Por que e como começar a escrever

06/10/2018

 

Escrever é uma forma importante de manifestação, de ocupação de espaços de fala, da importante interpretação e divulgação do olhar feminino em relação a todas as questões, desde as mais simples às mais complexas. Muitas mulheres possuem vontade de escrever e mesmo possuindo total capacidade para fazê-lo, acabam não conseguindo por diversos motivos, dentre os principais, por insegurança, excesso de perfeccionismo e o medo. A intenção do texto é trazer ferramentas para que as mulheres consigam superar essas barreiras, abrindo caminho para o surgimento de novas escritoras.

A insegurança. Esse sentimento, muito comum a todas, se revela de forma inconsciente minando a confiança necessária para ir adiante com seus escritos. Sem que se perceba algo lhe convence que você não tem condições de apresentar um trabalho suficientemente interessante e você acaba desistindo. Como lidar com ela?

Comece sempre escrevendo sobre algo que você conheça bem, algo próximo ao seu dia-a-dia. Por mais simples que você possa imaginar que seja o seu conhecimento, alguém não o detém e com certeza ele pode ser útil para outras pessoas. Portanto, escreva! Comece contando fatos concretos e posteriormente, você terá condições de criar teorias, descrever situações de maneira mais abstrata, propor conjecturas mais elaboradas.

Um segredo importante é que ninguém consegue escrever (algo bom) se não tiver o mínimo de conhecimento sobre o assunto. Então se você precisa escrever um trabalho científico, uma redação, um artigo, etc., leia o máximo possível a respeito do tema que lhe foi proposto. Da construção dessa base de pesquisa você conseguirá extrair subsídios para elaborar um pensamento crítico, desenvolvendo as ideias que precisa para produzir um texto de qualidade.

Escrever não é diferente de nenhuma outra experiência que vivenciamos em nossas vidas. Tudo começa de forma simples e vamos nos aperfeiçoando com a prática. O grande problema de dar ouvidos à insegurança é que ela sabota justamente essa a coragem necessária para começar. É preciso entender e aceitar que no início é natural haver falhas, mas elas serão sanadas a cada novo texto. É um processo de aprendizado. Permita-se.

O excesso de perfeccionismo faz você não conseguir concluir seu texto. Você escreve, revisa, apaga. Começa de novo, escreve, revisa, apaga. Nunca está bom o suficiente, sempre “pode melhorar um pouco mais” e assim o tempo vai passando e as ideias vão ficando acumuladas na “gaveta” (hoje nos arquivos do computador) indefinidamente. Como vencer o excesso de perfeccionismo?

Esperar que algo fique perfeito é aguardar pelo impossível. Os textos ficam bons, de qualidade, elogiáveis, mas o perfeito é algo inalcançável. Existe uma distância enorme entre a displicência, ser relapso com seu trabalho e buscar a perfeição em um nível que torne inviável a execução de qualquer projeto. Como dizia Aristóteles a prudência está no meio termo.

Vivemos em uma sociedade do excesso, tudo tem que ser muito. Nós precisamos ser excelentes, menos que isso, aparentemente seremos taxados como medíocres. Nos cobramos uma perfeição surreal, no sentido estrito do termo. Resultado: a depressão é o mal do século. Pessoas infelizes, doentes, se achando incapazes por acreditarem que não são bons o suficiente em nada.

Para escrever é preciso mudar esse paradigma. Grandes autores do passado são lembrados até hoje e nem por isso suas obras são perfeitas, nem eles eram perfeitos. Uma ideia central bem colocada é o necessário para tornar o seu texto algo que valha ser lido. Acreditar que a cada parágrafo você precisa se superar trazendo informações extremamente eloquentes, é o caminho para não conseguir escrever nada.

A dica é escrever tudo que lhe vier a mente. Sem voltar atrás e revisar no mesmo momento que você está escrevendo. Não importa se as ideias ficarem desconexas num primeiro momento. Escreva. Dê um intervalo para o seu cérebro descansar até reler o que você escreveu, de preferência veja só no dia seguinte. Faça uma cópia do texto e vá alterando a cópia - não apague o original! Por que? É extremamente comum que você tenha escrito algo no final que fique melhor na introdução, algo no meio que está mais com jeito de conclusão. Se você for lendo e apagando porque as ideias estão fora de ordem você acabará sem texto nenhum.

Com o texto organizado acerte as falhas de gramática, se você for mesmo muito perfeccionista encaminhe para alguém de sua confiança ler para se sentir mais seguro. Se for algo simples para uma publicação ocasional, revise essas duas ou três vezes e estará em condições de ser publicado. Se se tratar de um texto científico, uma monografia, dissertação, tese, é comum revisar incontáveis vezes, até por conta do nível de exigência externo ser bem maior.

A questão é, o perfeccionismo não pode ser desculpa para você não conseguir terminar de escrever nada nunca. Observe se você tem esse perfil e estabeleça acordos com você, “vou revisar duas vezes e como estiver estará pronto”. Seja honesto com você e cumpra o combinado.

Por fim, o medo, que é algo natural, felizmente nós temos medo, senão nos faltaria o bom senso necessário para avaliar com cuidado as nossas atitudes. Mas, esse sentimento não pode ser um fator impeditivo para que você deixe de publicar algo que escreveu. Sempre existirão críticas, isso é absolutamente normal e quem se expõe, quem tem coragem de colocar suas ideias precisa saber que alguns irão concordar e outros discordar, mas as divergências não o(a) desqualificarão como autor(a).

Por vezes um texto pode ser bastante criticado, mas ainda assim alcançar um objetivo importante que é fazer as pessoas refletirem para construírem argumentos a fim de contrapor a tese apresentada no escrito. Obviamente, ninguém quer ser criticado, mas lembre-se, autores muito importantes foram severamente criticados, incompreendidos em seu tempo, mas passaram para a história justamente por trazerem pontos de vista inovadores que não se adaptavam a sua época. Não é porque você recebe críticas, que estará de fato equivocado em sua forma de pensar.

O segredo de vencer o medo é escrever e publicar, apesar do medo das críticas, que invariavelmente irão existir. É melhor escrever e ser criticado do que não escrever por medo de ser criticado. Se você estudou sobre o tema, se você tem certeza de suas convicções, escreva. Se arrisque. O máximo que pode acontecer é você mudar de ideia posteriormente e reconhecer que se equivocou.

Dois grandes autores jurídicos, Hans Kelsen e Joaquim-José Gomes Canotilho, voltaram atrás em suas teorias, escreveram em um sentido e posteriormente, disseram que não acreditavam mais que os fenômenos se davam como eles haviam descrito. Teorias importantíssimas que serviram de referência para diversos outros autores de peso. Foi um enorme baque no mundo acadêmico a mudança de posicionamento dos dois. Eles foram bastante criticados, principalmente por seus seguidores, mas de forma muito corajosa e destemida reconheceram a mudança do seu pensamento. Essa postura os tornou ainda mais importantes, justamente por sua honestidade acadêmica.

Encerro o texto comentando a respeito de um fator agravante em relação a dificuldade das mulheres para desenvolverem a produção textual, a chamada “síndrome da impostora”. Essa síndrome foi identificada em mulheres que mesmo sendo reconhecidas por seu talento e alta qualificação profissional, não se veem dessa maneira. Em seu íntimo acreditam que estão apenas conseguindo “enganar” as pessoas, mas que na verdade não são realmente boas no que fazem.

A explicação para esse desvio de identificação da auto-imagem se encontra na forma como as meninas são tratadas desde pequenas. Somos sempre descritas em brincadeiras como bobinhas, tontas; piadas menosprezam nossa capacidade intelectual, nossa inteligência, etc. Uma pesquisa internacional entrevistou meninas de até seis anos de idade sobre sua percepção a respeito do mundo, o resultado apontou que elas já acreditam, já nessa tenra idade, que os meninos são mais espertos do que elas. Os nossos sonhos em certa medida já nos são tolhidos desde a infância.

Por conta disso é tão importante que as mulheres escrevam, que se arrisquem, que ousem, que falem, que ocupem espaços. Escrever é um ato de coragem, é transgredir essa estrutura machista que nos aprisiona desde pequenas. É desfazer as amarras. Escrever é uma forma de desmentir as piadas, as brincadeiras, tudo aquilo que nos depreciou e subestimou ao longo da vida.

Desejo muita força e coragem para todxs vocês! Escrevam!

 

 

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