Por um 2016 cheio de...provocações

18/12/2015

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino - 18/12/2015

Caras leitoras e leitores, se vocês me permitirem não irei elaborar, nessa semana, uma coluna com assuntos técnicos, mas trarei algumas reflexões pessoais nesse momento de final de ano as quais acredito ser necessárias para tornar mais evidentes as utopias carregadas de esperança.

O título, como se observa, é uma homenagem ao ator e diretor brasileiro Antonio Abujamra, o qual, durante anos, gravou na TV Cultura o programa intitulado Provocações. Nesse espaço, Abujamra permitia questionar as pessoas com perguntas que provocavam alguma reflexão mais profunda acerca de questões que permeiam o imaginário social.

Por esse motivo, eu pergunto a todos, especialmente àqueles que lidam com o universo do Direito, quais são as principais provocações que te permitiram um esclarecimento, positivo ou negativo, acerca da sua vida cotidiana? Qual evento criou em vocês um certo mal-estar, uma angústia a qual desencadeou um agir para si ou para outra pessoa? Numa perspectiva mais radical, vou adiante: você teve um momento de genuína provocação?

A resposta, possivelmente, não aparecerá de modo imediato, como desejariam algumas pessoas. Essa é uma condição que frustra porque demonstra a nossa incapacidade de lidar com o desconhecido. A provocação deve ser extirpada de nossas vidas, pois nada se apresenta de útil para a melhoria dessa condição e natureza humana. É um autêntico horror. No entanto, verifico como as provocações - esse templo de idolatria à dúvida, já sempre expressava Abujamra - que assegura nossa perene humanização.

De modo paradoxal, vejam: o mundo vivenciou uma pluralidade de provocações, especialmente no campo do Direito, que oportunizaram a revisão das diferentes formas de pensar e agir no globo. O mundo e as pessoas se provocam, continuamente, porém, principalmente na dimensão humana, nem sempre a existência da provocação segue a terceira lei de Newton: ação e reação.

Por medo ou indiferença as mazelas que ocorrem contra os seres humanos ou o mundo natural se tornam normais. Esse é um fenômeno grave que aniquila qualquer forma de intervenção vinda de nossas esperanças. No mundo do Direito, tudo o que é considerado indispensável, salutar para a promoção da Dignidade, da Responsabilidade se torna, diria Platão, um nome vazio.

As respostas nem sempre serão técnicas porque são limitadas. O caminho apresentado por essa perspectiva é mais cômodo, rápido, seguro, raciona, porém nem todos os conflitos humanos detém essa característica. Falta, nesse momento, especialmente ao Jurista reconhecer as manifestações da Consciência Jurídica[1] como espaços próprios para se desenvolver, mais e mais, o Vitalismo Jurígeno[2].

Num mundo repleto de agonias, de profunda – e enraizada – desumanização, de eliminação do Outro pelos mecanismos considerados legítimos e legais - como a Economia, a Legislação, a Burocracia, entre outros – urge uma necessária políticas de choques[3] causadas pelas diferentes provocações que o viver e conviver reivindicam diariamente. Não é possível que nossos ouvidos sejam tão seletivos a ponto de ignorar tantas vozes – latentes ou manifestas – as quais imploram por nossa presença, por nossa atitude, por nossa cumplicidade diante das dores, humilhações, omissões e privações causadas por todos contra tudo neste mundo.

Tudo nos provoca. A pluralidade de provocações exalta, excita, questiona, cria dúvidas, traz a fatiga, demonstra a incompletude e a impotência humana. Somos como o personagem Ulisses, descrito na Odisséia de Homero: nesse oceano de provocações, há algo que nos oportuniza esclarecimento e se tornará o mastro que nos amarraremos a fim de sobreviver as intemperes do tempo, especialmente nesses momentos de transição histórica.

Por esse motivo, a advertência de Nietzsche[4] parece oportuna: “Se todas as esmolas fossem dadas por compaixão, todos os mendigos do mundo estariam mortos”. Dito de outro modo: as provocações são o bálsamo de revitalização de nossas almas contra tudo aquilo que empobrece, embrutece e petrifica a sensibilidade humana – inclusive a jurídica – diante das misérias de nosso cotidiano. A sua intensidade trará cansaço, frustrações, indagações, mas jamais se perderá o brilho do devir tornado “de carne e osso” nas esperanças e utopias.

Toda provocação causa, sim, sensação de estranheza que nos move para algo ou alguém. Ao se adotar, por exemplo, o sentido literal da palavra Filosofia, qual seja, “amigo da sabedoria”, percebe-se que ao se sentir provocado -  especialmente pelas pessoas ao nosso redor, sejam as mais próximas ou distantes – todos se tornam filósofos, todos provocam, todos trazem saudáveis indignações, todos mostram nossos limites pessoais, todos mostram as virtudes e vícios de nossa humanidade.

Eis a afirmação de Morin[5]: “Meus filósofos me ajudaram a sentir religado a todos os domínios da vida e do conhecimento, a rejeitar o que rejeita, a cultivar um sentimento infinito de solidariedade: o que o Tao denomina o espírito do vale que ‘recebe em si todas as águas’. Meu caminho espiritual é uma aventura [...], na qual realizei minha busca subjetiva originária de verdade, uma busca em todos os domínios, e, a partir delas, uma busca de mim mesmo”.

Esses serão os sintomas de cenários mais otimistas, ou, para outros, de nossa “salvação”? Sinceramente: não sei. O que, no entanto, faz com a minha perseverança seja mais otimista, de acreditar na força que modifica o presente pela ação humana é a insistência de compreender o que é essa maldição chamada condição humana nesse espírito do tempo o qual transita, ora como brisa, ora como ventania. Eis a nossa sina, a nossa eterna provocação a qual Beethoven[6], de um lado, soube traduzir de modo impecável pela linguagem da Música e, Fernando Pessoa, de outro, soube traduzir pela melodia poética, declamada por Antonio Abujamra.

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Notas e Referências:

[1] “Aspecto da Consciência Coletiva [...] que se apresenta como produto cultural de um amplo processo de experiências sociais e de influência de discursos éticos, religiosos, etc., assimilados e compartilhados. Manifesta-se através de Representações Jurídicas e de Juízos de Valor”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: Editora da OAB/SC, 2000, p. 22. Grifos originais da obra em estudo.

[2] “O indivíduo na vida social, concebe, por energia própria, um princípio vital que é capaz de equilibrar o diferencial da sua relação com o outro, fecundando a vida e possibilitando o Direito. É o Vitalismo (para usar uma expressão oitocentista, mas no sentido bergsoniano) Jurídico, ou, melhor conceituando, o vitalismo jurígeno, que cria e produz um Direito da vida, em que se baseia toda a ordem jurídica e que desenvolve uma dinâmica que possibilita o funcionamento do processo judiciário”. LONGO, Adão. O direito de ser humano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 9.

[3] “Já que ficou a moda da política dos ‘choques’, proporemos então alguns. O primeiro é o choque do parar. Vamos parar para pensar, e para sentir. O segundo – inspirado na prevenção rodoviária ainda – é escutar e ver. Escutar os outros e escutar-se a si mesmo. E ver o que está em volta, e ver-se no espelho. As coisas podem não estar, para todos, um mar de rosas. Mas – aí o terceiro choque – tudo será melhor se, em vez de intrigarmos, remoermos, criticarmos sem avançarmos propostas construtivas, começarmos a consertar as coisas: começando pelo nosso canteiro. Começando por nós”. CUNHA, Paulo Ferreira. Constituição, crise e cidadania. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 79.

[4] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O viajante e sua sombra. Tradução de Antonio Carlos Braga e Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, 2007, p. 118.

[5] MORIN, Edgar. Meus filósofos. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2013, p. 18.

[6] “Beethoven me encanta por sua maneira de assumir inteiramente o sofrimento e o infortúnio com uma força avassaladora, para depois buscar a alegria. [...] O mundo é ao mesmo tempo maravilhoso e horrível. O encantamento nasce do horrível e, em contrapartida, nos alivia dele e nos permite encarar o horror de frente”. MORIN, Edgar. Meus filósofos. p. 167.


. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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