PERCEPÇÃO E DETECÇÃO DE DANOS PSICOSSOCIAIS NO AMBIENTE LABORATIVO: UM GANHO NA RELAÇÃO DE TRABALHO

03/03/2020

Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

O modelo produtivo atual, advindo do sistema capitalista, faz com que a relação de trabalho seja eminentemente desigual e, dessa forma, há necessidade do Estado intervir nesta relação para que se evite uma opressão da classe detentora do poder econômico.

A intervenção estatal, na relação de emprego, passa por garantir aos empregados uma proteção da saúde física e mental, ou seja, o empregador deve adotar formas de assegurar que a exploração de uma atividade econômica ocorra sem trazer prejuízo àquele que efetivamente realiza o trabalho.

No entanto, para que haja a garantia dessa proteção, o empregador deve ter ciência sobre como agir, bem como, quais as práticas que devem ser adotadas para atingir seu objetivo e preservar a saúde mental de seus empregados.

As normas de saúde e segurança do trabalho não se mostram suficientes para analisar o dinamismo de como a prestação do trabalho desenvolve nos dias de hoje.

Ademais, pode-se notar que os transtornos mentais têm uma etiologia multicausal em que conjuntos de diversos fatores interagem de modo complexo[1].

O trabalho moderno faz com que recaia sobre o empregado a exigência de possuir múltiplas competências técnicas, sociais e emocionais, fazendo com que os trabalhadores, que não se adaptam a esta realidade, degenerem-se de forma rápida[2].

Neste sentido, Dejours aponta que não existiriam doenças mentais específicas ligadas ao trabalho, mas isso não significa que a organização do trabalho não possui relevância nas doenças mentais, mas a estrutura psicológica de cada trabalhador irá influenciar a sua ocorrência ou não[3].

Le Guillant coloca o foco na importância das condições do homem em seu meio e afirma ser difícil separar o que parece ser particular à pessoa e aquilo é referente ao grupo que ele compõe[4].

No entanto, é certo que a detecção prévia de um sintoma, que pode levar a uma lesão à saúde mental, também se mostra necessária para que o empregador possa adotar medidas de cuidado e tratamento prévio, evitando a eclosão de um mal maior.

Muitas vezes as doenças psicossociais dos trabalhadores são relegadas a uma preocupação secundária, pois os empregadores estão mais propensos, e acostumados, a cuidar dos aspectos ergonômicos do trabalho, mas não das questões ligadas à mente do trabalhador, motivo pelo qual se faz importante a presente discussão.

Ademais, em eventual ocorrência de moléstia mental, o empregador deve ter conhecimento da maneira como isso pode se dar de forma inicial para que o trabalhador preserve sua saúde e para que a doença não evolua.

Em palestra proferida pelo professor José Pastore, em 2011, no Tribunal Superior do Trabalho, foi estimado que, para as empresas, os custos referentes aos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais chegaram, em 2009, ao valor de 41 bilhões de reais[5].

Tais custos são aqueles decorrentes da reposição do trabalhador afastado, seja com nova contratação, seja com pagamento de horas extras dos que estão ativos, recuperação do trabalhador, gastos com plano de saúde, além de outros decorrentes da área da medicina e segurança do trabalho.

Existem ainda repercussões de outras ordens, tais como, aumento do SAT (Seguro de Acidente do Trabalho) que, diga-se, em 2009 as empresas gastaram cerca de R$ 8,2 bilhões com o pagamento do referido seguro[6], pagamento do FGTS enquanto perdurar o afastamento do empregado acidentado e a própria reabilitação pelo INSS, pois esta autarquia não consegue realizar.

Isso sem contar os inúmeros trabalhadores doentes que estão à margem de uma regularidade jurídica, pois seus contratos de trabalho não são formalizados e, dessa forma, estas pessoas batem às portas do INSS para recebimento de auxílio do seguro social ou ficam sujeitos à boa intenção de terceiros (por exemplo, esmola).

Estimou, o ilustre professor, que em 2009 os gastos da Previdência Social com o pagamento de benefícios acidentários e aposentadorias especiais, foram estimados em cerca de 14 bilhões de reais que, somados ao custo das empresas de 41 bilhões de reais, tem-se o total de 55 bilhões de reais[7].

Em notícia veiculada pelo sítio da internet do Senado Federal, no ano de 2015 houve o registro de 704 mil ocorrências de acidentes do trabalho no Brasil, tendo 3 mil casos de mortes, gerando um gasto de 10 bilhões de reais por ano com indenizações e tratamentos decorrentes de acidentes de trabalho[8].

 Além do custo financeiro da empresa é inegável a existência de um prejuízo ao trabalhador, seja financeiro, considerando que em algumas ocasiões existe uma perda de remuneração, seja de qualificação profissional, além de trazer grande indecisão sobre o futuro produtivo, pois a recuperação é muitas vezes demorada ou não ocorre.

Dados da Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) de 2009 demonstram que os afastamentos decorrentes de Transtornos Mentais e do Comportamento ocupam o terceiro lugar em número de auxílios-doença concedidos, sendo que metade foram devidos a transtornos do humor, e 80% são decorrentes depressão[9].

Nota-se ainda um aumento do número de afastamentos por depressão, pois em 2006, o total era de 389 casos. Em 2007, ano em que se implementou o nexo técnico epidemiológico perante o INSS registrou 3.601 diagnósticos de depressão e 291 casos de transtornos depressivos. Já no ano de 2008, o número foi 5.208 casos de episódios depressivos e 981 casos de transtornos depressivos recorrentes[10].

Elisabethe Cristina Borsonello et al, indica a ocorrência de estresse em trabalhadores afastados por acidente de trabalho, mesmo que haja tratamento e acolhimento de familiares e amigos, tendo até concluído que em muitos casos existia a produção de sintomas para evitar o retorno ao trabalho[11].

Em estudo realizado por João Silvestre Silva-Junior, com pacientes, segurados da previdência que requereram auxílio previdenciário por transtornos mentais, os mais frequentes foram transtornos depressivos (40,4%)[12].

Sobre os fatores psicossociais, prevaleceu trabalho de alta exigência (56,5%), baixo apoio social (52,7%), desequilíbrio esforço-recompensa (55,7%) e comprometimento excessivo (87,0%)[13].

Dessa forma, podemos notar que os números de trabalhadores vítimas de transtornos mentais ligados ao trabalham apresentam grande evolução e isso causa um grande impacto no âmbito da saúde do trabalhador, na produção empresarial e na assistência da saúde prestada pelo Estado.

Diante dos números que se apresentam, e da constatação do aumento de transtornos mentais ligados ao trabalho, demonstra-se que os empregadores não estão preparados em identificar, na sua atividade, os fatores que podem desencadear problemas psicológicos.

As áreas de segurança do trabalho das empresas estão mais acostumadas em identificar riscos à ergonomia, à salubridade e à incolumidade física do trabalhador, não havendo, via de regra, um protocolo ou uma regulamentação referente à saúde mental do trabalhador.

Valéria Salek Ruiz et tal aponta que o conhecimento sobre os riscos que os empregados estão expostos, apesar de importantes, não se mostram “suficientes para abordar os riscos não ‘objetiváveis’, os ainda não conhecidos, os imprevistos, os fatores psicossociais, enfim, as dimensões imateriais do trabalho”[14].

Dessa forma, há necessidade de ações de vigilância da saúde mental do trabalhador, para que se possa identificar fatores como situações estressantes no ambiente de trabalho, cargas psíquicas de trabalho, fatores psicossociais do trabalho, assédio moral e sexual, trabalho com agentes químicos que atuem no Sistema Nervoso Central, ocorrência de doença ocupacional e acidente de trabalho, ou ainda, a visualização de acidentes com terceiros.

Tal análise passa por verificar a organização do trabalho, as fontes de risco do posto de trabalho, a atividade realmente realizada e não somente aquela que consta formalmente nos documentos contratuais, as normas e os procedimentos de cada local, o processo e as tecnologias de trabalho, as matérias-primas, produtos e subprodutos utilizados e resíduos gerados no processo produtivo[15].

Alguns instrumentos de identificação são conhecidos, tais como o Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento – ITRA (que possibilita auxiliar o diagnóstico de indicadores críticos no trabalho), Self Report Questionnaire (SRQ-20), para avaliar a presença de Transtornos Mentais Comuns – TMC, Teste Cage, utilizado para detecção de uso problemático do álcool, Questionário De Atos Negativos – Qan, que medem quantas vezes o entrevistado, durante os últimos seis meses foi submetido a uma série de atos negativos e comportamentos potencialmente ofensivos e o Questionário De Identificação do Usuário e de Condições de Trabalho, utilizado para a construção de rotinas de atendimento em saúde mental e trabalho em pacientes atendidos na rede do Sistema Único de Saúde[16].

Ademais, há necessidade de qualificação das equipes que comandam a prestação de serviços, tanto no trato com os trabalhadores quanto na inteligência na identificação de possíveis riscos no ambiente de trabalho.

Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt, referindo-se a um estudo da OIT, publicado em 2001, indica que seriam 4 os principais fatores de desencadeamento de estresse: controle sobre as responsabilidades, demanda (exigência) do trabalho, características pessoais e apoio social[17].

Assim, havendo um maior controle sobre as responsabilidades do empregado menor será o seu nível de estresse. E, em contrapartida, quanto maiores as exigências do trabalho seriam mais elevados os níveis de estresse[18].

Ademais, interferem na prevenção do estresse, o apoio social, ou seja, a interação, o treinamento e o aprendizado, bem como, características pessoais, personalidade, conhecimento, atitudes, qualificação, estilo de vida, capacidade de lidar com situações[19].

O empregador ainda deve manter um diálogo constante com os trabalhadores, utilizando ferramentas, tais como linhas telefônicas sem identificação, caixas de reclamações/sugestões para que eventuais práticas abusivas, que possam causar danos psicológicos, sejam conhecidas.

Uma organização do trabalho pode ser configurada de forma a ser bastante acolhedora, de modo que os trabalhadores possam se sentir seguros e singulares, que possam exerçam sua criatividade, com orgulho no serviço que prestam e com reconhecimento de suas habilidades e responsabilidades[20].

Para a empresa, cuidando da salubridade mental do ambiente e saúde mental dos seus trabalhadores, terá um ambiente de trabalho saudável, não tendo que lidar com perda de força de trabalho decorrente de absenteísmos ou presenteísmos, que podem comprometer a sua produtividade.

Em interessante estudo sobre a importância de um bom relacionamento interpessoal nas organizações, Carolina Garcia Cardozo et al., concluiu que um bom ambiente de trabalho resulta em uma maior motivação das pessoas, potencializando o atingimento de resultados da empresa, bem como, promove o crescimento pessoal e profissional dos trabalhadores[21].

Ocorrendo uma maior produtividade empresarial, inicia-se um ciclo virtuoso com crescimento econômico, investimentos e geração de emprego e renda para a sociedade.

Para o Estado, ele deixa de ter um maior gasto com o tratamento das pessoas, pois não precisará mais cuidar da demanda de trabalhadores doentes que, muitas vezes, não conseguem retornar ao emprego, havendo, dessa forma, reflexos também na área previdenciária e da assistência social.

Além disso, com uma maior produtividade empresarial, o crescimento de impostos tende a aumentar, ocorrendo maior arrecadação estatal.

 

Notas e Referências

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[1] JACQUES, Maria da Graça. O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho: uma demanda para a Psicologia. Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 1: 112-119, 2007 p. 115.

[2] HELOANI, José Roberto; CAPITÃO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 17, n. 2, jun. 2003, p. 103.

[3] DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho. Ed. Cortez. 6 ed. São Paulo, 2015, p. 158-159.

[4] LE GUILLANT, Louis. Escritos de Louis Le Guillant. Da Ergoterapia à psicopatologia do trabalho. Ed. Vozes. Petrópolis, 2006, p. 28.

[5] PASTORE, José. O custo dos acidentes e doenças do trabalho no Brasil. Palestra. 2011. Disponível em http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_320.htm. Acessado em: 01/02/2020.

[6] Idem ibidem.

[7] Idem Ibidem.

[8] BRASIL. O Brasil gasta R$ 10 bilhões por ano em acidentes de trabalho, diz especialista. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/04/28/o-brasil-gasta-r-10-bilhoes-por-ano-em-acidentes-de-trabalho-diz-especialista. Acesso em: 03.02.2020.

[9] JARDIM, Silva. Depressão e trabalho: ruptura de laço social Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, p. 87.

[10] JARDIM, Silva. Depressão e trabalho: ruptura de laço social Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, p. 87.

[11] BORSONELLO, Elizabethe Cristina et al., A influência do afastamento por acidente de trabalho sobre a ocorrência de transtornos psíquicos e somáticos. Psicol. cienc. prof., Brasília, 2002, p. 7

SILVA-JUNIOR, João Silvestre; FISCHER, Frida Marina. Afastamento do trabalho por transtornos mentais e estressores psicossociais ocupacionais. Rev. bras. epidemiol., São Paulo,  v. 18, n. 4, p. 735-744, 2015, p.  736.

[13] Idem ibidem.

[14] RUIZ, Valéria Salek; ARAUJO, André Luis Lima de. Saúde e segurança e a subjetividade no trabalho: os riscos psicossociais. Rev. bras. saúde ocup., São Paulo ,  v. 37, n. 125, p. 170-180,  Jun  2012 p. 171.

[15] BAHIA. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Protocolo de atenção à saúde mental e trabalho, 2014. Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/276627/. Acesso em: 01.02.2020.

[16] Idem Ibidem.

[17] SCHIMIDT, Martha H. F. de Mendonça. Trabalho e Saúde Mental na Visão da OIT. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.51, n.81, p.489-526, jan./jun.2010, p. 490.

[18] Idem Ibidem.

[19] Idem Ibidem.

[20] PINTOR, Eliana A. S. Sofrimento mental em vendedores na Grande São Paulo: a destituição do ser pela organização do trabalho. Rev. bras. saúde ocup.,  São Paulo,  v. 35, n. 122, p. 277-288,   2010.  p. 287.

[21] CARDOZO, Carolina Garcia; SILVA, Leticia Oliveira Silva. A Importância Do Relacionamento Interpessoal No Ambiente De Trabalho. Interbio v.8 n.2, Jul-Dez, 2014, p. 33.

 

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