Por uma Ecologia Integral: Direito Global e Sustentabilidade – Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

22/10/2015

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - 22/10/2015

Por que Sustentabilidade? O que é Sustentabilidade? Quem são os destinatários da Sustentabilidade? Para que Sustentabilidade? Essas são apenas algumas indagações as quais provocam verdadeira estranheza nas diversas relações quando estabelecidas por uma Razão Instrumental[1]. Nenhuma vida, nenhum ambiente pode se desenvolver para atender exclusivamente aos (infinitos) desejos humanos.

Não se trata de privilegiar, como se observou pela doutrina do Estado de bem-estar[2], o que os seres humanos querem para si e para o mundo. Essa (pervertida) lógica inviabiliza qualquer pretensão de um projeto civilizatório que traga condições mínimas de Justiça e Dignidade. Sob igual critério, qualquer relação de proximidade entre o “Eu” e o “Tu” se concentra tão somente entre seres humanos. O mundo natural, por não se comunicar na mesma linguagem, se torna objeto de desmedida exploração. É inviável, nesse cenário, vivenciar, compreender, elaborar e constituir os projetos de vida, cujos destinos são comuns.

O Direito, a partir de sua matriz dogmática nacional, é incapaz de trazer respostas satisfatórias às perguntas enunciadas no início desta coluna. Os seus limites são visíveis porque a Sustentabilidade reivindica essa aproximação do Homem com a Natureza em todo o território terrestre. A práxis jurídica, nesse caso, não reconhece o mundo natural como sujeito, mas apenas como lugar o qual abriga os seres vivos. Por esse motivo, o Direito Ambiental brasileiro, por exemplo, refere-se tão somente a um objeto, um patrimônio compartilhado. Trata-se de uma postura denominada como antropocentrismo alargado, o qual não compactua com as novas compreensões sul-americanas acerca da Natureza como “ser próprio”. Não é por outro motivo que Serres[3] destaca:

“Esqueçamos, pois, a palavra ambiente [...]. Ela pressupõe que nós, homens, estamos no centro de um sistema que gravitam à nossa volta, umbigos do universo, donos e possuidores da natureza. Isso lembra uma época passada, em que a Terra [...] colocada no centro do mundo reflectia o nosso narcisismo, esse humanismo que nos promove no meio das coisas ou no seu excelente acabamento. Não. A Terra existiu sem os nossos inimagináveis antepassados, poderia muito bem existir hoje sem nós e existirá amanhã ou ainda mais tarde, sem nenhum dos nossos possíveis descendentes, mas nós não podemos existir sem ela. Por isso, é necessário colocar bem as coisas no centro e nós na sua periferia, ou melhor ainda, elas por toda a parte e nós no seu seio, como parasitas.”

A Sustentabilidade não pactua com um Direito que não reconhece o intenso fluxo desse rio heraclitano chamado mundo. A função social da segunda expressão citada torna-se vazia de significados quando o estranho, o estrangeiro é eliminado – ou se torna irreconhecível - nesse diálogo, cujo desenvolvimento se manifesta, muitas vezes, apenas no território interno[4]. O Direito, e suas fontes, não se restringe apenas às atividades estatais legislativas ou judiciárias, mas modifica-se na medida em que se ampliam os atores sociais por meio dos fluxos globalizatórios, ou seja, transita-se de uma sistema duallevel para outro caracterizado como multilevel[5].

As ações sustentáveis - ou o desenvolvimento sustentável[6] - referem-se a uma compreensão intrapessoal e interpessoal em escala global[7], ou seja, centraliza-se no movimento de pessoas, destacadas como agentes[8], de lugares, de culturas, de organismos institucionais e não-institucionais (de natureza financeira[9] ou não), de legislações, entre outros. Como é possível ampliar e consolidar, sob o ângulo do Direito, a Sustentabilidade se esse é incapaz de transgredir seus limites nacionais ou, ainda, avançar, além dos Direitos Humanos, para debates de maior proximidade entre o Oriente e Ocidente, bem como do Homem e Natureza? Essa resposta, ainda, é nebulosa e modulada conforme interesses transnacionais.

O Direito global e a Sustentabilidade demandam um profundo diálogo entre todos os seres vivos, o qual constituiria um genuíno Espírito da Terra[10], os lugares de sentido – naturais ou artificiais, a proximidade entre os territórios do Norte, Sul, Leste e Oeste, bem como um tempo que desacelera em detrimento àqueles no qual incentiva a ansiedade. Não se submete ao império do Crédito, da Obsolescência Programada e da Publicidade. Essas tríade, ressalte-se, não conduz à boa vida, mas perpetua crime[11] contra a regeneração, a reprodução, a manutenção e o desenvolvimento de toda a vida.

Ambas as expressões - Direito global e Sustentabilidade  - suscitam uma Ecologia Integral[12], a qual se preocupe com as dimensões eco-socioambientais para se observar que nem toda manifestação dos seres pode ser reduzido aos valores criados pela Humanidade. Ao contrário, a dimensão ecológica verifica como se desenvolve a interação entre os organismos – desde o unicelular aos pluricelulares – e demonstra o valor próprio de seres próprios, ou seja, não estão sob a avaliação econômica, estética, utilitária para atender aos seus (infinitos) desejos. Insiste-se: somos um em todos e todos em um.

A preocupação pela nossa “casa comum” deve incitar, portanto, à cumplicidade vital planetária pelo esclarecimento que surge por meio do estar-junto-com-o-Outro-no-mundo[13]. Eis o desafio de um Direito global e da Sustentabilidade como fomento à Ecologia Integral. As redes de comunicação, de vida, de interdependência evidenciam a constituição de um “saber da casa comum” que respeita tudo e todos.

Trata-se de uma sabedoria que, no decorrer do tempo, se assemelha à elaboração da arquitetura da concha do caracol, ou seja, a sua morada é construída por espiras cada vez mais largas, quando, num determinado momento, a atividade cessa bruscamente e o caracol inicia enrolamentos mais lentos, decrescentes para não afetar o seu bem-estar dentro da sua concha. Por esse motivo, explica Latouche[14]: “[...] Passado o ponto-limite de alargamento das espiras, os problemas do excesso de crescimento multiplicam-se em progressão geométrica, ao passo que a capacidade do caracol pode apenas, [...], seguir uma progressão aritmética”.

Esse argumento demonstra que o cuidado de todos com a “casa comum” persiste ao convívio sereno. Não é possível que a Sustentabilidade e o Direito global continuem a disseminar mentiras existenciais enunciada como seus propósitos de integração[15]. O exemplo mais nítido dessa situação é o desenvolvimento sustentável. Veja-se: a Sustentabilidade, por definição, já envolve perspectivas de desenvolvimento os quais favorece a manutenção e preservação interespécies. Tem-se, pois, um pleonasmo. Sob igual critério, quando se analisa o conteúdo dessa expressão, verifica-se o surgimento de um oximoro, já que as atuais modalidades de desenvolvimento não são nada sustentáveis[16]. É preciso, nas palavras de Francisco[17], identificar:

“[...] como as diferentes criaturas se relacionam, formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos ‘ecossistemas’. Temo-los em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável, mas também porque possuem um valor intrínseco, independente de tal uso. Assim como cada organismo é bom e admirável em si [...], o mesmo se pode dizer do conjunto harmônico de organismos num determinado espaço, funcio­nando como um sistema. Embora não tenhamos consciência disso, dependemos desse conjunto para a nossa própria existência. Convém recor­dar que os ecossistemas intervêm na retenção do anidrido carbônico, na purificação da água, na contraposição a doenças e pragas, na compo­sição do solo, na decomposição dos resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos. Quando se dão conta disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vi­vemos e agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada, que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência. Por isso, quan­do se fala de ‘uso sustentável’, é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade re­generativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e aspectos.”

A Sustentabilidade e o Direito global se tornam espaços de viabilidade da Ecologia Integral. A dimensão ecológica favorece o reconhecimento dos diferentes sujeitos e a necessidade de seus cuidados para manter a nossa “casa comum”. A pluralidade de redes vitais não pode ser desprezada pelo ser humano, pois a sua complexidade é um fato no qual ambas as expressões já enunciadas não devem reduzir para serem compreendidas pela Razão Instrumental.

A vivência e convivência entre todos os seres vivos denotam o valor de cada um e o modo como todos são indispensáveis para manter o equilíbrio terreno. A Ecologia Integral é a expressão de eficácia e de uma utopia concreta que se desenvolve por meio de um Direito Global e Sustentabilidade.


Notas e Referências:

[1] Representa “[...] o tipo de racionalidade a que recorremos quando ponderamos a aplicação dos meios mais simples para chegar a um dado fim. A máxima eficiência, a melhor ratio custo-produção, é a medida do sucesso”. TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. Tradução de Luis Lóia. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 20.

[2] “[...] confundir a justiça, que é um ideal da razão, com o bem-estar, que é um ideal de imaginação, é um erro pelo qual podemos acabar pagando um alto preço: esquecer que o bem-estar deve ficar a expensas dos próprios indivíduos, ao passo que a satisfação dos direitos básicos é uma realidade social de justiça, que não pode ficar exclusivamente nas mãos dos indivíduos, mas continua a ser indispensável um novo Estado social de direito – um Estado de justiça, e não de bem-estar – avesso ao megaestado, avesso ao ‘eleitoreirismo’, e consciente que deve estabelecer novas relações com a sociedade civil”. CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: por uma teoria da cidadania. Tradução de Silva Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 2005, p. 69. Grifos originais da obra estudada.

[3] SERRES, Michel. O contrato natural. Tradução de Serafim Ferreira. Lisboa: Instituto Piaget, 1994, p. 58.

[4] “[...] a compreensão humano-desumano/local-global, isto é, novas manifestações de poder conclamam a existência de um novo paradigma de Direito, que seja, oxalá, suficientemente herege para lidar além dos limites”. STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2015, p. 16.

[5] “Por oportuno, vale mencionar que tal sistema multilevel não decorre de uma partícula nuclear originária, tal qual o Estado, no paradigma da modernidade. O nacional, o internacional, o supranacional passam a coabitar um campo de circulação de modelos em rede com tessituras horizontais, verticais, diagonais e afins”. STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. p. 34.

[6] “O fim do social induz à transformação de todos os aspectos da vida coletiva e pessoal. Se a ideia de desenvolvimento sustentável é central hoje, é porque ela emana de uma tomada de consciência mais clara da necessidade de reconstruir instituições capazes de controlar a vida econômica em nome dos direitos de origem moral”. TOURAINE, Alain. Após a crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Tradução de Francisco Morás. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2011, p. 142.

[7] “[...] É global e não transnacional em virtude de, uma vez regulado, espraiar seus efeitos por todas as regiões do globo, indistintamente, não apenas geopoliticamente modulado”. p. 16.

[8]  “Para usar uma distinção medieval, não somos apenas ‘pacientes’ cujas necessidades merecem consideração, mas também ‘agentes’ cuja liberdade de decidir o que valorizar e a forma de buscá-la pode se estender muito além de nossos próprios interesses e necessidades. O significado de nossa vida não pode ser colocado num caixinha de nossos padrões de vida ou da satisfação de nossas necessidades. As necessidades manifestas do paciente, por mais importantes que sejam, não podem eclipsar a relevância vital dos valores arrazoados do agente”. SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 286.

[9] Vale, nesse momento, observar a crítica de Touraine: “[...] Numa crise, não existe propriamente atores sociais, já que os financistas não se definem senão em termos de lucro, incluído o especulativo, enquanto que todos os outros, responsáveis de empresas, sobretudo de pequenas e médias e dos assalariados, são reduzidos a papéis de vítimas”. TOURAINE, Alain. Após a crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. p. 136.

[10] “Uma colectividade harmonizada das consciências, equivalente a uma espécie de superconsciência. A Terra não só a cobrir-se de miríades de grãos de Pensamento, mas também a envolver-se num único involucro pensante até formar apenas, funcionalmente, um único e vasto Grão de pensamento, à escala sideral. A pluralidade das reflexões individuais a agruparam-se e a reforçarem-se no acto de uma única Reflexão unânime”. CHARDIN, Pierre Teilhard. O fenômeno humano. Tradução de Léon Bourdon e José Terra. São Paulo: Herder, 1965, p. 275.

[11] LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 17/18.

[12] “Dado que tudo está intimamente relacio­nado e que os problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral, que inclua claramente as di­mensões humanas e sociais”. FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015, p. 85.

[13]“A vivência do eu plural, em suas diversas direções, fomenta um politeísmo cultural dinâmico e presente. Ao mesmo tempo, forma-se um tempo particular ocasionado por esse viver o estar-junto. A vida múltipla e fragmentada que permeia um sentido vivente não possui uma unidade delimitada e específica, todavia constitui uma unicidade irrefutável”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. Itajaí, (SC): Editora da Universidade do Vale do Itajaí, 2011, p. 41.

[14] LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. p. 26.

[15] “Devemos, certamente, ter a preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável, mas deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que al­guns se considerem mais dignos do que outros. Deixamos de notar que alguns se arrastam numa miséria degradante, sem possibilidades reais de melhoria, enquanto outros não sabem sequer que fazer ao que têm, ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o planeta. Na prática, continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos que outros, como se tivessem nascido com maiores direitos”. FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. p. 58/59.

[16] LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. p. 8.

[17] FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. p. 86/87.

AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Rumo ao desconhecido: inquietações filosóficas e sociológicas sobre o direito na pós-modernidade. Itajaí, (SC): Editora da Universidade do Vale do Itajaí, 2011.

CHARDIN, Pierre Teilhard. O fenômeno humano. Tradução de Léon Bourdon e José Terra. São Paulo: Herder, 1965.

CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: por uma teoria da cidadania. Tradução de Silva Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 2005.

FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulus/Loyola, 2015.

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SERRES, Michel. O contrato natural. Tradução de Serafim Ferreira. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2015.

TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. Tradução de Luis Lóia. Lisboa: Edições 70, 2009.

TOURAINE, Alain. Após a crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Tradução de Francisco Morás. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2011.


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Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com


Imagem Ilustrativa do Post: Global Perspective // Foto de: Keoni Cabral // Sem alterações.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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