão, quais sejam, temporal, consumativa e lógica.
No entanto, a literatura moderna vem incluindo um novo tipo – a preclusão punitiva.
Para tanto, apresenta-se os seguintes fundamentos:
Não se pode dizer que a preclusão seja uma eficácia exclusiva de atos lícitos, embora normalmente, à luz do direito positivo, isso aconte ça. Há preclusão decorrente da prática de ato ilícito (preclusão- sanção ou preclusão punitiva). Essa categoria precisa ser construída, para que se mantenha a coerência da classificação, elaborada a partir do fato gerador da preclusão. Assim, a preclusão é efeito jurídico que pode decorrer dos seguintes fatos jurídicos (em sentido amplo): a) ato-fato lícito caducificante: a inércia, pouco importa se culposa ou não, por um lapso temporal, que conduz à perda de uma faculdade/poder processual (preclusão temporal); b) ato jurídico em sentido estrito lícito de cunho impeditivo: de um lado, a adoção de um comportamento pela parte ou pelo juiz impede, de imediato, a adoção de outro com ele incompatível (perda dessa faculdade/poder processual por preclusão lógica); de outro, a consumação de uma faculdade/poder atribuído pela lei, obsta que esse mesmo poder volte a ser exercido (preclusão consumativa). Na verdade, a maior parte dos atos processuais produz, automaticamente, por força de lei, estes efeitos preclusivos em razão da proibição de comportamento contraditório e da consumação do poder processual c) ato ilícito caducificante, ato contrário ao direito que conduz à perda de um poder /faculdade processual.6
Dentre as outras espécies, a “preclusão consumativa se verifica sempre que realizado o ato processual”.7
Já, na lógica, “o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato anterior incompatível logicamente com aquele que se pretende realizar”.8
Ressalte-se que a preclusão lógica, como expressão da boa-fé (nemo potest venire contra factum proprium), “é consequência da prática do primeiro ato, que é lícito, e não do ato contraditório, que é ilícito”. 9
Por fim, a temporal ocorre “quando um ato não puder ser praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte”.10
3 A PRECLUSÃO PARA O JUIZ
A figura da preclusão judicial tem resistência por parte da literatura, notadamente, na figura temporal.
No entanto, há certo consenso quanto a sua existência na modalidade lógica. Nesse sentido:
Dá-se, por exemplo, quando ele concede tutela antecipada com base em abuso do direito de defesa (art. 311, I, CPC), o que é incompatível com a recusa em condenar o réu por litigância de má-fé com base no mesmo comportamento tido por abusivo. Também não se permite que o magistrado, no julgamento antecipado do mérito [arts. 355-356, CPC), conclua pela improcedência, sob o fundamento de que o autor não provou o alegado. Se o juiz convoca os autos para julgamento antecipado, é porque entende provados os fatos alegados. A sentença de improcedência por falta de prova, em julgamento antecipado do mérito, além de violar a boa-fé objetiva, que orienta a relação entre os sujeitos processuais, e o princípio da cooperação, poderá ser invalidada por ofensa à garantia do contraditório, em sua dimensão de direito à prova.11
Do mesmo modo, a consumativa ocorre “quando a decisão judicial é publicada. Exaure-se o ofício jurisdicional, não podendo o magistrado emendar, incrementar ou refazer a decisão, salvo nos casos excepcionais previstos em lei (art. 494, CPC)”.12
Ao revés, afirma-se que “não há que se falar em preclusão temporal para o juiz, pois mesmo após transcorrido o prazo para a realização do ato, será totalmente lícita sua realização”13, uma vez que os prazos a que está sujeito são impróprios.
No entanto, DIDIER JR. afirma que tal instituto se configura, por exemplo, na ocorrência de julgamento implícito, quando o Ministro do STF silencia no prazo regimental para manifestação acerca da repercussão geral do RE.14
4 A CHAMADA PRECLUSÃO ELÁSTICA NO NOVO CPC
Tal nomenclatura vem sendo utilizada para se referir a sistemática recursal estabilizada para as decisões interlocutórias não agraváveis.
É que “o Novo CPC trabalha com, por assim dizer, uma preclusão elástica, já que todas as matérias decididas podem ser suscitadas – ressuscitadas, com mais propriedade –, na fase do recurso de apelação, sob pena, aí sim, de precluírem”15.
Gize-se:
(...) diversa a forma em que ocorre a preclusão temporal (submetida exclusivamente ao non facere), da preclusão elástica, que fica em estado de suspensão por todo o arco procedimental após a parte suscitar determinada questão (facere). Enquanto a preclusão temporal se dá pela não suscitação da questão em tempo oportuno (non facere), a elástica ocorre pela ausência de sua ressuscitação na fase recursal, embora suscitada no tempo e modo devidos (facere colapsado por non facere posterior).16
Daí a afirmativa da existência de uma nova modalidade de preclusão com a vigência do novo código.
5 CONCLUSÃO
Diante do exposto, é possível verificar a importância da preclusão para o processo civil, de modo que a sua existência se revela essencial para o regular prosseguimento dos feitos e consecução dos seus fins legais e constitucionais.
Notas e Referências
CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, Saraiva, 1965,
IIII, tradução da 2 ª Ed. Italiana de J. Guimarães Menegale, acompanhada de notas de Enrico Tullio Liebman, com uma introdução de Alfredo Buzaid.
Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.
DUARTE, Zulmar. Preclusão Elástica no Novo CPC. Salvador: Juspodivm, Novo CPC Doutrina Selecionada, v.1.
DUARTE, Zulmar. Preclusão Elástica no Novo CPC. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, Brasília, ano 48, n. 190, abr./jun. 2011.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017.
1 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 474.
2 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 476.
3 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, Saraiva, 1965, v. IIII, tradução da 2 ª Ed. Italiana de J. Guimarães Menegale, acompanhada de notas de Enrico Tullio Liebman, com uma introdução de Alfredo Buzaid, p. 155-157.
4 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 475.
5 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Preclusões para o juiz. São Paulo: Método, 2004.
6 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 477.
7 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 436.
8 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 436.
9 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 480.
10 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 436.
11 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 479.
12 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 481.
13 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Preclusões para o juiz. São Paulo: Método, 2004, p. 41.
14 Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.
15 DUARTE, Zulmar. Preclusão Elástica no Novo CPC. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, Brasília, ano 48, n. 190, abr./jun. 2011, p. 315.
16 DUARTE, Zulmar. Preclusão Elástica no Novo CPC. Salvador: Juspodivm, Novo CPC Doutrina Selecionada, v.1, p. 1.514.
Imagem Ilustrativa do Post: Lady Justice // Foto de: jessica45 // Sem alterações
Disponível em: https://pixabay.com/photos/lady-justice-legal-law-justice-2388500/
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/