Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos
Tem que haver sempre um chão.
Ainda que saibas que existe um subterrâneo
Por debaixo do solo.
Ainda que passe sob o empedrado da calçada
não a praia almejada
mas um rio turvo e pestilento.
Tens de ter sempre um esteio,
que é Norte, estrela e bússola.
Quem, muito dúctil, muito catavento,
acha, intelectualmente, que tudo e nada
se equivalem, e todos os tons
do arco-íris são como o negro e o branco;
Quem, muito cético, descrê dos próprios pés
e renega os próprios olhos;
Quem, muito inteligente, sobre tudo
faz trocadilhos e paradoxos vãos
que atiram como seta envenenada
ao coração dos valores e dos princípios -
Além de um dia, olhando-se ao espelho,
fatigado,
ir sentir-se um fantasma e não Pessoa,
semeia o hálito do Nada, pior até que o Mal.
Não é uma condição simples, a humana.
Não é uma condição fácil, a que temos.
Sabemos que há mais Mundo
Além da vã filosofia dos Horácios
E mais ainda que a nula filosofia
Dos Coriáceos.
Sabemos que há muito mais mundo.
Mas a cada um e a cada sociedade e a cada tempo
Foi dado viver com certas limitações.
Não podemos facilmente, impunemente,
ser tudo em cada momento, a toda a hora.
Podemos compreender, podemos entender,
mas como ser e não ser, e talvez, e o contrário de tudo?
Só renunciando a si se pode permanentemente
Entrar na fluidez das areias movediças
no deserto de convicções
ou, pior ainda, na falsa crença de que
se têm convicções, valores, os quais
espremidos e traduzidos, são pouco mais
que uma vaga boa-vontade inconsequente.
Por vezes tão inconsequente
Que deixa de ser boa, apesar da vontade.
Sim, estamos fartos de boas intenções
sem pés, nem mãos, e por vezes
até sem cabeça.
O grande projeto, o grande desafio,
não é seguir os rituais banais,
ancestralmente
determinados por atavismo e facilidade, seguidismo;
Ou as modas, hoje muito apelativas para alguns -
- até porque para alguns muito convenientes.
E altamente penalizadora, sem razão,
Para os que a Sorte (ou a perfídia)
Escolheu como bodes expiatórios.
Vivemos tempos muito difíceis,
tempos em que as Portas da Loucura
foram abertas sem promessa de que fechem.
Procura, pois, teu chão.
É pequeno, será...É teto falso, eventualmente,
De caves, e cavernas, e túneis...
De um mundo subterrâneo
Cujos espetros não vais querer enfrentar.
Mas é o teu chão, o teu lugar,
onde podes construir tua casa
e em torno semear e ver florir.
O resto em volta é sonho e vizinhança...
Podes viajar, mas não abandones teu chão,
quero dizer: Não te abandones a ti,
Nem aos valores maiores da tua gente.
Cultiva o teu jardim nesse teu chão
E só assim serás feliz.
Isso é possível
Se não pedires a Lua e os arredores
Ou se os pedires
Olhando pelo teu telescópio,
Bem assente no chão.
Imagem Ilustrativa do Post: Chrysler Building // Foto de: Jeffrey Zeldman // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/zeldman/16681855101
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