Nossa história política, mais especificamente a concernente à representação popular, nunca expressou exatamente o anseio do povo. Cultivamos uma coleção de vícios que desvirtuam o que se poderia chamar de vontade pública.
Não refiro só os tempos de Colônia ou de Império. Menciono a era republicana. A República, embora declarada por militares, foi inaugurada sob a vigência da vontade dos velhos coronéis, exercida por controle direto sobre redutos eleitorais.
A estrutura coronelista de dominação não operava apenas nos rincões, como erradamente é suposto, mesmo por alguns politicólogos. O coronelismo se estabelecia de modo vertical, medrado pelo interior, mas com posições no governo central.
Somos, hoje, muito o resultado disso. O sistema político brasileiro adveio de relações de poder com donos. E os donos do Brasil sempre foram ciosos de seus interesses. Para manter suas vantagens, geriram a Nação como lhes pareceu conveniente.
Ademais da apropriação de bens públicos, houve golpes, violência armada contra manifestações populares, tortura, assassinato. Houve abuso de poder por uso da força bruta e por captura de vontades; houve e há, ainda que por outros modos.
Os coronéis típicos sucumbiram diante das condições próprias da vida urbana, mas o controle de máquinas partidárias, de meios de comunicação, de religiões ou de contingentes de eleitores ainda permite formar currais eleitorais e impor candidatos.
Estamos com o Congresso Nacional enfeudado por interesses que não são os da Nação, mas de grupos negocistas ou de indivíduos que representam apenas a si mesmos. Não gostamos disso, mas temos o fato como se fosse um efeito sem causa.
Um conjunto de políticos que sabe se perpetuar no poder é o formado por chefes de partido que se apoderam da sigla e se reservam bases de eleitores que lhes repetem votação, mantendo-os eternamente no Congresso. É o político de ofício.
Outro, é o endinheirado. Elege-se por dispor de recursos. Compra espaços em meios de comunicação, cabos eleitorais, eleitores etc. Esbanja dinheiro e vincula a si deputados estaduais, prefeitos, vereadores etc. Vê a eleição como negócio.
Há também o oligarca convencional. Pessoas com expedientes e importantes em determinada região, principalmente rural, valem-se de sua condição e transformam meios e prestígio pessoal em capital eleitoral. Buscam o “título” de político.
Existe a celebridade. Recebe votos tão somente por gozar de notoriedade. São apresentadores de programas televisivos, radialistas, artistas, religiosos, futebolistas. Em geral são convidados a se candidatar para trazer legenda a uma sigla.
A “moda” é a candidatura de pastor. Um país como o nosso, com mentalidade religiosa e hierarquizada socialmente, é ambiente adequado para votar obedientemente em intermediários de divindades. Direita e esquerda disputam essas figuras.
Políticos religiosos, católicos ou evangélicos, têm tríplice vantagem: contam com o rebanho ordenado de crentes, com a subordinação dos ignorantes, com a notoriedade advinda de púlpitos, os dos templos e os de rádio ou televisão.
Depois, os “companheiros”. O lulopetismo, impulsionado por pastorais da Teologia da Libertação, posteriormente usou máquinas sindicais vinculadas à Central Única dos Trabalhadores, convertidas em trampolim de candidatos do PT, com farto sucesso.
Por último, os reacionários: o bolsonarismo catalisou saudosos da Ditadura, ressentidos sociais, religiosos estremados, direitistas raivosos, grupos urbanos de atuação suspeitosa e um tipo interiorano sedizente ordeiro salvador da Pátria.
Estamos assim: como amoldaram o lulopetismo, os tipos “tradicionais” envolveram o bolsonarismo. Mantendo deletério balanceamento de vantagens sacadas ao erário, tudo é negociata. A República segue capturada por interesses privados.
Então, as brigas de torcidas idolátricas nas redes sociais: ingênuas ou interesseiras, dizem o quanto a coisa pública é tratada com sectarismo, ódio, desdém, subterfúgio, desrazão. Tornamo-nos presas fáceis de estruturas de dominação mental.
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