Possibilidade de diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado: bem ou mal? - Por Rodrigo Fernandes

31/12/2016

Por Rodrigo Fernandes – 31/12/2016

Com o intuito de alavancar a economia nacional, dentre outras providências, o governo federal editou a Medida Provisória n° 764/2016 que possibilitou a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou a forma de pagamento utilizada.

O instrumento normativo, com apenas um artigo e um parágrafo único, ficou assim redigido:

Art. 1º Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.

Parágrafo único. É nula a cláusula contratual, estabelecida no âmbito de arranjos de pagamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput.

Em outras palavras, atualmente, é permitido ao comerciante ou prestador de serviços cobrar preços diferenciados a depender da forma de pagamento, se em dinheiro ou cartão (de débito ou crédito) e, ainda, no caso de pagamento à vista ou a prazo.

Isto porque, como é sabido, o comerciante paga um percentual à operadora do cartão, sempre que o pagamento é realizado através deste instrumento, o que implica em aumento do encargo financeiro para o mesmo.

Apesar desta diferenciação de preços não ser nenhuma novidade no comércio, o fato é que a prática não possuía amparo legal, nem tampouco chancela da jurisprudência, que assim posicionava-se:

A diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza prática abusiva no mercado de consumo, nociva ao equilíbrio contratual. (STJ. 2ª Turma. REsp 1.479.039-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 6/10/2015).

O fundamento legal utilizado para embasar as decisões era o art. 39, V e X, do CDC e o art. 36, § 3º, X e XI, da Lei nº 12.529/2011, assim transcritos:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços; 

Art. 36 (...)§ 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: (...)X - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;XI - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; 

Outra norma que fundamentava a impossibilidade de diferenciação de preços era a Portaria 118/94 expedida pelo Ministério da Fazenda que dispunha expressamente que não poderá haver diferença de preços entre transações efetuadas com o uso do cartão de crédito e as que são em cheque ou dinheiro.

A instauração de processos administrativos, no âmbito do PROCON, contra comerciantes que oferecem desconto para pagamentos em dinheiro ou cheque era uma constante. No entanto, a Medida Provisória 764/2016 derrogou as normas acima mencionadas, fixando o marco legal para a possibilidade desta flexibilização de preços de mercado.

Segundo o governo, em sua exposição de motivos, a possibilidade de diferenciação preços constitui mecanismo importante para a melhor aferição do valor econômico de produtos e serviços  e traz benefícios relevantes para a relação com os consumidores, entre quais se destacam: 1) permitir que estabelecimentos tenham a liberdade de sinalizar, por meio de seus preços, os custos de cada instrumento de pagamento, promovendo maior eficiência econômica, pois, a impossibilidade de se diferenciar preços tende a distorcer a natureza da contestabilidade[1] entre os diversos instrumentos de pagamento, dificultando a escolha do consumidor quanto à utilização do instrumento menos oneroso; 2) Alterar o equilíbrio de forças entre os agentes de mercado, dado que a possibilidade dos estabelecimentos promover preços diferenciados pode promover um maior equilíbrio no processo de negociação entre os agentes de mercado com benefícios para o consumidor; 3) Minimizar o subsídio cruzado[2] entre os consumidores que não utilizam cartão (majoritariamente a população de menor renda) para os consumidores que utilizam esse instrumento de pagamento (majoritariamente a população de maior renda).

O Ministério da Fazenda afirma, ainda, que "segundo evidências" o preço médio dos produtos sob diferenciação de preços é menor do que aquele praticado sob o preço único cobrado pelos varejista e que a medida está alinhada com as tendências regulatórias praticadas em outros países, que observaram que a utilização de cartões não fora desestimulada pela medida.

A medida, em teoria, é bem intencionada e tem lógica de mercado, pois, o sistema anterior prejudicava aquele de menor renda, que queria pagar à vista para ter desconto e o reflexo da impossibilidade era a oneração de todos os consumidores pela diferença gerada pelo prazo maior do pagamento com cartão. A questão prática que deve-se questionar é: O mercado concederá desconto pelo pagamento em dinheiro e à vista ou tornará mais onerosa a compra realizada pelo cartão ou a prazo?


Notas e Referências:

[1] A teoria dos mercados contestáveis foi proposta por Baumol como uma teoria geral que explicasse o comportamento de indústrias, não importando a sua estrutura. Segundo o autor, um mercado contestável será eficiente alocativa e produtivamente – ou seja, devem ser esperados preços iguais aos de competição perfeita e minimização de custos. in BAUMOL, W. J. Contestable markets: an uprising in the theory of industry structure. American Economic Review, v. 72, p. 1-15, 1982.

[2] Ocorre quando o preço mais baixo cobrado de uma classe de consumidores (ou os incentivos financeiros dados a uma classe de produtores) seja compensado por preço mais alto cobrado aos demais consumidores.


Rodrigo Fernandes

. Rodrigo Fernandes é Advogado. Professor Universitário e de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Especialista em Direito do Estado. Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: rodrigo@rfernandes.adv.br .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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