PERSPECTIVAS DA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA NACIONAL NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ

15/05/2022

 Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

A cooperação judiciária nacional.

Em um contexto de massificação de conflitos e extrema morosidade judicial, torna-se fundamental mapear formas de administração judiciária que tornem a gestão processual mais dinâmica e produtiva. Nesse aspecto, a cooperação judiciária se mostra um importante instrumento que apresenta um novo caminho para o cenário jurídico, especialmente no Estado do Pará, cujo Tribunal de Justiça não tem envidado esforços para difundir a teoria e a prática das formas cooperação judiciária.

A cooperação judiciária nacional está prevista nos arts. 67 a 69 do CPC[1] e trata-se de um complexo de instrumentos e atos jurídicos pelos quais os órgãos judiciários brasileiros podem interagir entre si, com tribunais arbitrais, ou com órgãos administrativos, com a finalidade de colaboração para o processamento e julgamento de casos e administração da justiça[2].

Embora a Recomendação nº 38/2011 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ tenha trazido alguns mecanismos de cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário, a cooperação judiciária é instituto sem correspondências no CPC de 1973, tendo sido codificado pelo CPC de 2015.

Observa-se que esse instituto é uma forma desburocratizada de prática de atos entre juízes em regime colaborativo e, nesse caso, importante ressaltar que apesar de sempre ter havido a possibilidade de práticas de atos entre juízes, é a primeira vez em que se legisla como cláusula geral essa possibilidade, ressaltando seu caráter colaborativo e desburocratizado.

Antes dessa positivação no CPC de 2015, a cooperação entre juízes ocorria apenas por solicitação por meio das cartas precatórias, rogatórias e de ordem. As cartas eram consideradas gênero e não espécie, elas eram a única forma de cooperação nacional. Tratava-se de instrumento típico de cooperação cujo conteúdo era atípico[3].

Com o CPC de 2015, a cooperação judiciária passou a ser gênero da qual a carta é espécie. Não obstante a colaboração já existisse de certo modo nos procedimentos das cartas e atos que se cumpriam fora da comarca de origem do litígio, com a nova previsão seu âmbito de aplicação foi significativamente ampliado. Há agora a previsão de outras formas de cooperação além da carta precatória, como o pedido de auxílio direto e a prestação de informações.[4]

Atualmente, além dos arts. 67 a 69 do CPC, a Resolução 350/2020 do CNJ trata sobre o tema de maneira pormenorizada e específica, trazendo à lume primordialmente três figuras relevantes: os núcleos de cooperação, a cooperação interinstitucional e os juízes cooperantes.

De acordo com a Resolução, os núcleos de cooperação são órgãos criados por cada respectivo tribunal, destinados a estabelecer critérios e procedimentos para registro de dados relevantes e boas práticas de cooperação judiciária[5].

Tão importante quanto esses núcleos, é a cooperação interinstitucional, a qual, segundo o art. 16 da Resolução, traz a possibilidade de cooperação entre quaisquer instituições do sistema de justiça, ou fora dele, que possam contribuir para a execução da estratégia nacional do Poder Judiciário, promover o aprimoramento da administração da justiça, a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional, Ministério Público, Defensorias, Procuradorias, dentre outros entes que são descritos na Resolução como aptos a cooperação.

Ressalta-se que, neste ponto, a Resolução foi mais abrangente em relação ao CPC, pois a literalidade dos arts. 67 a 69 pode levar a interpretação de que a colaboração poderá ocorrer somente entre os órgãos pertencentes ao Poder Judiciário. De forma mais ampla, a Resolução expressamente menciona a possibilidade de colaboração para além do Judiciário, trazendo inclusive no rol exemplificativo de entes aptos a cooperar a Administração Pública.

Outra figura importante na Resolução 350 do CNJ refere-se ao Juiz Cooperante, trata-se de magistrado escolhido por cada respectivo tribunal para atuar como “Juiz de cooperação”, o qual funcionará como ponto de contato entre juízes que queiram a colaboração, em especial nos processos que demandam maior complexidade.

A referida Resolução ao trazer especificamente os meios, procedimentos e finalidades da cooperação judiciária, reforça a importância e a necessidade de ampliação e utilização desse instituto pelo Poder Judiciário, pois a facilitação de comunicação entre juízes é um trunfo para superar a dificuldade em demandas complexas.

 

A implementação da cooperação judiciária nacional no Estado do Pará.

A partir da Resolução 350 do Conselho Nacional de Justiça, em que foi iniciada a Rede Nacional de Cooperação Judiciária, houve um estímulo ao Poder Judiciário na promoção de políticas voltadas à implementação das redes de cooperação entre os Tribunais.

Tendo em vista o cenário de incentivo a essas boas práticas voltadas à eficiência para um Judiciário mais célere e efetivo, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará implementou o Núcleo de Cooperação Judiciária, bem como regulamentou a atuação dos juízes de cooperação, por meio da Resolução nº 8 de 30 de junho de 2021.

A regulamentação do núcleo de cooperação no Tribunal de Justiça do Pará tem como objetivo efetivar o ideal da cooperação judiciária nacional, independente das dificuldades que perpassa o Estado, sendo supervisionado pelo Desembargador Roberto Gonçalves de Moura e coordenado pela Juíza Kátia Parente de Sena, além de serem designados Juízes de Cooperação Caio Marco Berardo e Agenor Cássio Nascimento Correia de Andrade e a Juíza de Cooperação Betânia de Figueiredo Pessoa.

O art. 3º, da Resolução nº 8/21, do TJPA, dispõe sobre as atribuições do núcleo de cooperação judiciária, a saber:

I - sugerir diretrizes gerais, harmonizar rotinas e procedimentos de cooperação, consolidar os dados e as boas práticas realizadas no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Pará;

II - informar ao Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária a definição das funções de cada um dos juízes e juízas de cooperação, a fim de que elas constem no cadastro nacional que será gerenciado pelo Comitê;

III - realizar reuniões periódicas com os juízes e juízas de cooperação e incentivar a melhoria dos processos de cooperação judiciária em conjunto com os núcleos de outros tribunais.

A redação das atribuições dos núcleos de cooperação previstas na Resolução do TJ/PA é semelhante ao que dispõe a resolução 350 do CNJ e, na prática, traduz-se como importante instrumento em favor da eficiência e da administração dos processos no Judiciário paraense.

Isso porque, de acordo com o relatório do CNJ em números, o Pará é o sétimo Estado onde se observa o maior tempo entre a tramitação dos processos, em média de 3 (três) a 4 (quatro) anos e quatro meses[6].

Desde a implementação da política de cooperação judiciária no TJ/PA, já se nota um movimento de articulação em prol de atos cooperativos de gestão, administração e eficiência processual.

Exemplo disso, foram os atos de cooperação firmados entre os juízes da 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Vara da Fazenda de Belém, que cooperaram no sentido de definir para fins de emenda à inicial, ou seja, para ajustes de equívocos na petição inicial de processos. Os documentos foram produzidos em razão da existência de mais de uma dezena de ações tramitando nas Varas da Fazenda da Capital[7]. Trata-se de atos de cooperação entre juízos visando o aprimoramento, e consequentemente, a eficiência na tramitação dos processos.

Entre as Varas da comarca de Conceição do Araguaia, foi realizado um ato concertado que possibilitará a cooperação judiciária em matéria probatória nas demandas de seguro DPVAT. Com o ato, os juízes poderão acompanhar a realização das perícias nas Varas, visando agilizar a instrução e julgamento das demandas sobre o tema[8].

Trata-se de uma concertação formal realizada entre juízos, onde há expressamente a referência aos arts. 67 a 69 do CPC, cujo objeto principal é a produção de provas, sendo de trato contínuo haja vista constar expressamente que se trata de um ato com tempo indeterminado de duração.

Imperioso ressaltar que o concerto realizado pode ajudar o Poder Judiciário local a economizar tempo e recursos financeiros, pois, diante de casos repetitivos, como as demandas do DPVAT, é mais eficaz a produção conjunta e unificada de provas para que estas sejam aproveitadas a todos os processos repetitivos em face do mesmo litigante.  

No mesmo sentido, recentemente, os Juízos das Comarcas de Tucuruí e Breu Branco firmaram acordos de cooperação para fins de realizarem a atuação conjunta em face das demandas repetitivas de um mesmo litigante habitual.[9]

No referido ato concertado, os juízes cooperantes ressaltam que tramitam mais de uma centena de processos, movidas em face do mesmo litigante, com fundamento idêntico e mesmos advogados da parte autora.

Isto é, diferentemente do ato concertado anterior, que visava a produção probatória, este ato dos juízes das Comarcas de Tucuruí e Breu Branco, visa a atuação em conjunto na fase cognitiva, pois o acordado foi a concentração nos processos principais, com exceção de eventuais provas a serem produzidas de caráter estritamente pessoal em relação à cada um dos litigantes, de maneira que as provas deveriam ser juntadas nos respectivos processos.

Esses são alguns exemplos de como a cooperação entre juízes pode resultar em uma atuação dinâmica para os jurisdicionados, visando, sobretudo a persecução de um Judiciário eficiente.

Muito embora seja observada notável ampliação de atuação dos sujeitos processuais, tornando o processo menos estático, visualizando-se a possibilidade de atuação das partes de forma mais colaborativa, como as diversas oportunidades de autocomposição durante o deslinde processual, é importante que se fortaleza essas relações consensuais envolvendo a figura do magistrado e de outras instituições.

Diante disso, observa-se que o TJ/PA tem caminhado no sentido de fomentar a articulação de práticas colaborativas entre os juízos, buscando efetivar uma política estratégica do Tribunal que se alinhe às novas diretrizes que o Conselho Nacional de Justiça vem implementando a partir da Resolução nº 350 do CNJ.

 

Conclusão

Nesse sentido, a cooperação judiciária está ligada diretamente a uma melhor eficiência dos tribunais, viabilizando uma articulação otimizada do serviço de justiça e uma maior economia processual que tradicionalmente era vista a partir de uma visão individualizada da unidade judicial e do processo, mas que a partir do instituto da cooperação se expande para a percepção de uma economia processual a partir de atos de acerto para realização de vários atos, ou seja, um acordo prévio para o compartilhamento da prática do ato, e não um pedido ou ordem de um juízo a outro, como nos meios anteriores.

A avalanche de processos que assolam o Poder Judiciário levou à necessidade de se buscarem novas técnicas de gerenciamento visando o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional pelos juízes. Assim sendo, a Resolução nº 350 do CNJ, ao ampliar as formas de cooperação, tem por finalidade a concretização da razoável duração do processo, da efetividade e da eficiência da prestação jurisdicional. Nesse sentido, a cooperação judiciária nacional é um instrumento de técnica de gestão processual que permite o diálogo entre os juízes e órgãos do Poder Judiciário, facilitando a prática de atos processuais entre os órgãos e entidades, tanto dentro quanto fora do Poder Judiciário, a fim de que haja uma política judiciária adequada para responder com eficiência às situações concretas e viabilize uma tutela jurisdicional mais célere e efetiva.

 

Notas e Referências

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Justiça em números 2021. Brasília: CNJ, 2021, p. 205.

DIDIER Jr., Fredie. Cooperação judiciária nacional – Esboço de uma teoria para o direito brasileiro. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.

FERREIRA, Gabriela Macedo. O ato concertado entre juízes cooperantes: esboço de uma teoria para o Direito brasileiro. Civil Procedure Review. v.10, n.3: set.-dez. 2019.

[1] DA COOPERAÇÃO NACIONAL

Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores.

Art. 68. Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual.

Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:

[2] DIDIER Jr., Fredie. Cooperação judiciária nacional – Esboço de uma teoria para o direito brasileiro. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 62.

[3] FERREIRA, Gabriela Macedo. O ato concertado entre juízes cooperantes: esboço de uma teoria para o Direito brasileiro. Civil Procedure Review. v.10, n.3: set.-dez. 2019, p. 20.

[4] FERREIRA, Gabriela Macedo. O ato concertado entre juízes cooperantes: esboço de uma teoria para o Direito brasileiro. Civil Procedure Review. v.10, n.3: set.-dez. 2019, p. 21.

[5] Art. 19, §3º da Resolução: “Caberá aos Núcleos de Cooperação Judiciária de cada tribunal estabelecer critérios e procedimentos para registro de dados relevantes e boas práticas de cooperação judiciária.”

[6] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, Justiça em números 2021. Brasília: CNJ, 2021, p. 205.

[7] Disponível em< https://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Informes/1324152-varas-da-fazenda-da-capital-firmam-atos-de-cooperacao.xhtml> Acesso em 03 de maio de 2022.

[8] Disponível em<https://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Informes/1321159-ato-possibilitara-cooperacao-judiciaria-nas-demandas-de-seguro-dpvat.xhtml> Acesso em 03 de maio de 2022.

[9] Processo nº 0804117-16.2021.8.14.0061 e apensos (1ª Vara de Tucuruí); Processo nº 0804182-11.2021.8.14.0061 e apensos (2ª Vara Cível e Empresarial de Tucuruí);  Processo nº 0801583-67.2021.8.14.0104 e apensos (Vara Única de Breu Branco).

 

Imagem Ilustrativa do Post: Balança // Foto de: Fotografia cnj // Sem alterações

Disponível em: https://flic.kr/p/v3VGTz

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura