POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL MAIS COMPROMETIDO COM A LEGALIDADE DO QUE COM O ATIVISMO PUNIVISTA OU IDEOLÓGICO. DUAS BREVES REFLEXÕES

04/09/2018

1) ELES SABEM QUE ESTÃO ERRADOS, MAS PREFEREM O CINISMO

Independentemente do princípio constitucional da inocência, existem duas regras em nosso ordenamento jurídico que não podem ter sua vigência negada. São elas:

"Artigo 283 do Código de Processo Penal: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória TRANSITADA EM JULGADO ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)."

LEP - Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984
Institui a Lei de Execução Penal.

"Artigo 105. TRANSITANDO EM JULGADO a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução."

Todas são absolutamente claras em exigir o trânsito em julgado (não cabimento de mais recursos) da decisão penal condenatória para que se possa começar a execução da pena privativa de liberdade.

Estas regras jurídicas não precisam de qualquer “interpretação conforme a constituição”. Elas já são, genuinamente, conforme a constituição de nossa República.

Tais dispositivos legais consagram o princípio constitucional de que ninguém pode ser considerado culpado enquanto a sua condenação não transitar em julgado (não caber qualquer recurso).

Ora, qualquer estudante de Direito e até mesmo as pessoas leigas na área jurídica percebem que os nossos tribunais estão cinicamente fingindo que tais normas legais não existem. Eles não têm como declarar inconstitucionais estas regras processuais, então, as “apagam de seus códigos” !!!

Tudo isto é muito torpe. Pessoas estão presas ilegalmente. Está faltando honestidade intelectual em nosso sistema de justiça criminal.

O Direito não é o que queremos que ele seja; o Direito é o que foi positivado pelo legislador. Está faltando “espírito democrático” em nosso sistema de justiça criminal.

Assim, fico perplexo ao notar que estas pessoas não sentem vergonha em desrespeitar tão flagrantemente o nosso ordenamento jurídico. Sinto vergonha de viver em um país onde as pessoas abraçam posições (in)jurídicas tão cínicas.

Como dizer para os meus alunos, em sala de aula, que eles devem acreditar no Direito, que eles devem confiar naqueles que atuam no sistema de justiça criminal??? Como justificar tantas prisões ilegais perante estes alunos???

Ainda bem que estou próximo da minha aposentadoria no magistério. Depois de mais de 38 anos lecionando Direito Processual, tenho de reconhecer, com grande tristeza, que o nosso sistema de justiça está semelhante ao que existia na época da ditadura militar.

Talvez possamos dizer que, naquele deplorável momento, havia mais covardia do que cinismo. Nos dias de hoje, acho que há mais cinismo do que covardia.

 

2) PARCELAS EXPRESSIVAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO PODER JUDICIÁRIO ESTÃO FRAGILIZANDO O NOSSO JÁ COMBALIDO ESTADO DE DIREITO.

Através de "interpretações criativas" e supervalorização de meros indícios, o nosso sistema de justiça criminal está desrespeitando o princípio constitucional de que não há crime sem prévia definição legal.

Vale dizer, a garantia de reserva legal do Direito Penal está sendo desrespeitada na prática.

Em busca de indevida afirmação de poder, jovens membros do Ministério Público estão "à caça" de pessoas com relevância no cenário nacional a fim de encontrar frágeis e discutíveis motivos para processá-las. 

Exemplo disso tudo é a abusiva criminalização da política e o aberrante equívoco na concepção do chamado "dolo eventual". 

Desrespeitando a teoria do delito, eles buscam uma maior tipicidade penal em razão da gravidade da lesão causada por uma conduta culposa. Em outras palavras, é a gravidade do resultado da conduta que acaba determinando a sua tipicidade penal !!!

Cada vez mais se torna necessária uma melhor formação jurídica, cultural e humanista destes protagonistas do nosso sistema de justiça criminal.

QUEREMOS MAIS LEGALIDADE E MENOS ATIVISMO PUNITIVISTA OU IDEOLÓGICO.

 

 

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