Houve dissonância cognitiva na interpretação da lei entre a Polícia Militar e o Poder Judiciário de Santa Catarina em face de decisão interlocutória de juiz a qual negou a homologação de certa prisão em flagrante.
A PM, em resposta, produziu um vídeo institucional com o aproveitamento do registro de uma tentativa de latrocínio. As imagens, capturadas pela câmara de casa comercial, mostram cenas dramáticas, impactantes.
Não vi os autos do processo, e nem seria o caso. Interessa-me a publicitação do acontecimento. Não vejo relevância na questão jurídica em si, mas na discussão pública de algo que incomoda a população em geral.
É claro que ambas as instituições tentam cumprir suas funções com obediência à legislação, contudo, assenta-se cada vez mais a percepção de que a Polícia prende marginais e a Justiça os solta.
Nem a PM nem o Judiciário gozam de boa imagem junto à população, conforme pesquisas disponíveis, mas, nessa suposta contenda em que se prenderia e soltaria, o povo fica com a corporação militar.
É claro que a violência brasileira, essa guerra civil que toma as ruas e nos faz refém de um medo difuso, não será resolvida pelo número de prisões efetuadas e confirmadas por quem de obrigação e direito.
A Justiça Criminal não resolverá nossos problemas sociais. O nome dessa mazela é a histórica desigualdade social. Está bem, isso é sabido e deveria ser a preocupação prioritária de toda pessoa sensata. Mas, e enquanto isso?
A PM catarinense garante que esteve no encalço de um bandido perigoso por nove horas, até prendê-lo, e a Justiça diz que liberou o assaltante porque nove horas entre o fato criminoso e a prisão descaracterizam o flagrante.
O comandante-geral, Paulo Henrique Henn, diz que o “vídeo é um grito de alerta da corporação do Estado. Se a comunidade acredita em nós, se confia, ela passa a nos respeitar, a participar desse processo, dando informações.
A sociedade quer uma resposta. Ela quer que a lei tenha força como lei. Cada juiz tem a sua interpretação. Há várias interpretações. Temos buscado que o trabalho do nosso policial lá na ponta seja reconhecido”.
O vídeo reage à decisão do juiz Renato G. G. Cunha: por não estarem “comprovados os indícios de autoria e por não reputar comprovada a situação de flagrância [...], determino a soltura dos conduzidos” (DC, 16/17jul16, editado).
O juiz acaba por decretar a prisão preventiva de um dos acusados. No despacho, alfineta a PM, ressaltando “que há 10 mil prisões decretadas pela Justiça de SC que ainda não foram cumpridas pela Polícia” (DC, 18jul16).
A OAB/SC recomendou ação coordenada dos Poderes, alertando: “o objetivo não é que os órgãos trabalhem juntos, mas sim que entendam o papel do outro e o que cada um pode fazer diante da legislação”.
O presidente do TJSC promoveu reunião de cúpula (juízes e Segurança). Soube-se, por nota, da necessidade da manutenção “do alto nível que sempre marcou e norteou as relações entre os respectivos órgãos” (DC, 19jul16).
Seja, as rusgas foram acalmadas. Mas é bom (ou não) saber: “Enquanto a PM e os juízes não se entendem em SC, o índice de criminalidade no Estado aumenta. Os assassinatos tiveram nova elevação”.
Em balanço divulgado pela Secretaria de Segurança Pública consta “que 65% das vítimas de assassinatos tinham antecedentes criminais, e em 70% dos casos a morte tinha a ver com o tráfico ou uso de drogas”.
O secretário César Grubba afirma que “o fenômeno da reincidência delitiva é preponderante para o aumento dos crimes de homicídio” (DC, 18jul16). O tráfico e a reincidência, portanto, determinam nossos índices de assassinatos.
O tema foge da alçada de quem apenas cumpre lei. É questão de política criminal. Aí incide populismo midiático e demagogia política impingindo ferocidade punitiva. Se as cúpulas falassem disso, estaríamos menos mal.
Imagem Ilustrativa do Post: Mandela's cell // Foto de: Henri Bergius // Sem alterações
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