PIX, Fintech e WhatsApp

17/06/2020

O WhatsApp – por meio do CEO do Facebook, Mark Zuckerberg – anunciou essa semana que o Brasil será o primeiro país do mundo a poder utilizar a nova ferramenta de pagamento instantâneo da plataforma.

A operação conta com parceiros como Nubank, Banco do Brasil, Sicredi, Visa, Mastercard e a Cielo. No arranjo de pagamento do Banco Central, Nubank, Sicredi e Banco do Brasil funcionarão como emissores (cartão de crédito), Visa e Mastercard serão as bandeiras e a Cielo será a adquirente. Tudo isso dentro do sistema “Facebook pay”.

O sistema tem como premissa, portanto, o cartão de crédito/débito, de sorte que a transferência será possível apenas a quem possui cartão e de acordo com os limites estabelecido pelo WhatsApp e pelos emissores.

Ao que parece, as transações entre pessoas físicas terão limite operacional de R$ 1.000,00 (mil reais) por transação, limitado ao teto de 20 (vinte) transações diárias e um limite global de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês. Já em relação às pessoas jurídicas, não existe limite.

A estratégia é fomentar o WhatsApp business e permitir que ele se torne ferramenta importante para as pequenas e médias empresas, que se utilizam da plataforma para angariar clientes e oferecer produtos/serviços.

A partir deste fato, muito se tem falado que a revolução causada pelo WhatsApp afetará os bancos, as bandeiras e o próprio ecossistema de pagamento no Brasil como um todo. Mas será que é exatamente isso?

 

1. Ecossistema de Pagamento no Brasil

O WhatsApp não vai afetar bancos, sociedade e bandeiras. Isso porque ele é dependente do ecossistema de pagamento no Brasil. Ao não oferecer conta de pagamento, ele fica dependente de instituições financeiras/de pagamento, tais quais Banco do Brasil, Sicredi e Nubank. Ademais, pelo mesmo motivo, não pode ele emitir cartão de débito/crédito.

Pela mesma razão, ele não tem potencial para afetar as bandeiras (no caso Visa e Mastercard), na medida em que os cartões continuam a ser essenciais para o pagamento.

Por fim, o WhatsApp também não é adquirente registrado no BANCEN, e por tal razão, dependente da Cielo.

Em síntese, portanto, o WhatsApp não afeta em nada o ecossistema de pagamento no Brasil, se tornando apenas mais uma opção de transação instantânea, tal qual Iti (Itáu), PicPay, dentre outros.

Mas então o que ele pode oferecer? Ele oferece uma plataforma que tem mais de 2 bilhões de usuários no mundo todo. Tudo isso empacotado no “Facebook Pay”, sistema de pagamento com diversas camadas de segurança e criptografia.

 

2. A funcionalidade do WhtsApp é inovadora?

Sim e não. Embora não traga grandes novidades (Google Pay e Apple Pay são bem mais conhecidas e utilizadas, principalmente no Brasil), ela é acoplada, como já dissemos, em uma plataforma gigantesca, que só no Brasil gira em torno de 140 milhões de usuários (aproximadamente 60% da população do país)[1]. Vale ainda lembrar que a plataforma possui acordos comerciais com pacotes de dados ilimitados nas diversas operadoras do país, fazendo com que esta base crescente de usuários possa utilizá-la mesmo quando o pacote de dados se esgotar.

Isso traz a ela vantagem competitiva elevada em comparação com players como PicPay, Iti, PagSeguro, dentre outros, que não possuem uma base de usuários fiel tão elevada e tampouco oferecem um canal de comunicação/vendas entre empresas e pessoas.

No entanto, a necessidade de utilização de cartão de débito/crédito limita bastante a atuação da ferramenta, já que aproximadamente 1/3 (um terço) das pessoas do país não tem contas em bancos (são “desbancarizadas”)[2], o que faz do Brasil top10 no ranking de desbancarização[3]. Na mesma linha, pesquisa do BACEN em 2018 mostra que apenas metade da população do país utiliza cartões de débito/crédito para fazer compras[4].

Portanto, seu fator de inovação está em acoplar o sistema de trocas de mensagem instantânea mais utilizado no mundo com um sistema de pagamento próprio, o que pode vir a afastar concorrentes que vinham se utilizando do próprio WhatsApp para isso (através do envio de QR Codes).

 

3. O fator PIX

O PIX, meio de pagamento instantâneo instituído pelo Banco Central em 2020 e que deve iniciar suas operações em novembro/2020, mudará bastante o ecossistema de pagamentos no Brasil.

Este tipo de sistema irá cobrir as seguintes transações: de pessoa para pessoa (P2P), de pessoa para negócio (P2B), de negócios para negócios (B2B), de pessoa para governo (P2G), de negócio para governo (B2G) e vice-versa[5].

A provável extinção das ferramentas DOC e TED, a vinculação do PIX às contas de pagamento (e não apenas bancárias) e as características inatas do próprio PIX (instantaneidade, possibilidade de pagamento via QR Code, dentre outras) fará com que ele se projete rapidamente como o principal sistema de pagamento do país.

Seu potencial, aliás, pode afetar diretamente as transações baseadas em cartões de débito, que aparentemente se tornam desnecessários na nova realidade, diminuindo assim o mercado do WhatsApp Pay (de maneira geral, as pessoas possuem mais cartão de débito do que de crédito), ao menos nesse modelo original.

Pela Consulta Pública do BACEN, a adesão ao PIX poderá ser feita como provedor de conta transacional (instituição financeira ou instituição de pagamento que oferte conta transacional ao usuário final, inclusive instituição de pagamento não sujeita à autorização de funcionamento pelo Banco Central do Brasil) ou ente governamental (Secretaria do Tesouro Nacional).

No primeiro caso, a participação será obrigatória (art. 23) às instituições financeiras e as instituições de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil com mais de quinhentas mil contas de clientes ativas, consideradas as contas de depósito à vista, as contas de depósito de poupança e as contas de pagamento pré-pagas.

Facultativamente, poderão participar (arts. 23 e 24) (i) as instituições financeiras e as instituições de pagamento autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e a Secretaria do Tesouro Nacional deverão aderir às regras, às condições e aos procedimentos estabelecidos neste Regulamento e (ii) as instituições de pagamento não sujeitas à autorização de funcionamento ou em processo de autorização de funcionamento pelo Banco Central do Brasil, mediante o preenchimentos dos requisitos previstos no art. 24, inciso II (dentre os requisitos, encontra-se a obrigação de possuir capacidade técnica e operacional para cumprir os deveres e as obrigações previstos neste Regulamento e de comprovar integralização de no mínimo R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) de capital).

 

4. Open Banking

A partir de junho/2020 (início da vigência da regulação), os dados pessoais em posse das instituições financeiras reguladas pelo BACEN pertencerão aos respectivos titulares dos dados. Essa premissa poderá trazer importantes novidades para o setor financeiro/bancário do país, a esteio do que outros países no mundo vêm fazendo.

Para melhor entender isso, o setor bancário do Brasil é altamente concentrado, com os 5 (cinco) maiores bancos do país detendo 81% dos ativos totais do segmento bancário comercial[6], o que torna o Brasil o segundo país do mundo em termos de concentração bancária, atrás apenas da Holanda[7]. Outra estatística que demonstra a dependência existente no Brasil diz respeito a quantidade de bancos existentes no país. Nos EUA, existem cerca de 6700 bancos[8], ao passo que no Brasil esse número é muito mais baixo[9]. Para efeitos de comparação, a crise de 1929 (“crush” da Bolsa) quebrou 11000 (de um total de 25000) bancos apenas nos EUA[10] (número que o Brasil nem sequer se aproxima, mesmo 100 anos depois).

Seria obviamente simplório demais dizer que os problemas financeiros/bancários do país (alta taxa de juros, “spread bancário”, baixa inovação, tarifas operacionais caras) decorram dessa alta concentração de ativos nas mãos de poucos players. Esse é apenas um dos tantos fatores que ajudam a explicar o quadro atual.

Ainda assim, em um cenário tão concentrado e de baixa concorrência, a expectativa é novos players e modelos de negócio apareçam com o “Open Banking”. Além desses poucos bancos monopolizarem os ativos, eles também monopolizam os dados pessoais de enorme parte da população. Dados estes que incluem (i) seguros de carro, (ii) previdência privada; (iii) investimentos; (iv) salário e renda, (v) número de transações mensais; dentre vários outros.

Todos esses dados podem ser muito bem aproveitados por startups da área (fintechs) que desejem criar modelos de negócio ou oferecer condições diferenciadas. Sem ter acesso a estes dados, a inovação fica bastante prejudicado e concentrada nestes poucos bancos.

É a ideia – grosso modo – por trás do “Open Banking”, cuja regulação imposta pelo Banco Central traz essa obrigatoriedade no compartilhamento dos dados. Daí a esperança e a possibilidade de que venham a surgir novos modelos de negócio e novos players, além de obviamente resultar na redução do custo efetivo de operação de crédito. A ideia, em síntese, é trazer maior agilidade e serviços direcionados – mais baratos e mais eficientes – à sociedade.

Desta forma, com a implementação do Open Banking, aumentará exponencialmente a oferta de novos produtos/serviços a serem oferecidos por fintechs e outros players, provavelmente aumentando a concorrência em relação às ferramentas “pay” das BigTechs (Apple, Google e Facebook).

A conclusão de toda esta análise é que a solução adotada pelo WhatsApp faz total sentido no cenário em que pretende desenvolver a ferramenta empresarial e centralizar nela também o pagamento/recebimento de valores. Aliás, vale dizer que ela já era utilizada para essa finalidade, bastando enviar um QR Code da PicPay por WhatsApp por exemplo para que o pagamento fosse efetuado.

Entretanto, é muito cedo para dizer que ela tem potencial de alterar profundamente o sistema de pagamento nacional, dadas as razões já explicitadas. Diferente seria se ela se tornasse uma instituição financeira ou mantenedora de conta de pagamento. Ou então que criasse um cartão de crédito próprio, sem necessidade de instituição financeira, tal qual a Apple se propõe a fazer....

 

Notas e Referências

[1] Dados disponíveis em https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/tecnologia/2019/12/10/interna_tecnologia,812946/whatsapp-e-a-principal-fonte-de-informacao-dos-brasileiros-indica-pes.shtml#:~:text=Uma%20pesquisa%20realizada%20pela%20C%C3%A2mara,como%20principal%20fonte%20de%20informa%C3%A7%C3%A3o.&text=Mais%20de%20136%20milh%C3%B5es%20de%20usu%C3%A1rios%20no%20pa%C3%ADs%20usam%20o,usada%20juntamente%20com%20o%20Facebook.. Acessado em 16.06.2020.

[2] Dados disponíveis em https://exame.com/seu-dinheiro/um-em-cada-tres-brasileiros-nao-tem-conta-bancaria-diz-pesquisa/. Acessado em 16.06.2020.

[3] Dados disponíveis em https://forbes.com.br/listas/2018/06/10-paises-com-mais-pessoas-sem-conta-bancaria/. Acessado em 16.06.2020.

[4] Dados disponíveis em https://www.bcb.gov.br/content/cedulasemoedas/pesquisabrasileirodinheiro/Apresentacao_brasileiro_relacao_dinheiro_2018.pdf. Acessado em 16.06.2020.

[5]https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Circular&numero=3989 , acessado em 16 de abril de 2020.

[6] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,concentracao-bancaria-no-brasil-tem-leve-queda-em-2018-aponta-bc,70002846579. Acessado em 06.05.2020.

[7] Para efeitos de comparação, os EUA têm 43% de concentração e a China 37%. Dados disponíveis em https://www.folhape.com.br/economia/economia/economia/2018/06/13/NWS,71541,10,550,ECONOMIA,2373-BRASIL-SEGUNDO-CONCENTRACAO-BANCARIA.aspx. Acessado em 06.05.2020.

[8] Dados disponíveis em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/por-competicao-bancos-nos-eua-dao-bonus-para-atrair-clientes.shtml. Acessado em 06.05.2020.

[9] Na falta de uma base de dados sobre a quantidade de bancos em funcionamento no país, a FEBRABAN possui tão somente 120 bancos associados. Disponível em https://portal.febraban.org.br/pagina/3164/12/pt-br/associados. Acessado em 06.05.2020.

[10] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/dezdias/re03.htm. Acessado em 06.05.2020.

 

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