Políticas Públicas, Escolhas Administrativas e a Adequada Gestão Estatal

03/09/2015

Por Phillip Gil França - 03/09/2015

Entende-se como política pública, implementada por meio de uma adequada gestão estatal, a organização de esforços do Estado para alcançar um claro objetivo predeterminado, mediante um planejado caminho, a partir da demonstração objetiva de realização de um interesse público constitucionalmente previsto. Então, para a caracterização da anunciada adequada política pública faz-se necessária a observação dos seguintes fatores – pelo menos:

i) Concatenação de esforços: para se imaginar a implantação de políticas públicas (por intermédio de uma eficiente gestão pública), parte-se, logicamente, da harmonização de esforços (materiais e imateriais) previamente debatidos e escolhidos como os melhores para a viabilização do objetivo a ser buscado. Para tanto, o Estado precisa manter o foco no interesse público concreto a ser realizado, mediante a idealização de legítima política pública definida para o alcance deste desiderato. Assim, importante para tal organização, inclusive, é o exercício de minimização das externalidades negativas[1] que podem atrapalhar o caminho a ser percorrido;

ii) Definição de um objetivo: o desiderato de determinada política pública deve ser claro, factível e determinado. As metas que se pretende alcançar devem estar bem definidas desde o início do planejamento da atividade pública a ser desenvolvida e, sem dúvida, precisam ter uma direta ligação com o interesse público especificado como vetor de tal conjunto de ações estatais voltadas à realização de indicados ditames constitucionais. Não se pode esquecer que as realizações de todo esse exercício administrativo precisam estar cobertas pelo manto dos princípios da Administração Pública – expressos e implícitos (com destaque aos estampados no caput do art. 37 da CF/88). Isto é, a verificação constitucional dos objetivos a serem definidos é tarefa obrigatória desde a etapa de definição das metas a serem alcançadas;

iii) Planejamento de ações para dar efetividade ao objetivo predeterminado: trata-se da ideia de feixe de atos administrativos voltados ao atendimento de um determinado interesse público[2], como políticas públicas, mediante o exercício do dever do Estado de proteger e promover o cidadão. De igual forma, o planejamento deve estar conectado com o objetivo e com o caminho organizados para a realização concreta da legítima política pública, como reflexos diretos para o desenvolvimento intersubjetivo do indivíduo. É no planejamento e na aplicação do ato administrativo, consubstanciado em uma definida gestão pública de interesses voltados à realização dos direitos fundamentais, que se observa a razão fática e jurídica para tal organização harmônica de atos administrativos destinados à execução de um constitucional interesse público via a criação, estruturação e concreta realização de constitucionais políticas públicas vocacionadas ao desenvolvimento dos partícipes do sistema estatal estabelecido;

iv) Emprego sinérgico de mecanismos de concretização da adequada gestão pública: A preocupação sistêmica e o emprego de atos administrativos de Estado (e não de governo), conforme uma interpretação sistemática do direito, precisam ser verificados para a concretização de uma adequada gestão pública. O uso de instrumentos constitucionalmente legítimos, mediante a finalidade de realização de interesse público concretizável, sinergicamente, é o melhor caminho para a realização de uma boa gestão pública. Os objetivos da República representam, necessariamente, o fim maior das políticas públicas perpetradas por meio de uma adequada gestão pública e, direta ou indiretamente, precisam estar presentes na efetivação da atuação executiva estatal.

Logicamente, o papel do Judiciário no controle de escolhas públicas, inclusive de prioridades públicas,conforme preconiza o art. 3.o da CF/88, de modo a realizar os objetivos da República que lá constam, é de alta relevância, bem como apresenta-se como positivo indicativo de segurança de que a atividade pública encontrar-se-á com os benefícios sociais preconizados pela Constituição, no cruzamento dos caminhos do desenvolvimento dos cidadãos, e com o do sucesso estatal.

Nesse contexto, a sinergica operacionalização da máquina pública é providência imprescindível em todas suas Funções e dimensões, para que os objetivos fundamentais da República não sejam lidos como meros horizontes distantes da realidade, mas sim como metas realizáveis para a positiva e construtiva transformação do presente vivenciado pelos destinatários do poder público constitucional definidos na Carta de 1988.[3]

Conforme explanado, o Estado se realiza a partir da concretização dos objetivos da República estabelecidono Desse sistema, além do destacado, compreende-se um regime verdadeiramente responsável e responsabilizável acerca da adequada atividade administrativa estatal, conforme os trilhos constitucionais correspondentes. Responder pelo que faz é, por óbvio, parte de um Estado voltado ao dever constitucional de promoção do homem-cidadão e da sociedade onde vive. Nas lições de Rui Barbosa "a primeira verdade dos governos livres é que a responsabilidade deve estender-se igualmente por todos os graus da hierarquia governamental". Conforme o jurista, "a reivindicação do poder importa a reivindicação de responsabilidade" até porque, "todo poder absoluto corrompe o homem que o possui". E assim arremata: "nas almas dominadas pelo senso de responsabilidade a consciência de um poder pesa como um fardo, e atua como freio".

Isto é, para o alcance do sucesso estatal faz-se indispensável uma organização da máquina pública – em sua Administração – voltada a viabilizar o constitucional e republicano regime de responsabilidade decorrente da atividade pública, proveniente, inclusive, do amplo controle jurisdicional do ato administrativo em todas as perspectivas possíveis. Inclsive, das escolhas e das escolhas que as escolhas públicas impõem. Não se pode destacar, nesse sentido, a necessária adaptação legislativa – no sentido de criação de soluções para o permanente alcance do bom caminho do sucesso – e a adequada e efetiva atuação jurisdicional, sempre quando necessário, para a manutenção de uma mínima segurança e previsibilidade das atividades desenvolvidas pelo Estado.

Para tanto, o mínimo de concretização dos objetivos constitucionais da República precisa ser atendido e as escolhas públicas – decisões sobre o melhor caminho a se seguir – têm que ser pautadas por esse vetor. O interesse público primário precisa ser verificado integralmente em qualquer demanda estatal. Dessa forma, exalta-se a indicação de critérios de verificação de conformidade legal para ser possível, em qualquer ato administrativo, extrair o concreto atendimento de um determinado interesse público, como forma de demonstração que um mínimo dos objetivos constitucionais da República foi realmente atingido. Fato que, além de representar a coerência e a legitimidade constitucional do sistema estatal estabelecido, demonstra uma maior proteção do ato administrativo diante dos eventuais subjetivismos interpretativos sobre o que é público na determinação das escolhas públicas para a solução eficiente a ser atingida.

Sem dúvida, o sucesso do Estado depende de boas escolhas administrativas e da conclusão de que realmente foram as melhores para o desenvolvimento intersubjetivo dos envolvidos do sistema estatal constituído. Inclusive, com mecanismos que garantam a possibilidade de controle e revisão integral do que é realizado por esse sistema – sem importar em uma substituição de tais escolhas administrativas estatais. Este deve ser o incansável empenho da Administração, dos Governos e do Estado, como entes, respectivamente, permanente, provisórios e viabilizador de desenvolvimento intersubjetivo. Até mesmo porque confere aos gestores do que é público o correspondente ônus de, permanentemente, criar meios e procedimentos para simplificar e viabilizar o controle judicial de sua atuação, bem como, para que tal sindicabilidade ocorra em todas as dimensões possíveis de sua atividade. Seu olvidar a importância tanto das escolhas públicas, como das renúncias decorrentes de tais escolhas, como o melhor caminho para a realização dos objetivos fundamentais da República.

Desse modo, recomenda-se para as escolhas públicas a aplicação de critérios jurídicos rigorosos que tornem a regulação estatal um instrumento eficiente, eficaz e efetivo; a partir das noções jurídico-econômicas que conformam a ideia aqui defendida de ´adequada gestão pública de políticas de Estado´. Nesse contexto, se o Estado conseguir demonstrar que a força impressa pelo seu sistema jurídico é satisfatória – com auxilio da regulação estatal e da adequada gestão de políticas públicas – os benefícios sociais constitucionalmente protegidos terão o atendimento que a Constituição determina.

Assevera-se, nesse sentido, que a boa administração pública, por meio de políticas públicas de Estado, é o caminho para a realização de um Sistema de Direito ideal, qual seja: aquele que viabilize o constante desenvolvimento do cidadão ao ponto que alcance a talvez utópica situação de convivência intersubjetiva suficiente para realização dos benefícios sociais constitucionais.

Assim exposto, destaca-se o caminho ideal de gestão pública eficiente em prol da organização desses meios e procedimentos administrativos para se sanar dúvidas, corrigir desvios e chancelar acertos por intermédio da possibilidade, inclusive, de controle judicial do ato administrativo, especialmente do seu aspecto discricionário. E esse é um forte indicativo de como se faz um sistema verdadeiramente apto a criar segurança mínima das relações sociais e jurídicas para o melhor desenvolvimento possível dos integrantes do Estado.

Para tanto, dogmas totalitários, próprios de um míope positivismo, precisam ser superados e afastados da aplicação do Direito Administrativo, como ramo do direito público voltado ao aprimoramento da atuação do Estado em prol do cidadão, tais como: blindagem da discricionariedade administrativa ante o constitucional controle jurisdicional; princípio da eficiência confundido com a ideia de optimilidade administrativa; interpretação clássica da tripartição dos poderes; falta de legitimação democrática da atividade jurisdicional.

Além da imperiosa necessidade de superação dos dogmas estatais supraexpostos, o bem agir administrativo não pode ser visto como uma tarefa de responsabilidade única do Estado. O cidadão está diretamente ligado ao alcance desse desiderato. Os envolvidos no jogo do bem agir administrativo, então, precisam atuar no mesmo rumo, para a conquista do fim comum de incremento sustentável do sistema, pois é por esse caminho que o benefício comum poderá ser alcançado.

A partir da dimensão supraexposta, seria o bem comum a representação do sucesso estatal (repressentada pela realização dos objetivos fundamentais da República)? Indícios elucidados pela moderna teoria dos jogos, como explica Amartya Sen, podem ser proveitosos para compreender-se como o Estado pode – e deve – ser lido a partir de sua função de produção do que há de melhor para quem lhe fornece justificação de existência e razão de funcionamento.

Nas palavras de Amartya Sem, "entre as razões prudenciais para o bom comportamento pode muito bem estar o benefício próprio resultante desse comportamento. Na verdade, poderia haver um ganho para todos os membros de um grupo que seguisse regras de bom comportamento que pudessem ajudar a todos. Não é particularmente inteligente para um grupo de pessoas agir de uma maneira que arruinará todas elas".

O sucesso estatal, representado pela consagração dos objetivos constitucionais da República do art. 3.o da CF/88, terá seu caminho atrelado (i) ao estabelecimento das posições dos seus jogadores (Administração – cidadão – Judiciário); (ii) definição dos objetivos dos jogadores envolvidos (busca do interesse público concretizável); (iii) interseção dos objetivos dos respectivos jogadores (desenvolvimento); (iv) estabelecimento das consequências resultantes da relação dos jogadores; (v) definição do árbitro legítimo para equacionar as questões decorrentes do jogo; (vi) filtragem constitucional do produto do jogo do bem agir administrativo (determinado interesse público foi concretamente realizado, conforme os valores do direito). Não há maiores dúvidas que a conjugação de esforços funciona, ou obtém utilidade, apenas se comprometidos com o constitucional desiderato de realizar o bem geral e comum nas linhas limítrofes de suas possibilidades – sempre, necessariamente, estendidas e renovadas ao longo do tempo.

Para Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "O Estado-sociedade tem por objeto o bem comum e é ordenado, juridicamente, como Estado-poder, para alcançá-lo, de maneira a dar a cada um dos seus membros a participação que lhe é devida nesse bem. Como direito estatal, o Direito Administrativo deve ordenar o Estado para conseguir esse objetivo". Nas palavras do autor, “o bem comum só se consegue, em qualquer sociedade, havendo paz na relação entre seus membros, como elemento primeiro indispensável para a vida comunitária, e, em seguida, efetivando-se as melhores condições de bem-estar coletivo, seja propiciando os elementos para que os componentes do Estado-sociedade, individualmente, contribuam para isso, seja assumindo o próprio Estado-poder o encargo de levá-las a bom termo, na falta ou deficiência por parte dos particulares na sua realização, ou ocorrendo inconveniência em relegá-las a eles”.

E conclui afirmando que "para se alcançar esse bem comum, impõe-se o estabelecimento de normas gerais e abstratas prescrevendo o que entende o Estado-poder como desejável para a melhor vida social, tranquila e próspera, e a atuação individual, concreta, desses preceitos, seja para realizá-los, seja para assegurar a terceiros o direito que deflui daquelas normas, concretizadas em relações entre eles, quando ameaçado ou desrespeitado".

Isto é, o sucesso estatal está vinculado ao equilíbrio, e não à sua optimilidade. A boa Administração Pública é aquela equilibrada, a partir das forças envolvidas na sua atuação, que não são exclusivas da atividade Executiva do Estado, pois compreendem, também, as atividades Legislativa e Judiciária do Estado e as demais forças sociais obviamente influentes no agir administrativo.

Busca-se, assim, na sugestão de um pleno controle da atividade administrativa estatal, inclusive a discricionária, apontar caminhos para que a Administração Pública deixe de buscar a optimilidade utópica e passe a buscar o equilíbrio de sua atividade para, assim, se aproximar ao máximo possível dos objetivos constitucionais da República estabelecidos no art. 3.o da CF/88.


Notas e Referências:

[1] Ideia desenvolvida pelo prêmio nobel Ronald Coase, no artigo The Nature of the Firm (1937). Para R. Coase, o mundo real apresenta fricções, ou externalidades negativas, que são denominadas custos de transação, fricções estas causadas por assimetrias de informação que dificultam ou impedem que os direitos obrigacionais (com destaque aos de propriedade) sejam negociados a custo zero. Assim, na observação de transações econômicas, sublinha-se a existência de elementos externos que influem no seu rumo, regulados por instituições. Como regular a forma e se tais instituições devem atuar nas relações econômicas, os reflexos dessa regulação e a maneira que a atuação dessas instituições influem em maior ou menor grau nessas transações são elementos que conformam os custos de transação.

[2] Nesta linha, vide: COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v.35, n.138, p.39-48, abr./jun. 1998.

[3] O povo, conforme parágrafo único do art. 1.o da CF/88.


autorPhillip Gil França é Pós-doutor (CAPES_PNPD), Doutor e Mestre em direito do Estado pela PUC/RS, com pesquisas em “Doutorado sanduíche – CAPES” na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Professor de Direito Administrativo (mestrado e graduação) da Universidade de Passo Fundo, autor dos livros “Controle da Administração Pública”, 3 Ed. (RT, 2011) e “Ato Administrativo e Interesse Público”, 2 Ed (RT, 2014), e tradutor da obra “O Princípio da Sustentabilidade – transformando direito e governança“, de Klaus Bosselmann. Professor dos Cursos de Especialização do IDP (Brasília), Abdconst (Curitiba) e Unibrasil (Curitiba). Email: phillipfranca@hotmail.com / Facebook: Phillip Gil França


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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