Minha carteira, eu a perdi em três oportunidades. Nunca me dei conta da perda; antes da aflição, sempre fui ‘avisado’. Não obstante prometer-me cuidados, sobretudo pelo que me aborreceria o refazer documentos, sou reincidente.
A primeira foi em Cuba. Bateram na porta do quarto. Um casal que falava uma língua que não identifiquei e não entendia nenhuma das que eu me esforçava em falar, para minha surpresa, apresentou-se com ela e me a devolveu.
A segunda vez foi em Washington. Eu lia no saguão de um hotel e uma moça me observava com atenção. Ousei, fui a ela. Ganhei um sorriso condescendente com meu atrevimento e a notícia: “Estou com a sua carteira”. Era brasileira.
A terceira foi em Florianópolis. Antes de perceber que não a detinha, meu telefone registrou chamadas, minha filha recebeu a notícia, minha mulher foi avisada. Quem a encontrou cuidou atenciosamente de informar que a encontrara.
Perda de carteiras, aliás, confere corrupção. “O que poderia medir a honestidade de uma cidade? Para a Reader’s Digest, um teste baseado em ‘devolução’ de carteiras. Em 16 metrópoles, repórteres deixaram cair no chão 12 carteiras.
Elas continham 50 dólares e telefone para contato. Na Finlândia se restituíram 11; no Brasil, 4. Em Portugal, uma foi devolvida; boa ação de casal holandês. Madri, duas. Mumbai, 9, à frente de Nova York e de cidades europeias”.
A autora da matéria (https://goo.gl/T8AGRZ) que edito, Paloma Savedra, entende que o teste revelou que a honestidade não está atrelada a poder econômico, dado que Mumbai, Índia, é pobre. Eu não me apressaria nessa correlação.
Catherine Haughney, editora da RD: “A idade não é um fator de previsibilidade; homens e mulheres foram imprevisíveis; o poder econômico relativo pareceu não ser garantia de honestidade” (Luís Santos, https://goo.gl/xFZ2rQ).
Teste diferente, mas que também lança mão de carteiras ‘perdidas’, foi realizado pela ABC News em Miami. Atores ‘encontraram’ e entregaram 31 carteiras com dinheiro e identidade para 31 policiais. Nove subtraíram o dinheiro e foram punidos.
A ABC News replicou, 30 anos depois, o teste de integridade em Los Angeles e em Nova York. Um total de 20 carteiras foi entregue a policiais de cada cidade. Todas as 40 foram encaminhadas aos proprietários sem falta de dinheiro.
Não está claro se os policiais se tornaram mais éticos, ou se agiriam com correção por suspeitarem de que estavam sendo testados. De toda sorte, parece inegável o efeito dissuasivo de práticas corruptas (Steve Rothlein, https://goo.gl/P1FEtu).
Tais testes inspiraram as 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal (https://goo.gl/ekXYZF). Na parte relativa à “Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação”, lê-se (editado):
“Testes de integridade, isto é, a ‘simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública’.
O pressuposto desses testes não é a desconfiança em relação aos agentes públicos, mas sim a percepção de que todo agente público tem o dever de transparência e accountability, sendo natural o exame de sua atividade”.
O MPF argumenta apropriadamente que a realização desses testes é incentivada pela Transparência Internacional e pela ONU, o que é verdade. Erra, contudo, quando propõe atrelar a si a sua realização por qualquer autoridade:
A aplicação dos “testes pode ser feita por órgãos correicionais e cercada de cautelas, incluindo a criação de uma tentação comedida ao servidor, a gravação audiovisual do teste e a comunicação prévia de sua realização ao MP [...]”.
Nisso vejo empáfia do MPF, uma presunção de honestidade que seria exclusiva dos membros dessa instituição. Tais verificações podem ser feitas por qualquer autoridade e, a meu ver, precipuamente por entidades não governamentais.
É assim que funciona no mundo. Esse funcionamento inspirou o MP. Tais testes, ademais, podem e devem ser aplicáveis a quem quer que sirva ao Estado, inclusive aos membros do MP, por autoridades da sua hierarquia, ou não.
A Reader’s Digest ‘perdeu’ 192 carteiras; 90 foram devolvidas. A edição canadense da revista avaliou: “em todo o lado há pessoas honestas e desonestas”, mas é “verdadeiramente inspirador ver que há muita gente honesta no mundo”.
Não há honestidade ou desonestidade em uma instituição, mas nas pessoas que nela trabalham. Ninguém se torna corrupto por ser político, mas muitos corruptos são eleitos políticos. Concurso ou voto não fazem culpados ou inocentes.
Ninguém está à parte do bem ou do mal por efeito de cargo. Muitos corruptos ocupam cargos no Brasil, nos Três Poderes. A fiscalização adequada é a de todos sobre todos, sobretudo da Sociedade sobre a burocracia estatal.
Não fiz teste. Perdi 3 vezes minha carteira, devolvida sempre com correção, 2 vezes por pessoas brasileiras. Não é tanto, mas estou orgulhoso. Restei – ou desejo restar – convencido de que a Sociedade dará jeito nela mesma. E no Estado.
Imagem Ilustrativa do Post: Wallet (340/365) // Foto de: Andy Rennie // Sem alterações
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