PONTUAÇÕES SOBRE A EXIGÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO EXAURIENTE NAS DECISÕES PROFERIDAS PELA JUSTIÇA DO TRABALHO

03/10/2018

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

            O tema tratado neste singelo artigo é pontual, porém, remete a uma das mais relevantes questões trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, com inegáveis reflexos no Direito Processual do Trabalho, como ciência, bem como na atuação dos órgãos que integram a Justiça do Trabalho, sob o prisma técnico-pragmático: a necessidade, ou não, das decisões judiciais carregarem o que se pode chamar de fundamentação exauriente. A resposta a esta questão tem desdobramentos que vão do cabimento de embargos de declaração frente a omissão quanto a análise de fundamento apresentado por qualquer das partes podendo chegar até à nulidade da decisão.

             O debate nasce a partir do advento do então Novo CPC, em 2015, à luz do que traz o seu artigo 489, em especial no §1º, com destaque, neste, para o teor do inciso IV. Traz o referido parágrafo inaugural do artigo destacado que não será considerada fundamentada a decisão interlocutória, sentença ou acórdão que: 

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Dentre todos os ditos incisos, neste breve estudo, a atenção recairá sobre o inciso IV, como antes anunciado.

Para tanto, vale destacar que o artigo 489 do CPC/2015 trata da estrutura da sentença, em previsão bastante correlata ao que se encontra na Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 832.  

Da análise de ambos os dispositivos, conclui-se, facilmente, que a sentença trabalhista deve conter relatório (que conterá o nome das partes e o resumo do pedido e da defesa), fundamentação (que trará a apreciação das provas e os fundamentos da decisão) bem como o dispositivo (no qual o juiz resolverá as questões postas ao seu crivo – ou seja, a “conclusão”).

Trata-se de disposições que se exibem harmônicas com o comando constitucional esculpido no artigo 93, IX, da Carta de 1988, que consagra a garantia fundamental da motivação das decisões, tendo por consequência, se olvidada, a nulidade.

Ocorre que o CPC15 inovou exatamente nesta seara, qual seja, a da fundamentação das decisões judiciais, ao fixar, no salientado §1º do mesmo artigo 489,  os critérios objetivos acima transcritos, que devem ser observados para que se tenha como devidamente satisfeita a exigência constitucional da motivação.   

No tocante ao disposto no inciso IV, observa-se que a literalidade do dispositivo remete ao estabelecimento de uma imposição ao juiz, consistente no cotejo analítico de cada um dos argumentos da parte sucumbente, a se dar de modo expresso na decisão proferida, com a apresentação dos fundamentos que afastam cada um deles, não bastando a simples apresentação dos motivos que formam a sua convicção, antes admitida como suficiente, quer na doutrina, quer nas decisões que formaram a jurisprudência acerca da matéria.

 A partir disso, algumas questões surgiram. A primeira consiste na seguinte: a nova regra é aplicável nos domínios do Processo do Trabalho?

Para muitos respeitáveis estudiosos do Direito Processual do Trabalho, a resposta deve ser negativa.

Cada qual com as suas razões, destaca-se, dentre todas as razões desse entendimento refratário à assimilação da novidade, o fato da CLT tratar, no artigo 832, da mesma matéria abarcada pelo artigo 489 do CPC, qual seja, o rol com os elementos formais intrínsecos da decisão judicial, de modo a inexistir omissão no texto legal processual trabalhista que autorize a aplicação subsidiária do carregado no Código de Processo Civil de 2015.

Carlos Henrique Bezerra Leite complementa, afirmando que os defensores dessa corrente também negam a aplicação do disposto no CPC, artigo 489 § 1º, IV, no Processo do Trabalho, em razão do fato de que colidiria com os princípios da simplicidade e da celeridade:

 

máxime porque neste setor especializado a petição inicial veicula normalmente múltiplos pedidos lastreados em inúmeras causas de pedir e, se o juiz do trabalho for compelido a fundamentar de forma exauriente todos os argumentos deduzidos pelas partes, restariam olvidados os princípios constitucionais da efetividade do acesso à justiça e da duração razoável do processo[i].

Justamente nesse sentido mais restritivo firmou-se a posição majoritária entre os magistrados, e, consequentemente, na jurisprudência[ii]. À guisa de exemplo, vale mencionar o entendimento fixado na I Jornada sobre o CPC/2015, realizada pela Escola Judicial do TRT-18ª Região (GO), que resultou na edição do Enunciado 12, no sentido de que não há necessidade de rebater, de forma pormenorizada, todas as alegações e provas dos autos, por ocasião da sentença: basta que a sua fundamentação se mostre concisa, clara e precisa, indicando com exatidão a adequação dos fatos ao direito, nisso restando resumido o dever constitucional do juiz. No Enunciado 13 da mesma I Jornada, fixou-se o entendimento de que se revela manifestamente inaplicável ao Processo do Trabalho o dever de fundamentação exauriente por ocasião da decisão judicial, com o enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo pelas partes, já que não há lacuna normativa na CLT em razão do disposto no artigo 832, bem como pelo que consideraram flagrante incompatibilidade com os princípios da celeridade e da simplicidade, fundamentos, portanto, que se enquadram nos limites da corrente doutrinária acima destacada, de modo que bastaria, ainda, a clássica fundamentação suficiente, ou seja, que traga os motivos de fato e de direito que sustentaram a formação da convicção do julgador, diante daquele caso concreto. Nada teria mudado para fim do ato decisório do juiz do trabalho que, ainda, poderia decidir pautado apenas na sua livre convicção – o que, desde já se anota, pode representar colisão com outros dispositivos do CPC/2015 bastante relevantes, os artigos 9º e 10, ensejadores da vedação à decisão surpresa e do estabelecimento do contraditório substancial, realidades inegavelmente compatíveis com o Processo do Trabalho.

Em sentido próximo, vale consultar, também, o Enunciado 4 do Seminário do TRT da 10ª Região.

Não obstante o respeito aos que engrossam as fileiras dessa corrente e à jurisprudência majoritária acerca do tema, com ela não se pode concordar, pois, parece claro, não há nenhuma incompatibilidade da referida regra com os princípios e regras que regem o Direito Processual do Trabalho, de modo que seria de todo aplicável e exigível, na seara da Justiça do Trabalho, a nova disposição trazida pelo CPC/2015. Ademais, importante do ponto de vista prático, também, pois, bem observada a regra, diminuir-se-ia de modo sensível o número de embargos de declaração não protelatórios.

            No sentido da aplicação da regra nos feitos decididos na Justiça do Trabalho, aliás, a conclusão firmada no Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, cristalizada no Enunciado nº 304, resultante da interpretação dos artigos 15 e 489 do CPC e seus impactos no Processo do Trabalho, verbis: “As decisões judiciais trabalhistas, sejam elas interlocutórias, sentenças ou acórdãos, devem observar integralmente o disposto no art. 489, sobretudo o seu §1º, sob pena de se reputarem não fundamentadas e, por conseguinte, nulas. (Grupo: Impacto do CPC no processo do trabalho)”.

            Carlos Henrique Bezerra Leite, afastando-se da corrente restritiva apontada, posiciona-se no sentido de entender aplicável, nos domínios da Justiça do Trabalho, a referida exigência legal de fundamentação exauriente. Sustenta que, no Estado Democrático de Direito, é dever das partes, dos juiz e de todos que participam da relação jurídica processual colaborar para que se tenha um serviço jurisdicional eficiente e de boa qualidade[iii]. Por isso, afirma que é dever do juiz, como sujeito do processo, “participar e promover o debate em torno da construção da decisão judicial”. Porém, de modo não expresso, caminha para uma certa mitigação do comando encontrado no CPC, ao defender que os fundamentos jurídicos da postulação autoral ou da defesa que se mostrem realmente relevantes e aptos a alterar a decisão devem ser enfrentados na fundamentação[iv], pelo que complementa:

Havendo omissão na decisão, cabe à parte interpor embargos de declaração, os quais não poderão mais ser rejeitados “ao argumento de que o juiz não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os pontos da causa”. Na verdade, o juiz tem o dever de se pronunciar sobre as matérias, questões e pontos que possam influir no acolhimento ou na rejeição do pedido formulado na ação ou na defesa[v].

            Percebe-se, assim, a existência de interessantes posições que possibilitam vislumbrar o surgimento de uma corrente intermediária que preconiza a observação do que aqui se trata como fundamentação com plenitude mitigada pela relevância. Nesse sentido, Mauro Schiavi também chegou a afirmar que o juiz do trabalho deve enfrentar os argumentos jurídicos invocados pelas partes que se mostrem capazes de influir na sua decisão e que, por si, possam direcionar a demanda para outro resultado, porém, de modo mitigado, ao sustentar:

Quanto ao inciso IV, este deve ser interpretado com razoabilidade e proporcionalidade, e de acordo com a dinâmica do processo trabalhista, pois este, ao contrário do processo civil, apresenta muitos pedidos, e muitas teses defensivas para cada pretensão. Desse modo, deverá o Juiz do Trabalho apreciar apenas os fundamentos que tenham possibilidade de infirmar a conclusão do julgamento, vale dizer: os fundamentos relevantes e pertinentes ao tema objeto da decisão. Não há como se aplicar a presente disposição com o mesmo rigor do processo civil, sob consequência de inviabilizar a atividade racional dos juízes trabalhistas, provocar muitas arguições de nulidades das decisões e atentar contra a duração razoável do processo[vi].

            Estabeleceu-se, como se vê, o embate entre a exigência de uma fundamentação exauriente frente à aceitação da fundamentação suficiente.

            Outras questões decorrentes da aplicação do CPC/2015, artigo 489, §1º, IV ao Processo do Trabalho podem ser destacadas, muitas enfrentadas no Seminário sobre o Poder Judiciário e o CPC/2015 (ENFAM).

            O Enunciado 9 do referido Seminário, por exemplo, traz posicionamento importante no sentido de considerar que a fundamentação sucinta não se confunde com ausência de motivação, de modo a não acarretar a nulidade indicada a partir do artigo 489, §1º do referido Código. Nada a opor ao referido entendimento, pois, de fato, qualidade nem sempre depende de quantidade. Aliás, talvez nessa noção se possa encontrar a verdadeira suficiência da fundamentação hábil a atender ao propósito constitucional do artigo 93, IX, melhor aclarado com o advento do atual CPC e o artigo em análise neste breve estudo.

            Ainda no âmbito dos entendimentos firmados no mesmo Seminário, o Enunciado 12 traz que não ofende o disposto no artigo 489, §1º, IV do CPC a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante, o que também parece razoável, afinal, se a decisão quanto a esta (por exemplo, pedido de reconhecimento de vínculo de emprego julgado improcedente) logicamente já fulminou as pretensões trazidas nas questões subordinadas (v.g., pleito de condenação no pagamento de horas extras), evidentemente restam dispensadas maiores apreciações e motivações.

            Também importante o entendimento que consubstancia o Enunciado 13 do mesmo evento, no sentido de que a regra legal em estudo não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios. Aparentemente, a conclusão é correta, pois, se a interpretação da matéria de direito invocada por qualquer das partes já resta consolidada em precedente obrigatório que, em sua formação, teve considerado e afastado o referido entendimento carregado no fundamento da atual ação ou da defesa, a mera indicação do precedente já se mostra bastante para fim da fundamentação – o que, aliás, harmoniza o inciso IV a outros do mesmo artigo e parágrafo do CPC. Todavia, há de se observar se, de fato, a causa atual reflete a realidade considerada para a formação do precedente, cabendo ressalvas a fazer frente à possibilidade do distinguishing ou do overruling.

Vale destacar que o Tribunal Superior do Trabalho tratou das mesmas questões abordadas no seminário da ENFAM, o fazendo no mesmo sentido dos dois últimos enunciados acima mencionados, o que se observa no artigo 15 da Instrução Normativa nº 39, de 2016, em especial nos incisos III e IV, de modo a prestigiar a corrente restritiva acima destacada, a saber:   

III- não ofende o art. 489, § 1º, inciso IV do CPC a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante.

IV - o art. 489, § 1º, IV, do CPC não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido examinados na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de enunciado de súmula.

            Não se olvide o teor do Enunciado 47 do Fórum Permanente de Processualistas do Trabalho – FPPT, que traz: (art. 489, §1˚ do CPC) O art. 489, §1˚, do CPC constitui um dos instrumentos necessários para efetivar o microssistema de precedentes judiciais obrigatórios no ordenamento brasileiro, incluindo o trabalhista”.

            Assim, para além do recorte que se possa fazer quanto aos impactos trazidos pelo texto do artigo 489, §1º, IV do CPC ao cotidiano da atividade do juiz do trabalho, suas implicações frente aos princípios da simplicidade e da celeridade, de outros fundamentos das correntes total ou parcialmente refratárias à sua aplicação nos domínios do Processo do Trabalho, fato é que não se pode ignorar que sua função, no sistema, vai além da já muito relevante busca da efetiva pacificação pela via do convencimento social trazido pela publicação da decisão e consequente divulgação das razões que a sustentam, em respeito às partes e à coletividade ao aclarar os motivos pelos quais os pilares de sustentação das pretensões e da conclusão de cada uma pelo direito até então controvertido foram considerados ou não no direcionamento do ato decisório. Integra um complexo maior, voltado à racionalização do sistema, inclusive com impactos no que toca à formação dos precedentes judiciais e sua aplicação. Mas isso é tema para uma futura reflexão!

 

           

Notas e Referências

[i] Curso de Direito Processual do Trabalho. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.863.

[ii] Como, por exemplo, na decisão dos Embargos de Declaração opostos nos autos do Processo nº 00000386820165020002, pela 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, d.j. 26.10.2017, rel.Silvana Abramo, que, em meio à fundamentação, traz: “Ademais, o princípio constitucional da celeridade e efetividade processual se sobrepõe à fundamentação exauriente do novo código processual civil uma vez observado o art. 93, IX da CF/88 e art. 832 da CLT, como no caso em apreço”.

[iii] Curso de Direito Processual do Trabalho. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.863.

[iv] Id.Ibid., p.865.

[v] Id.Ibid., mesma página.

[vi] Manual de Direito Processual do Trabalho. 10.ed. São Paulo: LTr, 2016. p.799.

 

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