Por que banir o uso de celulares nas escolas?

19/11/2024

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Fernando Albuquerque, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

Nos últimos anos, a discussão sobre o uso de celulares nas escolas tem se intensificado, especialmente em função de seus impactos no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Ainda que a tecnologia seja uma importante aliada em muitas áreas, inclusive na educação, a presença excessiva de celulares em sala de aula tem gerado preocupações tanto entre educadores quanto entre especialistas em desenvolvimento infantil.

Diversos estudos e especialistas vêm apontando para a necessidade de regular ou até banir o uso de dispositivos eletrônicos no ambiente escolar. Entre os principais argumentos estão a queda do aprendizado, dificuldade no sono, queda no rendimento escolar e o aumento da ansiedade entre outros problemas de saúde mental.

Dessa forma, exploraremos alguns dos diferentes fatores do uso de celulares e afins nas escolas, além de analisar o plano do governo federal que está sendo discutido em consultas públicas com o intuito de ouvir especialistas, educadores, pais e alunos sobre a melhor forma de lidar com a questão.

 

Geração ansiosa

O uso excessivo de dispositivos móveis tem contribuído para o aumento de casos de ansiedade entre crianças e adolescentes (A Geração Ansiosa, 2024). A constante exposição às redes sociais e o medo de estar "desconectado" criam um ciclo vicioso de ansiedade. A presença do celular na escola intensifica esses sentimentos, prejudicando o bem-estar emocional dos alunos e sua capacidade de focar nas atividades educacionais.

Isso se dá, conforme aponta uma série de pesquisas ao redor do mundo, em um movimento de alerta de especialistas que ganhou grande dimensões com o livro “A Geração Ansiosa”, recém-lançado nos Estados Unidos e publicado no Brasil este ano.

Nele, o psicólogo social Jonathan Haidt (2024), minerando os dados científicos a respeito, propõe mudanças urgentes, com um corte radical no acesso a smartphones e redes sociais.

Orienta o autor que a utilização de redes sociais só deveria se dar depois dos 16 anos, devido aos altos índices de ansiedade e doenças mentais de forma prematura entre os jovens americanos. Os brasileiros não ficam tão distantes dessas realidades, assim como noticia a página do Senado Federal:

Pela primeira vez, a ansiedade entre crianças e jovens superou os índices observados entre adultos em nosso país. “Em 2023, a taxa de jovens de 10 a 14 anos atendidos por transtornos de ansiedade atingiu 125,8 a cada 100 mil; e, entre adolescentes, 157 a cada 100 mil.” [Da Agência Senado | 19/08/2024. Fonte: Agência Senado]

Queda de aprendizado escolar

Estudos indicam que o uso constante do celular durante as aulas está diretamente relacionado à queda no rendimento escolar (PISA) de 2022. A atenção dividida entre o conteúdo educacional e as distrações dos dispositivos móveis prejudica a assimilação do conhecimento e dificulta o progresso acadêmico. Além disso, o celular facilita a prática de "cola" e outras formas de trapaça, o que compromete o processo de aprendizado.

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) de 2022, indicam que o uso excessivo de celulares prejudica a capacidade dos alunos de se concentrarem nas aulas. A pesquisa mostrou uma correlação negativa entre o uso desses dispositivos e o desempenho acadêmico.

A proibição do celular nas escolas tem potencial de melhorar significativamente o foco e a concentração dos alunos. Sem a distração constante das notificações e redes sociais, os estudantes podem se dedicar de maneira mais efetiva às atividades educacionais, aprimorando sua capacidade de aprendizado e desempenho acadêmico.

Há, contudo, professores que defendem a ideia de regulamentação, uma vez que a proibição causa estranheza ao processo pedagógico, tendo em vista que a escola é, essencialmente, um lugar de experimentação. O ideal seria encontrar um equilíbrio.

 

Saúde mental e comportamento

O uso abusivo de celulares também tem sido associado ao desenvolvimento de doenças mentais, como depressão e transtornos de ansiedade. A constante comparação com padrões irreais nas redes sociais, o cyberbullying e o isolamento social são fatores agravados pelo uso descontrolado desses dispositivos. Nas escolas, isso se reflete em um aumento significativo de casos de alunos com problemas emocionais e comportamentais.

Educadores alertam que o uso indisciplinado de smartphones tem contribuído para problemas como antissociabilidade, agressividade e até dependência tecnológica entre os estudantes. Muitos alunos apresentam crises de abstinência quando afastados dos celulares, resultando em comportamentos mais agitados, impacientes e até mesmo agressivos.

A expressão "mini burnout" tem ganhado espaço e pode ser utilizada para descrever o esgotamento precoce que as crianças estão enfrentando devido à sobrecarga de informações e a constante conexão digital. O excesso de estímulos provocado pelo celular, associado com a pressão por desempenho acadêmico, leva à exaustão mental, afetando o desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças.

 

Plano do governo federal

A proposta de banir o uso de celulares nas escolas está sendo discutida no Brasil, através do Ministério da Educação (MEC) o qual, por meio de um projeto de lei, visa restringir o uso desses dispositivos a partir de outubro. Essa iniciativa é uma ação, entre outras medidas, que tem como objetivo reduzir a utilização excessiva de telas entre crianças e adolescentes e melhorar a atenção dos alunos durante as aulas.

O debate sobre a regulamentação do uso de celulares nas escolas já chegou ao plano do governo federal, que abriu consultas públicas para discutir o tema. Essas consultas têm a finalidade de ouvir especialistas, educadores, pais, alunos, organizações da sociedade civil e o setor privado sobre a melhor forma de lidar com a questão, buscando implementar uma política pública que contribua para a saúde mental e o aprendizado dos estudantes.

Neste sentido, entre 10 de outubro de 2023 e 07 de janeiro de 2024, o governo brasileiro iniciou uma consulta pública na plataforma “Participa + Brasil” para discutir a criação de um guia de uso consciente de dispositivos móveis por crianças e adolescentes, abrangendo o ambiente escolar. A consulta buscou reunir contribuições a fim de estabelecer diretrizes sobre o uso seguro e saudável de celulares e tablets.

A consulta pública foi realizada a partir de perguntas abertas elaboradas pela Secretaria de Políticas Digitais da SECOM-PR. As 602 contribuições foram sintetizadas em quatro eixos (riscos, oportunidades, direitos e bem-estar digital) e organizadas em quinze temas principais, dentre eles, telas e escolas, sobrecarga materna/familiar, dependência digital de adultos e desinformação. A consolidação das contribuições foi feita em parceria com a UNESCO, por meio de projeto de cooperação técnica com a SECOM-PR.

Vale ressaltar que o projeto de lei está na Câmara dos Deputados desde 2015, mas voltou a ser debatido quando o MEC anunciou novas medidas para a proibição dos aparelhos no mês setembro/2024.

O projeto em questão promete ser rigoroso, devido a proibição de celulares não apenas dentro da sala de aula, mas também no recreio e intervalos para todas as séries presentes na escola. A ideia é fazer com que os dispositivos sejam usados apenas para fins pedagógicos e didáticos. O voto do relator destaca a importância do projeto, pois seu principal objetivo é proteger e prevenir que crianças e adolescentes desenvolvam problemas sociais e psicológicos.

A preocupação com o tema e o debate sobre a proibição do uso de celulares nas escolas não é exclusivo do Brasil. Vários outros países como França, Estados Unidos, Espanha, Finlândia, Holanda, Suíça, México, Grécia e outros já implementaram restrições ao uso. A França, por exemplo, proíbe o uso para estudantes com menos de 15 anos desde 2018. A Unesco também tem defendido a proibição global, citando os impactos negativos na aprendizagem.

 

Considerações Finais

A discussão sobre a proibição do uso de celulares nas escolas envolve não apenas preocupações sobre distrações e desempenho acadêmico, mas também questões relacionadas à saúde mental e ao desenvolvimento social de crianças e adolescentes. Embora haja apoio significativo entre educadores para essa medida, também existem desafios logísticos e pedagógicos que precisam ser considerados para garantir que a implementação seja eficaz e benéfica para todos os envolvidos.

O educador e cientista político Daniel Cara não tem dúvidas de que o uso excessivo dos celulares prejudica a aprendizagem, mas vê dificuldades práticas para a implementação, uma vez que a escola não tem como se responsabilizar em guardar esses telefones e nem como fiscalizar a entrada do mesmo. Uma vez que, conhecemos as dificuldades e precariedade das escolas públicas do país. (Veja, 2024)

Embora a legislação busque limitar o uso de celulares nas escolas, cabe às famílias desempenhar um papel ativo na educação digital das crianças e adolescentes. A escola sozinha não consegue garantir que o uso responsável da tecnologia se estenda ao ambiente familiar. Pais e responsáveis devem estabelecer limites claros, monitorar o uso de dispositivos em casa e dialogar com os filhos sobre os impactos positivos e negativos do uso excessivo de celulares. Esse envolvimento familiar ajudará nas diretrizes escolares, como também na formação de cidadãos digitais conscientes e equilibrados.

Apesar dos desafios que o uso de celulares impõe às escolas, é importante reconhecer o potencial da tecnologia como uma aliada no processo educacional. As ferramentas digitais, quando bem direcionadas, podem enriquecer o aprendizado, ampliar o acesso à informação e promover o desenvolvimento de habilidades. No entanto, integrar a tecnologia à educação exige que professores e gestores estejam preparados para utilizá-la de forma pedagógica e garantir que ela cumpra com seu papel de apoio ao aprendizado e não de distrações.

Por fim, acredita-se que será um grande desafio, mas vê-se necessário adotar uma medida para restringir ou equilibrar esse uso para prevenir outros fatores que podem prejudicar a educação e o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes.

 

Notas e referências:

AGÊNCIA DO SENADO. Paim alerta para crise de saúde mental entre jovens. Senado Federal, 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/08/19/paim-alerta-para-crise-de-saude-mental-entre-jovens. Acesso em: 27 de outubro de 2024.

AGÊNCIA O GLOBO. MEC prepara projeto para banir uso de celulares nas escolas a partir de outubro. Exame, 2024. Disponível em: https://exame.com/brasil/mec-prepara-projeto-para-banir-uso-de-celulares-nas-escolas-a-partir-de-outubro/. Acesso em: 27 de outubro de 2024.

BASILIO, Ana Luiza. Celulares nas escolas: o que dizem especialistas sobre a proibição anunciada pelo MEC. Carta Capital, 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/celulares-nas-escolas-o-que-dizem-especialistas-sobre-a-proibicao-anunciada-pelo-mec/. Acesso em: 27 de outubro de 2024.

CONSULTA PÚBLICA. Governo lança consulta pública sobre uso de dispositivos digitais por crianças e adolescentes. Gov.br, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2023/10/governo-lanca-consulta-publica-sobre-uso-de-dispositivos-digitais-por-criancas-e-adolescentes. Acesso em: 27 de outubro de 2024.

FELIX, Paula. Novos estudos revelam os graves impactos do uso de celulares por crianças. Veja, 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/saude/novos-estudos-revelam-os-graves-impactos-do-uso-de-celulares-por-criancas. Acesso em: 22 de outubro de 2024.

HAIDT, Jonathan. A Geração Ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais.  Editora: Companhia das Letras. Julho/2024.

PEDUZZI, Pedro. Educadores apoiam possível restrição ao uso de celulares nas escolas. Agência Brasil, 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2024-09/educadores-elogiam-possivel-restricao-ao-uso-de-celulares-nas-escolas. Acesso em: 22 de outubro de 2024.

SILVA, Rodrigo. Projeto de lei do MEC visa banir o uso de celulares nas escolas. Tudo Celular, 2024. Disponível em: https://www.tudocelular.com/tech/noticias/n226486/projeto-lei-mec-quer-banir-uso-celulares-escolas.html. Acesso em: 22 de outubro de 2024

PIMENTA, Victor Martins. Uso de telas por crianças e adolescentes. Gov.br, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/uso-de-telas-por-criancas-e-adolescentes. Acesso em: 27 de outubro de 2024.

POR REDAÇÃO. O que sabemos sobre o uso (e a proibição) de celular nas escolas. Provir Inovações em Educação, 2024. Disponível em: https://porvir.org/o-que-sabemos-sobre-o-uso-e-a-proibicao-de-celular-nas-escolas/. Acesso em: 27 de outubro de 2024.

 

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