Penhora de arrecadação condominial: aplicação analógica dos arts. 635, X c/c art. 866 do CPC 

05/06/2018

 Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Cobrar condomínio edilício pode ser uma tarefa árdua. Há ampla rede de serviços no mercado condominial, p. ex., segurança, manutenção de elevadores e limpeza. Mas basta o condomínio deixar de pagar suas dívidas para os credores enfrentarem um obstáculo: qual o patrimônio de um condomínio edilício?

Obviamente não estamos aqui tratando dos condomínios equilibrados financeiramente que possuem reservas bancárias em nome próprio. Essas são atingíveis pela penhora eletrônica de ativos financeiros (art. 854, CPC). Mas não raramente esses recursos ficam depositados em favor de uma administradora, dificultando sua penhora – essa confusão patrimonial justifica outro artigo, portanto não iremos aqui abordá-lo. Ou simplesmente o condomínio não possui reservas – algo extremamente comum.

Além de pouco dinheiro, condomínios edilícios em regra não possuem patrimônio imobiliário penhorável. A área comum deles é de “uso comum dos proprietários... constituirão condomínio de todos e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade” (art. 3.º da Lei n.º 4.591 de 1964). Por isso mesmo é comum que a jurisprudência entenda que “não pode ser objeto de penhora a parte ideal situada na área comum do condomínio, porque dada a sua peculiaridade, não é passível de alienação”[1].

Nesse quadro os processos contra condomínios, ainda que exitosos na fase de conhecimento, acabam tendo o gosto amargo do “ganhou mas não levou” na fase de execução. Em clara contrariedade ao comando do 4.º do CPC segundo o qual “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, “o que significa dizer que não basta obter-se a sentença em tempo razoável, devendo ser tempestiva também a entrega do resultado de eventual atividade executiva”[2]. Em outras palavras, o processo civil moderno inadmite entraves à efetivação das sentenças judiciais. A execução precisa ser tão eficaz quanto o conhecimento, ambos em tempo razoável (art. 5.º, LXXVIII, CF).

Existem algumas formas de resolver o entrave acima apresentado e aqui iremos tratar de uma delas: a aplicação analógica da penhora de faturamento da empresa (art. 635, X e 866 do CPC) sobre a arrecadação condominial ordinária.

Obviamente condomínios edilícios não são empresas. Todavia, assim como qualquer empresa, condomínios possuem receita. Ela provém das quotas ordinárias, pagas por cada condômino por força do art. 12 da Lei n.º 4.591 de 1964 e art. 1.336, I, do Código Civil. Portanto, quando um condomínio possui uma dívida, a boa-fé impõe ao síndico que rateie essa dívida e efetue o pagamento. Mas na realidade esse ato raramente acontece. A quota ordinária segue sendo paga para o custeio das despesas essenciais (p. ex., folha de pagamento e luz da área comum) e a dívida não é paga. O que também ocorre com as empresas, que faturam sem direcionar recursos para pagar suas dívidas. O remédio, portanto, deve ser o mesmo.

E o remédio é determinar a penhora de um percentual da arrecadação mensal do condomínio, nomeando um administrador judicial que materializará operacionalmente a penhora e apresentará ao juiz mensalmente a prestação de contas do pagamento feito. Inclusive, essa medida, que apenas parece excessivamente gravosa, redundará somente no rateio extra e temporário de 10 a 30% sobre a quota ordinária condominial, diluído por cada unidade autônoma. Em verdade, uma medida que espontaneamente os condôminos deveriam ter feito e não fizeram. 

Acerca da literalidade da lei permitir penhora de faturamento de empresa, Araken de Assis explica que “o art. 866 só alude à penhora de faturamento de empresa, mas é claro que o regime aplicar-se-á, mutatis mutandis, às sociedades simples e associações que, em razão da prestação de serviço, disponham de faturamento”[3].  Efetivamente, a interpretação teleológica induz à possibilidade da penhora de receita do condomínio assim como da empresa. Além disso, é o caso de aplicarmos a máxima hermenêutica segundo a qual prefere-se “a inteligência dos textos que torne viável seu objetivo, em vez de que os reduza à inutilidade”[4].

O Tribunal de Justiça de São Paulo possui precedentes que autorizam a medida que aqui defendemos:

“CONDOMÍNIO EDILÍCIO – Ação indenizatória – Fase de cumprimento de sentença – Decisão de Primeiro Grau que deferiu a penhora sobre arrecadação das verbas condominiais do executado, em percentual a ser indicado pelo perito nomeado pelo Juízo – Posicionamento acertado – Frustrada a tentativa de penhora “on line”, justifica-se a que recai sobre percentual da verba condominial arrecadada, em analogia à penhora de faturamento, com nomeação de depositário em Primeiro Grau – Ausência, por ora, de caracterização de prejuízo à massa condominial, já que o perito indicará o percentual de penhora que entende devido – Recurso não provido, mantendo-se a r. decisão guerreada.[5]

 “DIREITO PROCESSUAL. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE PARTE DA ARRECADAÇÃO MENSAL CONDOMINIAL. CABIMENTO. REDUÇÃO, CONTUDO, DO PERCENTUAL DA CONSTRIÇÃO, LIMITANDO A VERBA À TAXA CONDOMINIAL ORDINÁRIA. No caso em tela, foi primeiramente determinado o bloqueio “on line” de valores, depois apresentada proposta de acordo pelo devedor que restou infrutífera, ausente, enfim, notícia acerca de outros bens passíveis de penhora. Considerando-se, assim, que o objetivo da execução é a satisfação do credor, tem-se que a penhora sobre parte da arrecadação mensal do condomínio em analogia à penhora sobre “percentual do faturamento de empresa devedora” (NCPC, art. 655, VII do CPC/73) é solução mais acertada para o caso concreto. Contudo, afigura-se razoável, por ora, a penhora apenas sobre 15% da arrecadação condominial e não 30% como foi determinado e que tal percentual incida somente sobre a taxa ordinária de condomínio, excetuadas as parcelas relativas a fundo de reserva e rateios extraordinários. Recurso parcialmente provido.[6]

Devemos ainda apontar o requisito legal de o credor provar que “o executado não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado”. A penhora de percentual de arrecadação não poderá ser a primeira opção do credor. Trata-se de medida extraordinária, a ser utilizada em casos em que restar comprovado pelo credor que o executado “não possui outros bens penhoráveis ou, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado”. Portanto é recomendável a tentativa prévia de penhora de ativos financeiros assim como o requerimento de intimação para que o condomínio informe quais bens possui passíveis de penhora (art. 774, V, CPC). Após, não obtendo êxito em encontrar bens suficientes, a via da penhora da arrecadação estará aberta.

Caso o síndico do condomínio se negue a cumprir a ordem judicial e crie embaraços para a atuação do administrador judicial entendemos ser facultado ao juiz, com base no art. 139, V, do CPC, destituir temporariamente o síndico, impondo em seu lugar o administrador judicial, ao menos até a dívida ser paga. Obviamente essa medida é ainda mais excepcional do que a penhora da arrecadação, porém necessária na hipótese de descumprimento da ordem judicial para assegurar a atividade satisfativa, legalmente garantida ao credor pelo art. 4.º do CPC.

Por tudo quanto foi exposto entendemos possível a aplicação analógica da penhora de faturamento prevista nos arts. 635, X c/c art. 866 do CPC para permitir a penhora da arrecadação do condomínio edilício. 

*Advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mestre e Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Professor e autor de artigos jurídicos. Sócio do K.A Advogados (www.kaadvogados.com.br). Parte da pesquisa jurisprudencial citada neste artigo foi feita pela advogada Amanda Massabni Massaroppe que também revisou este artigo.

Notas e Referências

[1] TJSP; Agravo de Instrumento 9001488-32.2003.8.26.0000; Relator (a): Antonio Maria; Órgão Julgador: 5a. Câmara do Terceiro Grupo (Extinto 2° TAC); Foro Regional II - Santo Amaro - 3ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 22/10/2003; Data de Registro: 31/10/2003

[2] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2016, p. 8.

[3] Manual da execução, 18.ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 992.

[4] MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito, 19.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002,  p. 203.

[5] TJSP, AI nº 2197233-15.2016.8.26.0000, Rel. Carlos Nunes, 31ª Cam. de Dir. Privado, j. 18/10/2016.

[6] TJSP, AI nº 2022557-54.2017.8.26.000, Rel. Gilberto Leme, 35ª Cam. de Dir. Privado, j. 12/06/2017.

 

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