Coluna Espaço do Estudante

Vivemos em tempos sombrios, uns definem como sendo um período de “crise da democracia”, ou, ainda, um período de “pausa democrática para freio de arrumação”[1], como define Ayres Brito, em outro giro, por honestidade acadêmica nos filiamos à corrente de que vivemos em um período de “pós-democracia”, visto que “crise” não é a melhor terminologia a ser utilizada, pois, uma crise permanente não é uma crise e, sim, um novo modelo de Estado[2] - o qual é, a rigor, movido e gerido pela lógica neoliberal.

Lecionado sobre o tema, Rubens Casara infere que:

[...] o Estado Pós-Democrático revela-se um Estado forte e com tendência arbitrarias, possivelmente o Estado menos sujeito a controle desde a criação do Estado Moderno. A pós-democracia é um modelo estatal aberto a novos despotismos, no qual se permite tanto a concentração de poderes quanto a existência daquilo que Luigi Ferrajoli chamou de “poderes selvagens”, poderes sem limites.[3]

Neste mister, é cediço, ainda, que vivemos em uma sociedade que tem retroalimentado o ódio de modo jamais visto na história moderna – principalmente no período pós declaração universal dos direitos do homem, de 1948. Surgem, então, movimentos puramente reprodutores de ódio, ao melhor estilo neonazista, e a internet tem sido a principal ferramenta difusora destas atrocidades.[4]

Concomitante ao crescimento dos movimentos de ódio, temos, também, visualizado um aumento significativo dos movimentos “punitivistas”. Tais movimentos defendem, em suma, um direito penal “tolerância zero”, ou seja, um direito penal encarcerador. Advogam, para tanto, que o encarceramento, juntamente com o recrudescimento das leis penais, é a solução dos problemas de segurança pública, ignorando completamente o fato complexo que é o fenômeno “violência”. São movimentos que possuem, a rigor, “um discurso vazio, plasmados em heurísticas e ilusões cognitivas, redução de dimensão e argumentos falaciosos[5].

A ideia “de que a punição resolve problemas sociais anda arraigada em uma população que está com medo e que não sabe outro caminho mais democrático”[6]. Nota-se que tal punitivismo exacerbado entrelaça-se com a banalização do processo penal, surgindo, então, um "direito penal popular"[7], que, não raras vezes, é incorporado ao meio jurídico.

Neste sentido, parte-se do pressuposto de que o produto do direito penal (o encarceramento) é a solução para as mazelas sociais, um raciocínio um tanto quanto ilógico, pois, a partir do plano teórico, parte-se do pressuposto de que o indivíduo, após passar pelo sistema penitenciário, seria transformado, saindo "do jeito que a sociedade deseja", todavia, a real função do sistema prisional é produzir incapazes[8] e, sobretudo, fortalecer o crime organizado.

Neste contexto, aderindo-se a princípios constitucionais específicos do direito penal, nota-se que tal ramo do direito é – por natureza e a rigor – subsidiário, ou seja, deve intervir de maneira mínima na vida dos indivíduos, haja vista que o Estado só poderá interferir quando houver real necessidade e proporcionalidade entre o fato e a resposta penal correspondente. Dito isto, à luz da dogmática da Constituição Federal de 1988, é imperioso destacarmos que a liberdade é a regra e a prisão é a exceção.

É elementar destacarmos que há uma latente desnecessidade de aplicação de penas privativas de liberdade, por exemplo, em crimes sem grave ameaça ou violência e, ainda, uma total teratóide, quando, em nome da "ordem"[9], prende-se cautelarmente nestes casos de crimes sem grave ameaça ou violência –, pois, como sintetiza Lopes Junior "na lógica da eficiência, vence o Estado Penitência, pois é mais barato excluir e encarcerar do que restabelecer o status de consumidor, através de políticas públicas de inserção social"[10].

Em linhas gerais, em um Estado Democrático de Direito, não cumpre ao Estado tão somente reconhecer os direitos fundamentais do homem, deve, porém, reconhece-los e, primordialmente, protege-los.  Isto é, não os reconhecendo apenas em uma perspectiva formal – ou abstrata – e, sim, de maneira material – ou substancial –, adotando medidas ativas neste sentido, consagrando-se, então, um Estado Social, sobrepondo a prevenção sobre a repressão[11].

Diante disto, não há por que retroceder à inquisição em pleno Estado Democrático de Direito, obliterando direitos fundamentais, visto que "o poder punitivo ao projetar-se na opinião das pessoas como o remédio para tudo, não é mais do que o maior delito de propaganda enganosa de nossa civilização”.[12]

 

Notas e Referências

[1] Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-vive-pausa-democratica-para-freio-de-arrumacao--diz-ayres-britto,10000027535>. Acessado às 15h38min, em 18/08/2018.

[2] CASARA, Rubens R.R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestação dos indesejáveis. 1ªed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 13: “’Crise’ tornou-se uma palavra-fantasma, que evoca o que está morto e paralisa os que vivem. De fato, “crise” deixou de retratar um momento de indefinição, provisório, emergencial ou extraordinário. Trata-se de um termo que passou a ser usado para ocultar uma opção política por manobras e ações justificadas pela falsa urgência ou pelo falso caráter extraordinário do momento. Uma palavra com função docilizadora, que aponta para um processo ou um sistema que não existe mais, mas cuja lembrança serve para tranquilizar aqueles que esperam por algo que não irá retornar”.

[3] CASARA, Rubens R.R. Op. Cit. p. 26.

[4] Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2018/01/31/onu-alerta-sobre-aumento-do-neonazismo-e-de-sua-influencia-na-politica.htm>. Acessado às 16h24min, em 18/08/2018.

[5] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi. Viesses da justiça: como as heurísticas e vieses operam nas decisões penais e a atuação contraintuitiva / Alexandre Morais da Rosa. Florianópolis: EMorada, 2018. p. 8.

[6] ROSA, Alexandre Morais da. Cultura da punição: a ostentação do horror / Alexandre Morais da Rosa, Augusto Jobim do Amaral. – 3 ed., rev. e ampl. – Florianópolis/SC: Empório do Direito, 2017. p 183.

[7] “Esta tese do “direito popular” surge cada vez que se faz necessário justificar a arbitrariedade a partir do ponto de vista da tradição, que é bastante útil aos sistemas penais mais reacionários e repressivos, com fundamento ideológico paternalista, ao estilo da teoria que o “bom ditador” é preferível à “democracia desordenada”, tão frequente na América Latina. Foi em grande parte retomada, em nosso século, pelo direito nacional-socialista alemão, que participava de uma ideologia com visão bucólica das tradições camponesas”. In ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 266.

[8] "[...] conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto, não "vemos" o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão". In FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir - Nascimento da prisão. 42. Ed. Editora Vozes, p. 224.

[9] LOPES JUNIOR apud BAUMAN in Fundamentos do processo penal: introdução crítica – 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. p. 41: “Explica Bauman que "ordem" significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita - de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis".

[10] LOPES JUNIOR, Aury. Op. Cit. p. 42.

[11] Ibidem.

[12] CASARA apud ZAFFARONI. In Apresentação: O direito penal e processo penal no Estado de Direito: análise de casos. / TAVARES, Juarez e PRADO, Geraldo. 1. ed. Florianópolis. Empório do Direito, 2016. p. 9.

 

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