Coluna Advocacia Pública em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta Araújo e Weber Luiz de Oliveira
Em continuação a anteriores textos publicados nessa coluna sobre a nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiroi, em relação à artigos inseridos pela Lei 13.655/2018, que trata sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público, expõe-se sobre uma particularidade do art. 30, assim redigido:
As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
A particularidade retratada é concernente a aplicação de regulamentos e súmulas administrativas, com caráter vinculante, em razão de precedentes judiciais.
Podendo-se afirmar, atualmente, em alguns aspectos, que precedentes judiciais ou, se assim se entender, pronunciamentos judiciais vinculantes da atividade jurisdicional no Brasil, são caracterizados também como normas jurídicas, a depender do grau de vinculatividade imposta legislativamente - constitucional ou infraconstitucional -, ganha relevo a análise da forma com que tais decisões são inseridas no ordenamento jurídico administrativo.
Em outra oportunidadeii se destacou que, para que precedentes judiciais vinculantes sejam, igualmente, respeitados pela Administração Pública, se faz necessária edição de lei autorizativa de sua aplicabilidade, possibilitando, por deferência legislativa e legitimidade democrática, ao gestor público a realização de atos estatais em conformidade com o entendimento vinculante da jurisdição.
Esse contexto dialógico entre os poderes do Estado poderá trazer uma uniformidade na aplicação do Direito, trazendo, a reboque, maior segurança jurídica e igualdade no tratamento dos administrados, sejam pessoas físicas e jurídicas, objetivos almejados pela LINDB, em relação ao direito público.
Com efeito, como já defendido em trabalho passadoiii, a aplicação dos precedentes judiciais foi objeto de disciplinamento pelo Código de Processo Civil de 2015, sob influências da doutrina dos precedentes oriunda dos países de tradição de common law e da evolução do direito jurisprudencial brasileiro, determinando-se que juízes e tribunais sigam a interpretação do direito sedimentada judicialmente nas instâncias superiores.
A administração pública, regida e limitada constitucionalmente ao princípio da legalidade, diante desse novo perfil da jurisdição brasileira, também deve adotar os precedentes judiciais vinculantes, desde que autorizada por regulamentação legal que discrimine as premissas para tal atendimento, legitimando a atuação dos agentes públicos, publicizando aos administrados a posição administrativa e assentando a integridadeiv do direito no Estado.
Conquanto a Administração deva ser influenciada pelos precedentes vinculantes, ante a novel característica da jurisdição brasileira e do constitucionalismo contemporâneo, há de existir, para tanto, legislação nesse sentido, até porque a legislação processual não tem competência constitucional para impingir condutas à Administração Pública.
Pondera-se, e assim se monstra o art. 30 da LINDB, sobre uma abertura pela legislação para atribuir ao administrador maior campo de liberdade na adoção dos precedentes vinculantes (normas), para que não fique adstrito à forma legal, em nítido exercício dos ideais liberais do século XVIII no século XXI, mas também possa, em virtude da referida autorização legislativa, no exercício do mister administrativo, aplicar o direito sedimentado judicialmente sem convolar-se essa aplicação em exercício arbitrário.
São poderes políticos, exercidos tanto pela legislação (lei), quanto pela jurisdição (direito), que devem ser sopesados pela administração e aplicados em consonância com o que for melhor, mais eficiente, norteado, igualmente, pelos demais princípios de direitos fundamentais e pelos escopos do Estado Constitucional.
Referidos precedentes vinculantes têm aplicação direta desde que a legislação autorizativa advenha da Constituição Federal, como as súmulas vinculantes e as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade. Denominaram-se tais precedentes como diretamente vinculantes à Administração Pública.
Os precedentes indiretamente vinculantes à Administração Pública, aqueles em que a autorização de aplicação na Administração Pública advém de lei, são os demais elencados no art. 927 do Código e Processo Civil de 2015, quais sejam, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e a orientação do plenário ou do órgão especial quais dos tribunais.
Os precedentes indiretamente vinculantes assim se denominam porque a sua normatividade ainda é limitada à jurisdição. A adoção pela Administração Pública de tais precedentes não é, por conseguinte, direta, automática, mas sim indireta, pois depende da propalada lei autorizativa, como ponte de transiçãov entre os sistemas jurisdicional e administrativo.
Diante desse contexto, a legitimar e legalizar o atuar administrativo, também pode se mostrar como consequência, como reflexo, a diminuição da litigiosidade.
Parece adequado afirmar, portanto, que o art. 30 da LINDB, de certa forma, encampa esse posicionamento de precedentes judiciais indiretamente vinculantes à Administração Pública, disciplinando, de maneira inicial, mas não integral, o que se denomina de “lei autorizativa” de aplicação de precedentes, porquanto impõe (o verbo utilizado é “devem”) uma atuação das autoridades públicas no sentido de dar aplicabilidade às normas, no cenário ora desenhado, precedentes judiciais vinculantes a serem respeitados administrativamente.
Resta, enfim, a cada ente público adotar esse proceder, concretizando as disposições da LINDB, para melhor segurança jurídica e eficiência na aplicação do direito público.
Notas e Referências
[1] “Quando o segundo sol chegar, para realinhar as órbitas dos planetas”: de como a lei 13.655/2018 intenta alinhar decisões judiciais, de controladoria e administrativa à órbita da segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/quando-o-segundo-sol-chegar-para-realinhar-as-orbitas-dos-planetas-de-como-a-lei-13-655-2018-intenta-alinhar-decisoes-judiciais-de-controladoria-e-administrativas-a-orbita-da-seguranca-juridica-e-eficiencia-na-criacao-e-aplicacao-do-direito-publico. Responsabilidade civil do advogado público parecerista e a LINDB. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/responsabilidade-civil-do-advogado-publico-parecerista-e-a-lindb.
[2] OLIVEIRA, Weber Luiz de. Precedentes judiciais na Administração Pública: limites e possibilidades de aplicação, Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
______. Precedentes judiciais na administração pública, In, Revista de Processo, vol. 251, ano 40, jan. 2016, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 429-455.
[3] Idem.
[4] DWORDIN, Ronald. O império do direito, trad. Jeferson Luiz Camargo, São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999.
[5] NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.
Imagem Ilustrativa do Post: 20150328_102959 // Foto de: Edson Perotoni // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/edsonperotoni/16332626234
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/