Por um Direito Fundamental ao Presente: a formulação de uma cidade estética-sustentável

15/03/2018

Na Pós-modernidade[1], as relações humanas gradualmente se dissolvem, a tecnologia e os softwares se desenvolvem constantemente, uma estética do prazer sem limites formaliza-se nos anseios da Sociedade na era do Consumo. É preciso reverter essa imagem para outra que redimensione o significado do momento presente como o instante da fruição dos sentidos, das relações no seu ir e vir ecológico. Não há sentido em falar sobre Sustentabilidade no futuro sem que seja pela perpetuação do que se faz no presente.  

Nesta lógica, indaga-se a seguinte questão: há uma possibilidade de gerar uma conscientização estética para se efetivar a Ecologia da Cidade? Se a resposta para esta hipótese for positiva, então por que não reformular a concepção futurística desta necessidade vital para a nossa contemporaneidade vivenciada a cada manhã, por intermédio de nossas contínuas atitudes?

O artigo 2º do Estatuto da Cidade define como diretriz geral, a idealização de uma Política Urbana que possua em seus objetivos a garantia de uma Cidade Sustentável [...] para as presentes e futuras gerações, evidenciando-se desde já o inconteste Direito ao Presente[2]

Compreender, hoje, a Cidade como o espaço de todas as interações humanas e não humanas se torna uma tarefa mais complexa quanto entender a fundamentalidade do Meio Ambiente e seu devido resguardo nos moldes da Sustentabilidade[3]. Perceber a interligação entre esses temas torna-se fundamental para que se possa entender a Ecologia da Cidade e não simplesmente uma visão mais ambientalista como a Ecologia na Cidade.

No entanto, antes de se desenvolver as ideias deste tema, é necessário alertar a leitora e o leitor que a Estética[4] não reside apenas nas obras de arte. A vida, por si, é uma obra de arte. É nos diferentes lugares da cidade, nas esquinas com seus cafés, as academias de ginastica, os pubs, as praças que ocorre o desenvolvimento da socialidade[5]. Todos esses fatores sinalizam o caráter utópico da Estética como vetor de integração entre Homem e Natureza. Essa aproximação é o que se sintetiza como Estética da Convivência[6], um objetivo que favorece a compreensão sobre a Ecologia da Cidade.

A ideologia da Estética, ao contrário, não compreende o seu caráter axiológico como forma de se mitigar os conflitos humanos. Ao contrário, a imagem produzida não se refere aos graus de sensibilidade, tampouco à agradabilidade promovida por sua manifestação. Nessa linha de pensamento, tem-se apenas a imagem pela imagem, ou seja, o caráter mercantil ou utilitário da imagem que vende o prazer, vende a “consciência ética” dos produtos, lugares e serviços com o adjetivo “verde”. Essa, contudo, é as mil faces desta engrenagem que movimenta as relações humanas chamado de Capitalismo.

Nesse caso, a real relevância da tutela do Meio Ambiente está pacificado na compreensão dos pesquisadores e autoridades na temática que ‘’[...] a necessidade de conciliar desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente está de forma adequada expressa no conceito de desenvolvimento sustentável[7]’’, ou seja, vincular esse progresso tecnológico iminente a concepção de proteção dos recursos indispensáveis verifica-se ser evidentemente preciso, o que nem sempre sugere compatibilidade ideológicas e utópicas. O Desenvolvimento Sustentável ainda não reconhece a sua matriz de significalidade chamada Sustentabilidade. Por esse motivo, tanto a Ecologia da Cidade quanto a formulação de uma Estética da Convivência tem serias dificuldades de se tornarem fatos de nossa realidade porque impedem a aquisição e a produção do lucro sem limites exigidos pelas leis do mercado.   

Entretanto, aliando esta lógica a visão urbana do Meio Ambiente, tem-se que o cenário urbano tem sido modificado constantemente a satisfazer as idiossincrasias egoísticas, tanto do capitalismo artístico e estético, como também dos seus atores centrais e figurantes manipulados, transformando o Homo Sapiens em Homo Aestheticus, qual seja, aquele que se alimenta dos prazeres nobres para sua contínua satisfação pessoal, não se satisfazendo.

Esse Homo Aestheticus, contudo, tem duas faces. O descrito no paragrafo anterior é aqueles que se movimenta a partir de seus próprios desejos. Não importa o significado axiológico da Estética. O que importa, nesse caso, é satisfazer, permanentemente, tudo o que se manifesta como necessidade (fisiológica, psíquica, sensitiva, cognitiva) imediata. A racionalidade desse Homo Aestheticus é puramente instrumental, utilitária. Por outro lado, o Homo Aestheticus que aprecia a sensação da vida como obra de arte e orientado pela Razão Sensível. É a partir dessa condição que a Estética da Convivência se torna uma utopia, naquela contra-atitude que transforma a realidade.

No entanto, a Ecologia da Cidade e seu significado estético cedem espaço para a mercantilização do cotidiano. Os espaços urbanos não se tornam caminhos de encontros, mas de segregação, de exposição de venda. O grande mercado oferece tudo e todos por um preço. Dessa forma, Lipovetsky e Serroy[8], descrevem pontualmente a realidade da cidade pós-moderna. Pasmem: em 1944, os autores já previram a realidade de nosso contexto urbano, apontando que:

O comércio não remodela apenas as arquiteturas, revitaliza os centros das cidades e os antigos bairros populares. Presentemente, as grandes marcas internacionais (McDonald’s, Starbucks, Nike, Zara, Virgin, H&M) dinamizam mais os bairros do que degradam as cidades. E o enobrecimento contemporâneo dos centros das cidades não significa unicamente um processo de reabilitação de casas e bairros populares e o ‘’aburguesamento’’ destes, mas também novas paisagens urbanas [...] de novas populações que vêm consumir num ambiente atrativo e da moda.

Na percepção dos autores, a cidade remodela-se a satisfazer os aparentes interesses sociais da Sociedade, indiretamente conduzindo-os ao consumismo desenfreado. A estética do consumo é evidenciada de duas formas: cidades-museus e cidades-shoppings. Extraem-se claramente desta lógica o modelo europeu e o norte-americano, sendo que no primeiro, as pessoas são conduzidas pela arte e pelo encanto turístico, já no segundo, a busca pela tecnologia, a informação e a publicidade em telões brilhantes e gigantescos atraem os consumidores de forma alarmante, sendo que:

Por um lado, o capitalismo artístico cria muitos pontos de venda inovadores e estéticos por outro, produz em grande escala fealdade arquitetônica e vazio urbano, arquiteturas comerciais pobres, uniformes, totalmente submissas às exigências dos distribuidores[9].

Embora possa-se pensar que os benefícios desta modernidade se figuram como exclusivos, igualmente aponta-se que a museificação das relações urbanas exclui as camadas inferiores para os subúrbios, a tão dita segregação social[10]. A Sustentabilidade Social e Ambiental/Natural entra em colapso com o almejado progresso estético-arquitetônico das satisfações humanas.

Sob o ângulo dos valores fundamentais, há de se perceber que a igualdade neste ponto se encontra em desarmonia com a concepção de um bem-estar comum, por esse motivo, afirma-se: os benefícios do progresso devem alcançar a todos os seres que habitam os entornos urbanos. Para que se efetive os princípios jurídicos basilares da Sustentabilidade, de um autentico Direito à Sustentabilidade, as suas categorias essenciais, quais sejam, a Fraternidade e a Ecologia, devem esclarecer o que precisa ser repensado para se viver o cotidiano das cidades como um momento presente estético que se desvela nos seus pequenos detalhes de relação entre o Homem e a Natureza.

 

[1] “A pós modernidade é, por isso, como um movimento intelectual, a critica da modernidade, a consciência da necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da história e da quebra de grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capazes de ir além dos horizontes fixados pelos discursos da modernidade”. BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 146. 

[2] BRASIL. Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 14 mar. 2018.

[3] Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida, a sociedade e a vida humana, visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que os bens e serviços naturais sejam mantidos enriquecidos em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução”. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é: o que não é. Rio de Janeiro: Vozes, 2013, p. 107.

[4] “[...] é preciso investir na possibilidade de projeção estética no conviver, algo que pode significar aos homens um mínimo de auto- respeito e de reconhecimento recíproco da dignidade de cada um, no relacionamento entre si e de todos com a Natureza”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1994, p. 63.

[5] “[...] A socialidade é a capacidade de convivência, mas também de participar da construção de uma sociedade justa, na qual os cidadãos possam desenvolver as suas qualidades e adquirir virtudes”. CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. Tradução de Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 2005, p. 37. 


[6] “[...] O que chamamos de estetização da convivência é fenômeno que só se torna sensível, ou seja, algo que só pode tornar-se perceptível como atributo de beleza, quando, ao invés da tentativa amoral de justificar-se pelo delírio de uma ideologia qualquer, se fundamente naquilo que o homem consegue deixar de mais sublime na sua passagem por este Planeta, que é o seu consciente procedimento ético”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 63.

[7] BOSSELMANN, Klaus. Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. p. 96

[8] LIPOVETSKY Gilles, SERROY Jean. O Capitalismo Estético na Era da Globalização. Tradução: Luís Filipe Sarmento. Coleção: Extra Coleção. Editora: Edições 70, 2014. Título original: L’Esthétisation du monde. p. 366-367.

[9] LIPOVETSKY Gilles, SERROY Jean. O Capitalismo Estético na Era da Globalização. p. 368.

[10] LIPOVETSKY Gilles, SERROY Jean. O Capitalismo Estético na Era da Globalização. p. 375. 

 

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