Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira
A prática forense ligada ao Pedido de Suspensão indica que o incidente está normalmente direcionado à continuidade da atividade administrativa e a necessidade de obstar a eficácia da decisão judicial.
A questão a ser discutida neste breve ensaio é se é possível sua utilização em face de decisão judicial de natureza penal, bem como em qual circunstância pode ser formulado por Pessoa Jurídica Privada.
Trata-se de importante instrumento de controle das consequências da decisão judicial, a ser feito pelo Presidente do Tribunal competente para conhecer o respectivo recurso. O pedido de suspensão é, portanto, utilizado com o objetivo de obstar o início ou a continuidade de eficácia de tutela provisória, de sentença, de decisão monocrática ou de acórdão, desde que a situação concreta se enquadre em um dos permissivos previstos nas leis de regência.
Aliás, além da demonstração dos requisitos legais (manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas) é extremamente importante verificar qual a autoridade competente para apreciar o pedido de suspensão, o que deve ser feito levando em conta: a) quem concedeu a ordem judicial; b) a existência de eventual efeito substitutivo recursal; c) a matéria de fundo ser constitucional ou infraconstitucional.
Em termos práticos, as decisões judiciais em desfavor da Pessoa Jurídica de Direito Público podem ser objeto de recurso e/ou de pedido de suspensão. A fundamentação legal para este último, no âmbito do procedimento do mandado de segurança, é o art. 15, da Lei 12.016/09, bem como há previsão do incidente, de maneira mais genérica (especialmente ligado às medidas cautelares), no art. 4º, da Lei 8.437/92.
No tema, vale citar os itens 1 e 2 da Ementa do Acórdão do Supremo Tribunal Federal, na SL 1588 (Rel. Min. Rosa Weber – sessão virtual do Pleno de 10 a 17.03.2023):
“1. O incidente de contracautela, por consubstanciar demanda típica, de fundamentação vinculada, deve ter como causa de pedir as hipóteses próprias ao seu cabimento. A causa petendi há de ser, portanto, a transgressão aos valores e interesses protegidos pela legislação de regência. 2. Constitui ônus indeclinável do autor, ante a natureza excepcionalíssima do incidente de contracautela, a demonstração – que jamais se presume – da efetiva potencialidade lesiva da decisão impugnada. Insuficiente, para esse efeito, a mera alegação superficial e genérica, desacompanhada de prova inequívoca de que o ato decisório que se pretende suspender provoca grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.
No site da Suprema Corte é possível observar, no mínimo, quatro variações deste mesmo fenômeno processual, dependendo da situação jurídica concreta: SL (suspensão de liminar). SS (suspensão de segurança), STA (suspensão de tutela antecipada) e STP (suspensão de tutela provisória).
O pedido de suspensão tem previsão na Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09 – art. 15), na Lei 8.437/92 (art. 4º), além dos arts. 12, § 1º, da Lei 7.347/85, art. 25 da Lei 8.038/90, art. 1º, da Lei 9.494/97, art. 16, da Lei 9.507/97, bem como nos Regimentos Internos do STJ e STF.
Levando em conta que seu objetivo é discutir e analisar conceitos ligados ao interesse público, é fato que sua utilização prática é no ambiente de decisões judiciais não penais. A questão a ser respondida é se o Pedido de Suspensão pode, mesmo que excepcionalmente, ser manejado visando impugnar decisão em processo penal que venha a alcançar os conceitos e valores previstos na legislação de regência.
Aliás, não há previsão expressa na Lei 8.437/92. Contudo, não se pode deixar de afirmar que em processo penal poderá eventualmente ser proferida decisão que cause risco de danos à direitos transindividuais, pelo que está sujeita ao Pedido de Suspensão a ser formulado pelo Parquet.
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão na SS 3361 e no posterior Agravo Regimental que foi julgado, por maioria, pela Corte Especial. Esta é a Ementa do Acórdão (J. em 15.03.2023):
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. EMPRESA UTILIZADA PARA A PRÁTICA DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS. BLOQUEIO DE VALORES FINANCEIROS. COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE VIOLAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. 1. Admissibilidade de suspensão em demandas de natureza criminal somente em caso em que configurada presente excepcionalidade em razão da gravidade manifesta dos fatos, que ocasiona violação do direito coletivo à segurança, conforme entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. 2. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público. 3. Caracterizada a lesão à ordem pública e à economia pública, na medida em que é possível a perda de bens da pessoa jurídica, ainda que esta não conste do polo passivo da investigação penal, em decorrência da verificação de indícios de que tenha sido utilizada para a prática dos crimes em licitações e contratos, podendo ser a destinatária e beneficiária dos proveitos de tais crimes. 4. Não apontou a parte agravante situações específicas ou dados concretos que efetivamente pudessem demonstrar que o comando judicial atual não deve prevalecer com relação ao não reconhecimento de violação dos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência. Agravo regimental improvido.
No Supremo Tribunal Federal também existem pronunciamentos favoráveis ao manejo do Pedido de Suspensão em face de decisão em processo penal, quando configuradas as situações previstas em lei, sendo medida excepcional levando em conta a situação jurídica concreta e as violações ao direito transindividual de segurança pública (SL 972 AgR, Tribunal Pleno, DJe 9/5/2018; SL 1.395 MC, Tribunal Pleno, 4/2/2021).
De passagem, vale transcrever o item 07, do Voto da Exma. Min. Carmen Lúcia na SS 972 AgR/SP (Sessão virtual de 20.4.2918 a 26.4.2018):
7. Reiterada a jurisprudência deste Supremo Tribunal segundo a qual o cabimento de suspensão de liminar em demandas de natureza penal somente se justifica em situações excepcionalíssimas, quando a pretensão deduzida fundamenta-se em direito coletivo à segurança (art. 5º, caput, da CR) e não interesse individual de particular contra decisão cautelar em ação penal originária. Assim, por exemplo: SL n. 1.029, de que fui Relatora, DJe 28.9.2016; SL n. 453, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ 1.12.2010; SS n. 4.380, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ 9.5.2010”.
Em suma: em que pese não ser hipótese diretamente tratada na Lei 8.437/92, excepcionalmente vem sendo admitida a utilização da suspensão no âmbito do processo penal, desde que presentes os requisitos ligados à proteção ao direito coletivo de segurança e não à direito individual voltado à irresignação de decisão judicial subjetiva.
Outra questão polêmica refere-se à utilização deste importante Incidente Processual por Pessoas Jurídicas Privadas (Entes Privados/ Entidades Privadas), especialmente nos casos envolvendo decisões judiciais que possam colocar em risco o interesse público primário decorrente das atividades concedidas ou delegadas.
Não se está aqui afirmando que o Incidente pode ser livremente apresentado pelas Entidades Privadas, mas apenas quando pretendem discutir que a decisão a ser suspensa atinge a sua atuação e os objetivos públicos decorrentes da atividade delegada ou concedida.
O assunto não é novo no Superior Tribunal de Justiça. Importante ilustrar esta polêmica com recentes decisões da Corte Especial.
No AgInt na SLS 3299/DF – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura (J. 26.09.2023 – DJe 02.10.2023), o Colegiado entendeu que havia ilegitimidade ativa em razão da inexistência de delegação de serviço público, como se pode perceber na Ementa do Acórdão:
“AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. INCIDENTE PROPOSTO POR PESSOA JURIDÍCA DE DIREITO PRIVADO. AUSÊNCIA DE DEFESA DE INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA.1. Admite-se a formulação de pedido de contracautela pelas pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, no exercício de função delegada pelo Poder Público, desde que na defesa do interesse público primário correspondente aos interesses da coletividade como um todo. 2. Delegação de serviço público é o instrumento jurídico pelo qual o Estado transfere, por meio de contrato específico, a execução de determinada atividade de interesse público a entidades privadas, mantendo a responsabilidade pela sua regulação e fiscalização. 3. Inexiste delegação de serviço público na hipótese em que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE é o órgão responsável pela gestão do Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior - FIES e a Instituição de Ensino Superior apenas adere ao programa, oferecendo vagas e repassando informações acerca da vida acadêmica do estudante beneficiado. 4. Agravo interno improvido.
Na SLS 3204/SP, a Exma. Min. Presidente Maria Thereza de Assis Moura, ao não conhecer do pedido de suspensão formulado por uma concessionária de serviço público (J. 11.11.2022), afirmou que:
“Desse modo, tem-se que não há relação de pertinência entre a decisão judicial hostilizada, que tutela interesses privados, e o serviço público do qual a pessoa jurídica de direito privado é delegatária, donde se conclui que o deferimento do pedido converteria o incidente suspensivo em sucedâneo recursal”.
Já no AgInt na SLS 3169/RS (Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - Corte Especial – J. em 15.03.2023 – DJe 30.03.2023), o Colegiado novamente asseverou que: “A pessoa jurídica de direito privado delegatária de serviço público somente tem legitimidade ativa para ingressar com pedido de suspensão de segurança na hipótese em que estiver atuando na defesa de interesse público primário relacionado com os termos da própria concessão e prestação do serviço público”.
Ainda no tema, ao apreciar a SLS formulada pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF, a Exma. Min. Presidente do Superior Tribunal de Justiça Maria Thereza de Assis Moura afirmou que:
“A Confederação Brasileira de Futebol, assim como as demais confederações de outras modalidades esportivas, à qual se iguala, não exercem atividade pública, seja pela natureza fática dos seus fins, seja pela ausência de ato normativo que as reconheça como prestadoras de serviço estatal; não desempenham serviço público; não exercem parcela de poder estatal; não são delegatárias e nem concessionárias de qualquer atividade essencial ao Estado ou que se relacione com a Administração Pública; e não administram interesse público primário. E, exatamente por isso, não há hipótese de serem enquadradas nas restritas exceções nas quais se admite que pessoas jurídicas de direito privado manejem a Suspensão de Liminar e de Sentença”.
Não se pode confundir atividade em geral exercida pelos Entes Privados, com aquela ligada ao interesse público primário, especificamente ligada à delegação ou concessão. Apenas neste último caso e de forma absolutamente excepcional, devidamente demonstrado na situação concreta, é que será possível admitir sua legitimidade para o Pedido de Suspensão.
A rigor, portanto, a legitimidade comum é da Pessoa Jurídica de Direito Público, do Ministério Público e, porque não dizer, da Defensoria Pública em situações específicas[1].
Notas e referências
[1] ARAÚJO, José Henrique Mouta e ROCHA, Jorge Bheron. Legitimidade da Defensoria para o pedido de suspensão. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mar-14/tribuna-defensoria-defensoria-publica-pedido-suspensao/ Acesso em 14.12.2023.
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