PONTO DE ARQUIMEDES  

26/06/2019

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

 

Tem que haver sempre um chão.

Ainda que saibas que existe um subterrâneo

Por debaixo do solo.

Ainda que passe sob o empedrado da calçada

não a praia almejada

mas um rio turvo e pestilento.

Tens de ter sempre um esteio,

que é Norte, estrela e bússola.

Quem, muito dúctil, muito catavento,

acha, intelectualmente, que tudo e nada

se equivalem, e todos os tons

do arco-íris são como o negro e o branco;

Quem, muito cético, descrê dos próprios pés

e renega os próprios olhos;

Quem, muito inteligente, sobre tudo

faz trocadilhos e paradoxos vãos

que atiram como seta envenenada

ao coração dos valores e dos princípios -

Além de um dia, olhando-se ao espelho,

fatigado,

ir sentir-se um fantasma e não Pessoa,

semeia o hálito do Nada, pior até que o Mal.

Não é uma condição simples, a humana.

Não é uma condição fácil, a que temos.

Sabemos que há mais Mundo

Além da vã filosofia dos Horácios

E mais ainda que a nula filosofia

Dos Coriáceos.

Sabemos que há muito mais mundo.

Mas a cada um e a cada sociedade e a cada tempo

Foi dado viver com certas limitações.

Não podemos facilmente, impunemente,

ser tudo em cada momento, a toda a hora.

Podemos compreender, podemos entender,

mas como ser e não ser, e talvez, e o contrário de tudo?

Só renunciando a si se pode permanentemente

Entrar na fluidez das areias movediças

no deserto de convicções

ou, pior ainda, na falsa crença de que

se têm convicções, valores, os quais

espremidos e traduzidos, são pouco mais

que uma vaga boa-vontade inconsequente.

Por vezes tão inconsequente

Que deixa de ser boa, apesar da vontade.

Sim, estamos fartos de boas intenções

sem pés, nem mãos, e por vezes

até sem cabeça.

O grande projeto, o grande desafio,

não é seguir os rituais banais,

ancestralmente

determinados por atavismo e facilidade, seguidismo;

Ou as modas, hoje muito apelativas para alguns -

- até porque para alguns muito convenientes.

E altamente penalizadora, sem razão,

Para os que a Sorte (ou a perfídia)

Escolheu como bodes expiatórios.

Vivemos tempos muito difíceis,

tempos em que as Portas da Loucura

foram abertas sem promessa de que fechem.

Procura, pois, teu chão.

É pequeno, será...É teto falso, eventualmente,

De caves, e cavernas, e túneis...

De um mundo subterrâneo

Cujos espetros não vais querer enfrentar.

Mas é o teu chão, o teu lugar,

onde podes construir tua casa

e em torno semear e ver florir.

O resto em volta é sonho e vizinhança...

Podes viajar, mas não abandones teu chão,

quero dizer: Não te abandones a ti,

Nem aos valores maiores da tua gente.

Cultiva o teu jardim nesse teu chão

E só assim serás feliz.

Isso é possível

Se não pedires a Lua e os arredores

Ou se os pedires

Olhando pelo teu telescópio,

Bem assente no chão.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Chrysler Building // Foto de: Jeffrey Zeldman // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/zeldman/16681855101

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