Precisamos Falar Sobre o Quarto Poder no Brasil

19/03/2016

Por Thúlio Guilherme Silva Nogueira - 19/03/2016

A liberdade de imprensa é direito fundamental garantido em nossa Carta Magna: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV” (art. 220, § 1º). Preponderantemente o direito à liberdade de imprensa é cerne num Estado Democrático de Direito. Onde há espaço para exercer a liberdade de imprensa, haverá para exercício da civilidade e para a solidificação da democracia. Não obstante, esta liberdade assegurada pela Constituição Federal a imprensa, no exercício de suas funções, se limita, em vista que nenhum direito é absoluto. A partir do momento que a liberdade de imprensa agride outros direitos fundamentais atribuídos à pessoa (direito à inviolabilidade da honra, da vida privada e da imagem), nos confrontamos com uma colisão de direitos fundamentais. O aparato jurisdicional é responsável para solucionar tal conflito normativo, aplicando o princípio da proporcionalidade.

A imprensa se tornou o Quarto poder no Brasil. Um poder que não faz parte da divisão tripartite de Estado, idealizada por Montesquieu e presente no modelo constitucional brasileiro, mas que toma conta do “pedaço” e atualmente dita as regras por aqui. Na sua essência, possui uma função muito importante: Gerar informação de qualidade e contribuir na comunicação e na conscientização da sociedade.

O povo elegeu a imprensa como seus olhos para fiscalizar aqueles que conduzem a sociedade. Porém, a partir do momento em que esta imprensa passa a seguir o dinheiro, e não a ética, sua vigilância fica totalmente comprometida com o poder ou com os interesses empresariais. Jogo de interesses, oligopólios, armações, luta por audiência, procura incessante por lucros, vendas e escândalos. São muitos os tópicos e temas que põe a imprensa em cheque, desviando-a dos seus reais objetivos.

É de praxe os meios midiáticos incutirem na coletividade a crença de que algumas pessoas acusadas em processos criminais são culpadas antes mesmo de serem julgadas. Podemos dizer que o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que assegura ao acusado de prática de ilícito penal a prerrogativa de não ser considerado culpado até que a sentença penal condenatória transite em julgado, é relativizado ou até mesmo desconsiderado.

Sob a mesma ótica, o princípio do Devido Processo Legal, instituto previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, que garante a todos os cidadãos o direito de ter um processo justo, amparado pelo contraditório e pela ampla defesa, se deteriora. Afinal, quem se importa com os princípios e as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito? Estas informações não renderiam lucro. É mais interessante e lucrativo destacar a incapacidade do judiciário em punir criminosos.

Semanalmente, a imprensa punitivista vangloria, o “justiceiro de plantão”, o Juiz Federal Sérgio Moro, que viola regras mínimas do Devido Processo Legal, desrespeita direitos e garantias fundamentais de acusados e usa da prisão provisória de forma desvirtuada e exacerbada, no âmbito da tão citada operação lava-jato. A 13º Vara criminal de Curitiba, conduzida pelo Juiz Federal Sérgio Moro, responsável pelo julgamento dos acusados na operação Lava-Jato, tomou novas imputações. Agora, além de julgar, apreciar as provas e fatos, e exercer a imparcialidade no exame do mérito, cumpre função investigativa e persecutiva aos réus e seus familiares.

Neste contexto, é pertinente a fala do Desembargador Geraldo Prado:

O poder extraordinário e incontestável exercido pela mídia sobre a população em geral (...) reflete-se de modo relevante, no processo penal, quando atua diretamente sobre a convicção do juiz, intentando forma- la não mais com base nas provas dos autos, obtidas com a segurança do contraditório e da ampla defesa, porém a partir da conclusão amiúde precipitada a que chegam órgãos informativos, de tal sorte que o secular princípio da imparcialidade resta afetado, às vezes até mesmo sem que o julgador se dê conta.

Há tempos o quarto poder vem passando por mudanças e ganhando mais força e relevância. O aparato responsável pela conscientização social transformou-se no poder paralelo da moral, do ideal, do punitivismo ou mesmo em um poder capaz de criar uma nova justiça.

Para o jornalismo punitivo, no processo penal existe sanção própria e imediata. Se não existem provas cabíveis para acusação de algum réu e este é inocentado? O quarto poder cria manchetes demonstrando insatisfação total com o resultado da lide. Isto tem um efeito drástico: a sociedade se rebela por crer mais nesta manchete do que no julgamento, mesmo que este tenha respeitado todo o procedimento processual legal. Cá para nós, isto é terrível.

Apenas 29% da população confia no Poder Judiciário como instituição capaz de solucionar seus conflitos. Já a confiabilidade da população nas emissoras de TV chega a 33% e na imprensa escrita aos incríveis 43%, de acordo com o ICJBrasil. Ou seja, para a maioria da população, a notícia divulgada na capa da revista de maior tiragem no país, dotada de sensacionalismo, parcialidade e informações sem fundamentos, tendenciosas, é mais confiável do que o aparato jurisdicional brasileiro. Há algo de errado nessa realidade.

O desagrado com o Poder Judiciário brasileiro é justificável por vários motivos, dentre eles a morosidade processual, o preço das custas judiciárias, os erros judiciários e a dificuldade de acesso à prestação jurisdicional. Principalmente pela postura autoritária tomada pelo Supremo Tribunal Federal atualmente, em especial no julgamento do Habeas Corpus 126292. Ao longo do mesmo, o órgão guardião da nossa Carta Magna encarregou-se de rasgá-la, “jogando no lixo direitos assegurados a todo cidadão brasileiro que responde a um processo criminal, determinando que aproximadamente um terço dos condenados, provavelmente inocentes, cumpram pena indevidamente, segundo as estatísticas relativas a reformas pelos Tribunais Superiores”, como bem afirma Cezar Roberto Bitencourt.

Existe uma correlação grandiosa entre os índices de confiabilidade da sociedade no judiciário e na mídia. De 2011 para cá o índice do judiciário teve uma queda de 10 pontos percentuais, justamente quando se iniciou um aumento da sua exposição na mídia, no que se refere à mostra de escândalos envolvendo agentes da justiça, como informa a coordenadora do ICJ, Luciana Gross Cunha.

Passaremos a analisar a problematização dos inquéritos policiais nas investigações que envolvem agentes da justiça para demonstrar um dos fatores responsáveis pela queda no índice de confiabilidade do Judiciário brasileiro. O inquérito policial trata-se de um procedimento administrativo em que os direitos fundamentais do investigado, como o da presunção da inocência, devem ser assegurados. Para proteger esses direitos, o legislador tratou de dar característica de sigilo a eles, como prevê o artigo 20 do Código de Processo Penal Brasileiro. O que vemos atualmente é o contrário, no entanto.

O sigilo do inquérito policial está totalmente estremecido pelo assédio da mídia sensacionalista, que de maneiras capciosas e irresponsáveis consegue informações sobre as investigações criminais e as divulga à população proclamando vereditos antes mesmo da produção de provas e da defesa dos acusados. Muitas vezes ela “condena” inocentes e decide diferentemente do Poder Judiciário. A decisão desejada pela população que aclama por justiça e pelo fim da impunidade é a condenatória. É possível ver a formação de dois julgamentos: um que atende ao aclamo social e outro que o decepciona. Em suma, o povo acredita e deposita sua fé naqueles que atendem a suas penúrias. Daí surge um dos motivos que causam desconfiança para com o Poder Judiciário.

O que vemos no âmbito da operação Lava-Jato são delegados de polícia e promotores de justiça abrolhando entrevistas a emissoras de TV, oferecendo informações sobre o estado em que se encontra o inquérito policial de certos investigados estratégicos. O jurista Fernando da Costa Tourinho Filho, afirma que:

Não se concebe investigação sem sigilação. Sem o sigilo, muitas e muitas vezes o indicado procuraria criar obstáculos às investigações, escondendo produtos ou instrumentos do crime, afugentando testemunhas e, até, fugindo à ação policial. Embora não se trate de regra absoluta, como se entrevê da leitura do artigo 20, deve a autoridade policial empreender as investigações sem alarde, em absoluto sigilo, pra evitar que a divulgação do fato criminoso possa levar desassossego à comunidade. E assim deve proceder para que a investigação não seja prejudicada. Outras vezes o sigilo é mantido visando amparar e resguardar a sociedade, vale dizer, a paz social.

A publicidade opressiva não pode corroborar no inquérito policial e no julgamento de nenhum acusado como observamos nos ditos de Fernando da Costa Tourinho Filho. Para solucionarmos a influência desta publicidade nos julgamentos criminais, se faz necessário nos remetermos aos ditos de Simone Schreiber: 

Importante ressaltar que a cobertura jornalística de julgamentos criminais é manifestação do direito constitucional da liberdade de expressão. Uma solução para o problema da publicidade opressiva que sustentasse a proibição genérica de mensagens expressivas sobre julgamentos criminais seria patentemente inconstitucional. Isso não impede que, caracterizada a colisão de direitos fundamentais, o juiz adote medidas de proteção para proporcionar ao réu um julgamento justo. O juiz deve solucionar a colisão adotando a técnica de ponderação e sujeitando-se ao postulado da proporcionalidade, ou seja, deve buscar, no cardápio de soluções possíveis para o conflito, 1.medidas que sejam aptas a promover o fim desejado, de assegurar ao réu um julgamento justo (idoneidade ou adequação); 2.dentre elas, as que imponham a menor restrição possível ao direito contraposto, no caso, a liberdade de expressão (indispensabilidade ou necessidade); 3.deve avaliar se o grau de restrição imposto à liberdade de expressão se justifica em vista da relevância da realização do fim que se busca alcançar, devendo ser ainda avaliado o grau de satisfação em concreto do fim desejado (proporcionalidade em sentido estrito).

Assim sendo, reconhecemos dos indícios graves de corrupção na instituição política brasileira. Entendemos pela necessidade de investigar e julgar os responsáveis. Que sejam estas investigações conduzidas de maneira correta e imparcial, e estes julgamentos conduzidos por quem são, de fato, responsáveis por eles, respeitando os princípios básicos do devido processo legal e da presunção da inocência. Que a imprensa exerça seu fundado papel. Que seja o quarto poder, paralelo, responsável por divulgar informações fundamentadas, dotadas de ética e vinculadas apenas ao poder do saber, a maior das faculdades de um ser pensante.


Notas e Referências:

BITENCOURT, César Roberto. BITENCOURT, Vânia.  Em dia de terror, Supremo rasga a Constituição no julgamento de um HC, in <http://www.conjur.com.br/2016-fev-18/cezar-bittencourt-dia-terror-stf-rasga-constituicao>. Acessado em 13/03/2016.

SCHREIBER, Simone. A publicidade opressiva dos julgamentos criminais In <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-publicidade-opressiva-dos-julgamentos-criminais/4643> Acessado em 15/03/2016

ICJ BRASIL. Indice de confiança na justiça brasileira. In <http://direitosp.fgv.br/en/publicacoes/icj-brasil>. Acessado em 13/03/2016.

PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Opinião Pública e Processo Penal, Boletim Legislativo Adcoas, Rio de Janeiro, ano 28, n. 30, out. 1994. p. 106.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007.


Thúlio Guilherme Silva Nogueira. . Thúlio Guilherme Silva Nogueira é Graduando em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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