POR QUE A RETICÊNCIA DE REVER A APLICAÇÃO DA REVELIA NAS AÇÕES TRABALHISTAS APÓS A LEI 13.467/2017?

01/12/2020

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

Este ensaio decorre de profundas discussões acadêmicas acerca da aplicação dos institutos da revelia e confissão, que diga-se de passagem, são absolutamente diversos, especialmente quanto às suas consequências.

Relatos de experiências ao longo dos anos, em que, a depender do tipo de audiência, se inaugural ou una, regressava com a defesa, por ausência de acordo, ou a apresentava e a instrução prosseguia. Não era incomum advogados elaborarem uma ou mais defesas, de mérito, negativas ou com matérias excludentes do vínculo laboral.

A sistemática processual trabalhista, gestada nos anos 40, partia da dinâmica de que era no momento da audiência em que se apresentava a defesa, bem como os documentos; tecnicamente estabilizava-se ali a demanda; nada de aditar-se pedidos sem anuência da parte adversa, portanto, uma vez recebida a defesa o contraditório encontrava suas primeiras luzes. O juiz perguntava se a outra parte gostaria de se manifestar e concedia prazo e, ato contínuo, a instrução iniciava-se.

Isso não é tirado de lugar algum, mas sim da CLT que prevê que a audiência é contínua (art. 849, CLT), e que não chegando-se ao acordo, o reclamado “terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes”. Expor isso para um aluno em sala de aula de graduação, quem leciona nesse campo sabe, é de um anacronismo tamanho, de difícil explanação, e evidencia que você está com idade bem superior ao ouvinte. “Como assim ‘vinte minutos’? Leitura da reclamação?” – olhares desafiadores permeados por incredulidade.

Pois bem. Ainda hoje, livros, atas de audiência, sentenças e acórdãos explanam que o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão ficta quanto à matéria de fato. Isso é o que consta no caput do art. 844 da CLT.

No processo do trabalho, quem deve comparecer à audiência marcada são autor e réu. O advogado aparentemente é um adendo, muito embora indispensável à administração da justiça (art. 133, CRFB/88); aparentemente, pois o processo trabalhista preserva o protagonismo das partes na solução do conflito trabalhista e para isso devem estar presentes. No entanto, é bom que por aquelas seja contratado; bom que seja valorizado; bom que esteja também presente.

Ora, o art. 844 da CLT, quando foi pensado sequer cotejava o costume de fracionamento das audiências trabalhistas utilizado nos dias de hoje. Já referimos acima: audiências contínuas, ao que se pode adicionar enquanto unas, únicas. Claro que havendo “motivo relevante”, expressão constante do antigo parágrafo único e atual parágrafo primeiro do dispositivo aludido, que determine sua sustação, aquelas poderiam ser designadas para momento posterior – tendo em vista a necessidade de se salvaguardar os direitos de caráter alimentar, como são os trabalhistas, o tempo vitima o desarrimado e, portanto, que se preservasse a unicidade.

Nesse contexto de pretensa unicidade de audiência, ausente o reclamado, independente de advogado comparecer para exercitar a defesa técnica, aplica-se a revelia e a confissão ficta; afinal, não podendo ser colhido o depoimento do réu consideram-se verdadeiros os fatos alegados pelo autor, podendo-se julgar antecipadamente o mérito da causa, e, ainda que cotejados outros elementos de prova, não se pode, com a ausência do demandado, colher a sua fala para contrastar o que está disposto na peça inicial.

No TRT da 2ª Região, poucos juízes inadmitiam a apresentação de defesa e documentos quando presente o advogado. O majoritário entendimento culminou com o reconhecimento em março de 2015, anterior a reforma trabalhista, da Tese Jurídica Prevalecente nº 1, do e. TRT da 2ª Região, que embora de caráter direcionador, demonstra sua coadunação com o princípio da busca da verdade real, dever do magistrado:

TESES JURÍDICAS PREVALECENTES

1 - Ausência da parte reclamada em audiência. Consequência processual. Confissão. (Res. TP nº 03/2015 - DOEletrônico 26/05/2015)

A presença de advogado munido de procuração revela animus de defesa que afasta a revelia. A ausência da parte reclamada à audiência na qual deveria apresentar defesa resulta apenas na sua confissão.

Hoje, consideramos isso lúdico, e até romântico. Torcer o nariz para a readequação propalada pela Lei 13.467, de 2017, no que tange a efetiva e quase sempre usual presença do advogado, e ignorar a existência do processo judicial eletrônico para arraigar-se a um dispositivo legal que sofre de abatimento e ancilosamento tão-somente para aplicar-se a revelia é o mesmo que apegar-se a um direito “não-vivo”. O que quero dizer com isso?

A Lei 13.467, de 2017 adiciona ao art. 844 um §5º que determina que, ainda que ausente o reclamado (e haja esforço para isso, pois tratando-se de pessoa jurídica o preposto pode ser qualquer um, nos termos do §3º do art. 843 da CLT), mas presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados. Some-se que a Lei 13.467, de 2017, adiciona ao art. 847 um §único, prevendo que a parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema do processo judicial eletrônico até a audiência.

Portanto, há que se perguntar que revelia é essa que se aplica, quando presente o advogado na audiência, com ou sem procuração nos atos urgentes (art. 104, CPC), não obstante a ausência do reclamado, sabendo-se que se faz juntada da contestação nos autos eletrônicos, até o momento de se apregoarem as partes a adentrarem na sala de audiência?

Fico a questionar a perda de oportunidade do legislador “reformista” em rever os termos do caput do art. 844 da CLT e torná-lo orgânico com o §5º. Pois, se assim desejou que, presente o advogado, não se desentranhasse a contestação (nem os documentos), como efetiva e maior defesa do réu, então a peça técnica não é um elemento qualquer para formação do convencimento do juízo, mas sim efetiva contestação. Pode parecer esquizofrenia da parte do autor do artigo, mas até onde se entende só há um conceito de contestação na ciência processual. Tragamos Humberto Theodoro Junior[1]: “Contestação, portanto, é o instrumento processual utilizado pelo réu para opor-se, formal ou materialmente, à pretensão deduzida em juízo pelo autor”.

Manter o advogado como um “nenhum-sujeito”, se presente à audiência, ainda que seja criticável a ausência do reclamado, e cominar-se a revelia, é desconhecer o próprio conceito do instituto, que é a ausência de contestação do réu, sendo ônus seu fazê-lo. E se o faz por intermédio de advogado constituído, de revelia não há que se reconhecer.

Reforcemos a exposição até aqui construída partindo do pressuposto da ausência do reclamado: como virou habitual, ora em audiência inicial, inaugural, ora em audiência una, não havendo acordo, é o momento de se “receber” a defesa. “Receber” é uma metáfora processual trabalhista: estando o advogado presente, juntada a contestação mediante processo judicial eletrônico, como ocorre nos últimos anos, exercido está o direito de defesa, de resistência à pretensão do autor. E nada mais. Ainda que não juntada a peça até aquele momento, o advogado estando presente poderá, inclusive, elaborar a defesa oral em vinte minutos, conforme caput do art. 847 da CLT. Negar-se essa possibilidade mediante a aplicação peremptória da revelia é violar os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CRFB/88) e do devido processo legal (art. 5º, LIV, CRFB/88). É o mesmo que afirmar que o caput do art. 847 da CLT de nada serve, ou de forma míope pensar que nos dias atuais os reclamados, em sua maioria, pessoas jurídicas, se utilizam de um cada vez mais inexistente jus postulandi (art. 791, caput, CLT).

Pelo que se expõe, e conforme a Lei 13.467/2017, a jurisprudência do TST afronta explicitamente a nova ordem; se há uma Súmula que deve sumir do cenário jurisprudencial consolidado do TST é a de número 122, que prevê em seus termos iniciais: “A reclamada, ausente à audiência em que deveria apresentar a defesa, é revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração (...)”.

Nada mais inadequado. Nada mais juridicamente incoerente.

Apesar do receio de grande parte da doutrina em apagar as letras de seus Manuais e Cursos, quando tratarem dos institutos “ausência do reclamado”, “presença do advogado”, “revelia” e “contestação”, diga-se que certo está Manoel Antônio Teixeira Filho[2] que vaticina que a solução adotada por alguns juízes de permitir a defesa pelo advogado presente, considerando, porém, os fatos alegados pelo reclamante como presumivelmente verdadeiros (confissão ficta do réu) “não é aceitável”, ainda mais, como alerta, que não é em audiência inicial que se colhe o depoimento pessoal das partes; confissão decorre de ausência de depoimento pessoal.

Revelia e confissão são institutos que não andam juntos, muito embora o caput do art. 844 creia nessa correlação.

Pense-se na audiência em prosseguimento, quando o réu, intimado na audiência inicial (“não-una”) para comparecer, sob o alerta da possibilidade de cominação da pena de confesso, não comparece, mas seu advogado sim.

Nesse ponto, andou bem o TST, na Súmula 74. A CLT não se utiliza do termo “em prosseguimento”, a prática forense assim o fez, que é a aquela que serve de campo para a instrução, para colheita de provas: depoimento pessoal das partes e oitiva de testemunhas, em principal. Prevê o item I da Súmula 74 do TST que: “Aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer a audiência em prosseguimento, na qual deveria depor”. Portanto, qualquer uma das partes pode vir a ser sancionada com a pena de confissão, basta não comparecer na audiência em que deve depor.

Que tal mais um argumento de que revelia e confissão não “andam” necessariamente unidas?

A Lei 13.467, de 2017, inclui ao art. 844, o §3º, incisos I a IV, que praticamente repete o art. 345 do CPC, indicando que a revelia, conquanto fato processual, não terá seu efeito primordial que leva à presunção relativa dos fatos alegados pelo autor quando haja pluralidade de réus um deles contestar a ação; tratar-se de demanda que envolve direitos indisponíveis; a petição não estiver acompanhada de instrumento considerado essencial para a prova do ato; e as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inverossímeis ou em contradição com as demais provas anexadas aos autos.

Por assim dizer, os julgadores devem conferir ao dispositivo celetista, quando na prática e na vivência dos corredores dos fóruns e Tribunais trabalhistas, um novo olhar, que propague uma aplicação do direito efetivamente consentânea com a Lei 13.467, de 2017, e que pare, inclusive, de dar ao advogado uma impressão de sujeito processual de “segunda ordem”.

 

Notas e Referências

[1] Curso de Direito Processual Civil, vol. I. 56.ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 789.

[2] O Processo do Trabalho e a Reforma Trabalhista: de acordo com as alterações introduzidas no processo do trabalho pela Lei n. 13.467/2017. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 271.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações

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