Por onde anda a Barbárie?

17/05/2019

 

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

No início do corrente ano, publiquei nessa coluna uma breve reflexão sob o título o Consumo em Tempo de Fascismo Social. No texto abordei como a retirada dos direitos trabalhistas refletia o fascismo social paraestatal em sua modalidade contratual e resultaria em recessão econômica, com redução dos índices de consumo necessários que necessita a engrenagem da estrutura desenvolvimentista. Infelizmente, sem surpresas, dito prognóstico ao Governo apresentou-se como correto, visto que estamos a mês e meio do fim do primeiro semestre e não houve nenhuma melhora nos indicadores econômicos, com o desemprego em números recordes[1].

Nesse momento, a narrativa do Governo Federal é que a economia irá florescer, mas se, e somente se, a reforma da previdência for aprovada. Parece-me uma barganha política, mesmo que se compreenda a importância do debate, em especial, quando se leva em conta os indicadores de envelhecimento populacional e suas respectivas taxas de contribuição. O presente texto, no entanto, não irá aprofundar verso sobre a reforma da previdência, mesmo que se reconheça a relevância desse debate. Isso porque outro tema também se avulta como primordial: a educação e seu respectivo Ministério.

A escolha de promover um texto sobre a gestão do Ministério da Educação decorre da possibilidade de sintetizar duas linhas do pensamento político que dão suporte ao Governo Federal. Essas duas linhas serão analisadas sobre uma perspectiva de Estado Democrático de Direito e são relacionados, em especial, a medidas propostas pelo Ministro Abraham Weintraub. Nesse sentido, vale destacar, antes de entrar nas linhas de pensamento político, que antes da entrada do ministro Ricardo Vélez Rodríguez e sua troca pelo ministro Abraham Weintrub, o qualificadíssimo Mozart Neves Ramos[2] foi convidado para ser ministro, mas foi vetado pela bancada evangélica e o Presidente da República optou por afirmar que a possível nomeação do Mozart era “fake news”[3].

A primeira linha de pensamento político é representada pela seguinte declaração do Ministro Abraham Weintraub, “Quando um comunista chegar para você com o papo ‘nhoim nhoim’, xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais”[4]. O pensamento crítico, de esquerda, existe quase o mesmo tempo que o pensamento liberal-capitalista, pois ambas compreensões de mundo surgem no período moderno, durante a revolução industrial. Ambos pensamentos possuem noções distintas e não raramente antagônicas da organização da sociedade e dividiram o globo durante a guerra-fria. No entanto, há necessidade de compreender-se duas questões relacionadas a essa primeira linha de pensamento político.

A primeira questão é que o pensamento crítico, de esquerda possui inúmeras variações, assim como a visão liberal-capitalista. Há uma tendência, assim, em reduzir uma imensa gramática de pensamento ao termo “comunista”, para logo em seguida, tornar as pessoas que possuem essa compreensão de mundo em inimigos. Essa operação de redução do pensamento antagônico, cristalizada na frase com as palavras comunista e xinga, não reconhece a historicidade humana e instiga o pensamento único, o ódio e o fascismo social[5].

A segunda questão consiste que o Estado Democrático de Direito constitui-se como um limitador tanto para a promoção de um Estado “Comunista” quanto ao capitalismo-liberal radical. Nesse sentido, a estrutura de Estado que se possui hoje protege, por exemplo, um dos dogmas mais antigos do capitalismo-liberal que é o direito de propriedade. No entanto, também o limita também a sua função social[6]. Dessa forma, não é permitido dentro do Estado Democrático de Direito tomar por violência a propriedade de outrem, assim como não é autorizado utilizar-se da propriedade para a exploração do trabalho em jornadas desumanas, análogas à escravidão.

Há, assim, atualmente um equilíbrio entre ambas visões de mundo, mesmo que muito se expresse sobre a cooptação contemporânea dos sistemas democráticos e, consequente, do Estado Democrático de Direito pelas instituições do capitalismo global. Situação essa que pode efetivamente estar ocorrendo, mas que ainda não acabou com o Estado Democrático de Direito e suas limitações a radicalismos tanto de direita quanto de esquerda.

A segunda linha de pensamento político é representada pela declaração “as Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”[7]. O Ministro Abraham Weintraub assumiu o cargo expressando que irá combater o que chama de marxismo cultural. Já de antemão, é possível perceber que há, mais uma vez, uma redução de uma gramática de pensamento crítico e de esquerda ao Marxismo – tema já abordado acima.

Em sequência, outras duas questões são relevantes de serem abordadas. A primeira consiste no efetivo compromisso do Estado Democrático de Direito em promover a pluralidade de organização social e de pensamento. O Professor José Joaquim Gomes Canotilho, em seus estudos sobre Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, produz relevante compreensão da Democracia, através do Estado de Direito e do Pluralismo. Nesse sentido, destaca-se passagem em que o autor versa sobre a Teoria do Pluralismo, fundamental ao pensamento de Direitos Fundamentais. Veja-se:

O pluralismo, ancorado numa teoria de inputs dos grupos é, ao mesmo tempo, uma teoria empírica e uma teoria normativa. Como teoria empírica pretende captar a realidade social e política das democracias ocidentais, nas quais todas as decisões políticas se reconduziriam a interesses veiculados pelos vários grupos sociais. Como teoria normativa — o pluralismo como ideia dirigente — a teoria pluralista pressuporia um sistema político aberto, com ordens de interesses e valores diferenciados e que, tendencialmente, permitiria a todos os grupos a chance de influência efectiva nas decisões políticas[8].

Outro grande constitucionalista, Professor Paulo Bonavides, coloca dentro da doutrina dos direitos fundamentais – direitos fundamentais de quarta dimensão – o Direito à Democracia, o Direito à Informação e o Direito ao Pluralismo[9].  É importante ressaltar que esse não são revolucionários bolcheviques, mas dois destacados constitucionalistas do pensamento ocidental. Respeitar, assim, a pluralidade de pensamentos e organização social é elemento fundacional ao Estado Democrático de Direito.

O segundo ponto é a relevância da Universidade em promover a livre pensamento e, portanto, a sua destaca atuação enquanto ator de promoção do pluralismo de pensamento. Para isso, a autonomia Universitária é fundamental e, assim, não é possível conceber interferências ideológicas do poder executivo, por meio de corte de verbas de caráter punitivo.

Assim, o combate ao pensamento crítico, de esquerda que Ministro Abraham Weintraub tanto almeja não pode ser feito através do xingamento de opositores, sem pensamento racionais com fundamentos históricos ou através da corte de verbas Universitárias, visto que o Estado Democrático de Direito não permite – ou pelo menos não deveria permitir – tais abusos. É imperativo, portanto, que toda a população brasileira promova uma oposição democrática a tais condutas abusivas, pois a barbárie pode estar sempre mais perto que se imagina.

 

Notas e Referências

[1] Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), disponível em https://br.advfn.com/indicadores/pnad (data de acesso 14/05/2019).

[2] Mozart Neves Ramos possui extenso e qualificado trabalho relacionados a educação. Recomenda-se sua instigante entrevista no programa roda viva, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MyO40lWnibg (data de acesso 14/05/2019).

[3] Informações disponíveis em https://exame.abril.com.br/brasil/mozart-neves-fui-convidado-para-o-mec-bolsonaro-disse-que-foi-fake-news/ (data de acesso 14/05/2019).

[4] Informações disponíveis em https://exame.abril.com.br/brasil/ministro-da-educacao-defende-combate-a-marxismo-cultural-em-universidade/ (data de acesso 14/05/2019).

[5] O conceito de fascismo social utilizado faz referência ao Boaventura de Sousa Santos e encontra-se disponível em: Santos, Boaventura de Sousa, 2003, poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais (65), página 3-76.

[6] Artigo 5°, XXIII, da Constituição Federal.

[7] https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-cortara-verba-de-universidade-por-balburdia-e-ja-mira-unb-uff-e-ufba,70002809579

[8] CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1993) Direito Constitucional. 6ª ed. revista. Coimbra: Livraria Almedina, página 137.

[9] BONAVIDES, Paulo (2005) Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, página 517.

 

 

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