Perdemos, acabou, talvez na próxima

07/11/2018

A relevância de formar resistência a Bolsonaro, eleito presidente da República, está, em linguagem jurídica, na esfera do jus sperniandi. A expressão se aplica para galhofar vencidos nos tribunais que recorrem insistentemente.

Quem assim procede, converte inconformismo razoável em estorvo ao funcionamento do Poder Judiciário. O exercício do jus sperniandi, pois, tem um limite que a parte, mesmo legítima para o usar, deve perceber.

Passadas as fronteiras do plausível, insistir no uso do direito de espernear será abuso do próprio direito. O retardamento da aceitação de derrota definitiva é uma manobra especiosa. Não deve ser tolerada.

Em política democrática, dadas as regras do jogo, as partes contenderão dentro delas. Mais assim será se os envolvidos legitimam pelo procedimento, sobretudo pela sua participação, os termos da disputa.

Há, contudo, quem ainda não perdeu a eleição para a Presidência. Bobagem. Os que nos posicionamos contra Bolsonaro fomos derrotados. Não temos o direito de, pretextando resistência, atentar contra o “combinado”.

Se os derrotados nos mantivermos em injustificada desconformidade com o resultado eleitoral, estaremos em litigância de má fé, traindo o contrato constitucional, tentando contornar a soberana vontade popular.

A deslealdade será para com o povo, tão referido quando a sua decisão coincide com a nossa. Ora, “quem ganha, leva”. Recusar, por capricho, o resultado eleitoral é uma questão de natureza psicológica diante da vida.

Na irresignação com a vitória do Outro está embutido um autoritário. Se censurávamos Bolsonaro quando ele arrostava a democracia, dizendo que só reconheceria a própria vitória, não nos é lícito proceder do mesmo modo.

O dedo acusatório de antidemocrático que lhe apontávamos quando ele suspeitava do processo eleitoral, urnas inclusive, deve agora ser dirigido, por quem não sabe perder, precisamente para quem não sabe perder.

Posar de democrata quando vitorioso, é fácil. Importa saber ser democrata na derrota. A possibilidade de derrota é pressuposto do jogo. Quem esteve no certame contando apenas com a vitória esteve no lugar errado.

Então, dados os fatos, silêncio? Nada disso. Deve ser exercida oposição, mas ao governo, quando e se ele errar. A oposição sistemática, a priori, por mera desforra, é um desserviço à vida em comum.

Está claro que cabe preocupação com os destinos das liberdades públicas. Afinal, o pior em Bolsonaro é a sua credibilidade. Significo: ele tentará, por honesta convicção, implementar as absurdidades que profere.

Suponho que durante os anos de seu mandato o conservadorismo pautará a produção legislativa, o autoritarismo dará forma e conteúdo ao que emanar do Palácio do Planalto, haverá orações nos recintos institucionais.

Mas não foi bem isso que ele disse que faria? E não foi isso mesmo que esteve nas “razões” deliberativas do voto de seus eleitores? Então, quanto mais coerente for Bolsonaro, pior. E o pior é que ele parece coerente.

Bem, esse modo de pensar e ser nos venceu. Agora, se os derrotados procedermos igualmente com coerência, devemos principiar com as contas: o que, no nosso fazer e não fazer, contribuiu com a vitória de Bolsonaro?

Não se cuida de localizar culpado. Que a História os indigite. Mas sabemos que há responsabilidades em mandos e desmandos que são fatores conducentes aos, para a minoria, tristes, mas encerrados, resultados eleitorais.

As variáveis incidentes na vitória de Bolsonaro são identificáveis. A primeira, talvez a mais importante, é o crescimento político das igrejas evangélicas. Isso deu-lhe a necessária articulação ideológica para catalisar apoio.

A segunda, a coragem de Bolsonaro de entrar em “bolas divididas”. Nossos políticos escapam de assuntos polêmicos. O Capitão, além de se posicionar nas polêmicas existentes, criou e se posicionou em mais algumas.

Isso forma torcida. A torcida de Bolsonaro é personalíssima, assim como o foram as de Jânio Quadros, Fernando Collor e Lula da Silva. Temos tradição de incentivar culto à personalidade. Bolsonaro tem antecedentes.

Terceira, os governos petistas roubaram como “nunca antes na história deste país”. Roubo, ostentação, rastro. A exposição à execração pública do PT, tudo bem documentado, deu argumentos consistentes a Bolsonaro.

Quarta, a sempre dividida esquerda. “Todo mundo” sabia: Ciro era o candidato viável. Os interesses do Lula prevaleceram sobre as pesquisas. As chances ficaram fora do segundo turno. Perdemos. Acabou. Talvez na próxima.

 

 

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