PELA EXTINÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

26/06/2024

A regra para escolha do tipo de regime de bens a ser adotado no casamento e união estável é a plena liberdade dos nubentes e companheiros, não estando estes, inclusive, adstritos às tipificações do Código Civil (art. 1.639, do Código Civil).

Atualmente, não optando pelo regime de comunhão parcial de bens, devem os nubentes se valer do pacto antenupcial lavrado em Tabelionato de Notas (art. 1.653, do Código Civil) e os companheiros devem contratar entre si (art. 1.725, do Código Civil).

Excepciona a regra da liberdade de escolha, a imposição do regime de separação de bens, previsto no art. 1.641, do Código Civil, ao prevê o seguinte:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

As justificativas para a imposição do regime de separação obrigatória nas hipóteses previstas em lei estariam na pretensão de impedir a confusão patrimonial em determinadas núpcias, com o escopo de preservar os interesses individuais de cada nubente, em face de suposto interesse público. Todavia, não passam de hipóteses sancionatórias encontradas pelo legislador para restringir a disposição patrimonial de determinadas pessoas.

Em especial a situação da pessoa idosa maior de 70 (setenta) anos de idade, em recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), consignou-se no ARE 1309642/SP que a imposição do regime de separação de bens (regime de separação legal) viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, e “deve prevalecer à falta de convenção das partes em sentido diverso, mas que pode ser afastada por vontade dos nubentes, dos cônjuges ou dos companheiros. Ou seja: trata-se de regime legal facultativo e não cogente” (STF, 2024).

Com isso, referido Recurso Extraordinário firmou a seguinte tese (Tema 1236): “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.

A discussão do ARE 1309642/SP que se inaugurou sob a perspectiva da (in)constitucionalidade do inciso II, do art. 1.641, do Código Civil, embora reconheça a violação de princípios constitucionais, findou por manter a vigência do dispositivo legal, fixando apenas a possibilidade de afastamento por convenção entre os nubentes.

Contudo, para além da discussão da constitucionalidade do inciso II, do art. 1.641, do Código Civil, questiona-se a manutenção da existência do próprio regime de separação cogente também aplicável às situações previstas nos incisos I e III do mesmo artigo.

A matéria não é tão debatida quanto foi a questão relacionada às pessoas idosas, mas merece atenção. Inclusive foi discutida na Comissão de Juristas nomeada para tratar da Reforma do Código Civil. A redação final do projeto de lei pendeu pela retirada da separação obrigatória do sistema em todas as hipóteses.

Evidente que todas as situações mencionadas na disposição legal a preocupação central é a proteção patrimonial de alguém.

No inciso I, submetem-se ao regime cogente aqueles que se casam sob alguma causa suspensiva.

As causas suspensivas da celebração do casamento estão estipuladas no artigo 1.523, do Código Civil. Elas determinam que não devem se casar:

1. O viúvo ou viúva que tenha filho do cônjuge falecido, até que seja feito o inventário dos bens do casal e feita a partilha aos herdeiros;

2. A viúva ou mulher cujo casamento foi nulo ou anulado, até dez meses após a viuvez ou dissolução da sociedade conjugal;

3. O divorciado, enquanto não houver a homologação ou decisão de partilha dos bens do casal;

4. O tutor, curador e seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela e não forem acertadas as contas respectivas.

Essas causas suspensivas podem ou não impedir a celebração do casamento, dependendo da concordância dos nubentes no início do processo de habilitação. Se comprovada a causa suspensiva, o casamento será realizado, porém pelo regime de separação obrigatória de bens. Se não houver comprovação da causa suspensiva, os nubentes podem escolher livremente o regime de bens.

Veja-se que há apenas restrição na escolha do regime de bens, impondo-se o regime de separação legal que poderá posteriormente ser modificado, comprovado o motivo que ensejou sua aplicação (art. 1.639, §2º, do Código Civil).

Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior (2023) apontam que apesar das restrições impostas pelo código, alternativas menos severas poderiam ser consideradas, como a cláusula de incomunicabilidade dos bens existentes, preservando a liberdade de escolha dos cônjuges quanto ao regime de bens e os interesses patrimoniais protegidos pelas causas suspensivas, especialmente no caso da proibição para evitar a confusão de patrimônio familiar, em que um exame laboratorial resolveria a questão. Érica Verícia de Oliveira Canuto (2004) cita a declaração de patrimônio na habilitação para o casamento como alternativa.

Na hipótese do inciso III, do art. 1.641, do Código Civil, àqueles que se casam dependendo de suprimento judicial também é imposto o regime de separação obrigatória.

O suprimento judicial para o casamento aplica-se nas situações em um ou ambos os nubentes são pessoas relativamente incapazes, entre 16 e 18 anos, cujos pais ou tutores não tenham autorizado a celebração.

Porém, como muito bem observam Almeida e Rodrigues Júnior (2023), quando o juiz concede o suprimento judicial, isso significa que os nubentes são considerados aptos para se casar, pois passaram por uma análise detalhada de sua condição pessoal pelo representante do Estado.

E, concluem os autores, ser questionável impor o regime de separação de bens, uma vez que aqueles que têm capacidade para se casar com aprovação judicial também deveriam ter liberdade para escolher o regime patrimonial do casamento.

Tomando esses apontamentos, não há outra conclusão senão que nunca houve justificativa para sustentar o regime de separação obrigatória, limitando injustamente direitos de seus titulares, enquanto o próprio ordenamento jurídico tem meios de garantir essa proteção de interesses de outras formas como almejado pelo legislador.

E sendo buscada a proteção patrimonial, toda classe de bens goza de fácil comprovação quanto à sua aquisição, sejam eles imóveis, móveis, semoventes, veículos, movimentações financeiras, ações, etc. Nas palavras de Flávio Tartuce (2024), “questões relativas a fraudes sejam resolvidas pelos institutos da Teoria Geral do Direito Civil, e de acordo com as peculiaridades do caso concreto (…).

Diante disso, eliminar o regime de separação obrigatória do ordenamento jurídico brasileiro é uma decisão acertada.

 

Notas e referências:

ALMEIDA, Renata Barbosa de, RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito Civil Famílias 3 ed. Belo Horizonte: Editora Expert, 2023.

CANUTO, Érica Verícia de Oliveira. A contradição no regime de separação absoluta de bens. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, n. 26, p. 144-158, out.-nov. 2004.

Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. 2024. Disponível em: ARQUIVO_PORTAL_CJCODCIVIL_8050ComissaoESPComissaoCJCODCIVIL20240415.pdf - Google Drive. Acesso em: 24/06/2024.

TARTUCE, Flávio, A decisão do STF sobre o regime da separação obrigatória de bens e os caminhos possíveis da reforma do CC, 28 de fevereiro de 2024, Disponível em:  https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/402474/decisao-do-stf-sobre-o-regime-da-separacao-obrigatoria-de-bens. Acesso em: 24/06/2024.

STF - ARE: 1309642 SP, Relator: Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 01/02/2024, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-04-2024 PUBLIC 02-04-2024.

 

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