Peculiaridades da execução da sentença arbitral – Por Geraldo Fonseca de Barros Neto e João Victor Carvalho de Barros

13/01/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

1. Sentença arbitral, título judicial

Não é novidade a atribuição do status de título executivo judicial à sentença arbitral.[1] E nem poderia ser diferente, dada a equiparação entre a sentença arbitral e a judicial prevista no art. 31 da Lei 9307/1996, a Lei da Arbitragem (LArb).

Sendo título judicial, sua efetivação se dá na forma do cumprimento da sentença, regrado no Título II, do Livro I, da Parte Especial do CPC, de forma semelhante à efetivação de uma sentença condenatória judicial. De forma semelhante, mas não idêntica. O que se propõe a fazer daqui em diante é apontar as peculiaridades do cumprimento da sentença arbitral.

2. Petição inicial e não simples requerimento

Falta ao árbitro o ius imperium, o poder de execução. Embora o árbitro tenha a incumbência de reconhecer a obrigação, somente o juiz pode impor, forçadamente, que o devedor a cumpra. Assim, concluída a arbitragem, recusando-se o devedor a cumprir o comando da sentença arbitral, resta ao credor buscar a intervenção judicial, inaugurando uma nova relação jurídica processual.

Para o cumprimento da sentença judicial, precedida da fase de conhecimento, a instauração de fase de execução se dá por mero requerimento, porque já está formado o processo entre aquelas partes. Por outro lado, na arbitragem a execução não é continuidade de uma fase anterior, mas uma nova relação jurídica.

Assim, em lugar do requerimento, faz-se necessária a distribuição de uma petição inicial ao juízo que seria competente para julgar a causa se não fosse a cláusula arbitral (art. 516 do CPC), podendo o exequente optar pelo juízo em que estão os bens do executado ou onde deva ser cumprida a obrigação de fazer ou de entrega de coisa (art. 516, parágrafo único, do CPC).

Os requisitos da petição inicial (art. 319 do CPC) são parcialmente aplicáveis. Faz-se necessária a indicação do juízo competente, a qualificação das partes, a exposição da causa de pedir (a existência de título executivo judicial inadimplido), o pedido (citação do executado para pagamento e as medidas de força para satisfação da obrigação) e o valor da causa. São dispensáveis os requisitos pertinentes à fase de conhecimento, que são a indicação dos meios de prova e a opção ou não pela audiência. Complementam esses requisitos aqueles específicos do cumprimento da sentença (art. 524 do CPC), quanto ao demonstrativo de cálculos e a indicação dos bens a serem penhorados. Evidentemente, a sentença arbitral – o título executivo – deve instruir a petição inicial.

Caso as partes tenham previsto confidencialidade da arbitragem, ao cumprimento da sentença pode ser atribuído o segredo de justiça (art. 189, IV, do CPC).

3. Citação e não intimação

Quando o título em cumprimento é sentença judicial, o executado é intimado, na pessoa do seu advogado, para pagar a dívida. Mas, como o cumprimento da sentença arbitral é uma nova relação jurídica, o executado deverá ser citado, pessoalmente (art. 515, § 1º, do CPC).

Dúvidas podem surgir quanto ao início do prazo. Isso porque, no cumprimento da sentença judicial o prazo iniciará apenas no primeiro dia útil subsequente a publicação da intimação no Diário Oficial (art. 224, §§ 2º e 3º, do CPC). Já no cumprimento da sentença arbitral, tendo em vista que o devedor será pessoalmente citado, debate poderá haver se o termo inicial é a realização da citação (comunicação ao devedor) ou a juntada aos autos do aviso de recebimento (quando realizada por correios) ou do mandado de citação cumprido (quando realizada por oficial de justiça).

Contudo, entendemos não haver dúvidas de que o prazo para que o executado cumpra a determinação judicial se inicia a partir do momento em que é citado, isto é, a partir do primeiro dia útil subsequente ao recebimento da carta ou do mandado de citação. Isso porque, o cumprimento da obrigação é realizado diretamente pelo executado – não há necessidade de a parte estar representada por advogados (capacidade postulatória) para pagar, entregar coisa, fazer ou não fazer (art. 231, § 3º, do CPC)[2].

Ponto ainda controvertido, não apenas para o cumprimento de sentença arbitral, mas também nos demais procedimentos executivos, reside na aplicação da nova regra de contagem dos prazos em dias úteis introduzida pelo CPC (art. 219). Isso porque, há debates quanto a natureza do prazo – se material ou processual. Por se tratar de um impasse que atinge todas as modalidades de cumprimento de sentença, não apenas a arbitral, a matéria não será aqui debatida. Basta, apenas, apontar que ainda não há um posicionamento jurisprudencial concreto quanto ao tema.

4. Não cumprimento da obrigação e falta de distinção nos honorários

Distribuída a petição inicial, o cumprimento de sentença seguirá o rito estabelecido para a execução da sentença judicial (art. 523 do CPC). Assim, será o devedor citado para cumprir com a obrigação em 15 dias, sob pena de imposição de multa e honorários advocatícios de dez por cento cada (523, § 1º).

Não há regra específica sobre os honorários advocatícios no procedimento de cumprimento da sentença arbitral ou de outros títulos judiciais que dependem de nova relação processual para execução (art. 515, VI a IX). Recorda-se que o CPC previu necessidade de citação, mas não tratou da incidência de honorários também para o caso de pagamento voluntário.

A nosso ver, seria correto o tratamento diferenciado, pela exigência de nova relação processual por consequência do descumprimento da sentença arbitral. Não se trata simplesmente de uma fase em complemento à fase anterior, como no cumprimento da sentença cível condenatória, mas sim de novo processo, dependendo da atuação de advogado. Entendemos que melhor seria a mesma solução dada ao cumprimento espontâneo da execução de título extrajudicial, em que os honorários são fixados no início (art. 827 do CPC), para redução pela metade em caso de pagamento voluntário e tempestivo.

De qualquer forma, seguindo a lei positiva, não há distinção com o cumprimento comum: a fixação de honorários ocorre somente no caso de inadimplemento do devedor. Além disso, como medida coercitiva a fim de viabilizar o cumprimento da obrigação, poderá o exequente indicar para protesto a sentença arbitral (art. 517 do CPC).

5. A defesa do executado com hipótese adicional

Assim como acontece nos demais cumprimentos de sentença, o procedimento de execução da sentença arbitral é combatido por meio de impugnação apresentada pelo executado nos próprios autos, abrangendo toda a matéria estabelecida no rol taxativo do CPC (art. 525, § 1º). Cita-se, como exemplo, a possível alegação pelo executado de inexigibilidade do título (inciso III) quando o exequente não observa a necessidade de prévia homologação da sentença arbitral estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 35 da LArb).

Especificamente em relação ao cumprimento da sentença arbitral, há uma hipótese adicional de cabimento da impugnação: a nulidade da sentença arbitral, pelos vícios graves indicados na própria lei especial (art. 32 da LArb).

Melhor explicando: a sentença arbitral não depende de homologação judicial para sua validade, mas cabe ao juiz controlar o respeito a garantias inafastáveis do processo de arbitragem, desde que provocado por meio de uma ação judicial com pedido anulatório da sentença arbitral, como prevê o art. 33. No prazo decadencial[3] de 90 dias da ciência da sentença arbitral, o interessado pode exercer seu direito de anular a sentença arbitral, portanto.

Nesse mesmo art. 33, o § 3º prevê a possibilidade de a nulidade da sentença arbitral ser suscitada por meio da impugnação ao cumprimento da sentença, em defesa do executado contra a execução de sentença nula.

A dúvida que imediatamente surge é quanto à aplicação do prazo de 90 dias também na impugnação. Em outras palavras: caso o exequente promova a execução depois de 90 dias, ainda assim poderia o executado suscitar a nulidade da sentença arbitral para esquivar-se do cumprimento da obrigação?

CAHALI[4], CARMONA[5] e NASSER[6] entendem que o prazo de 90 dias também é pertinente à impugnação. Sustentam que, para privilegiar a segurança jurídica, limita-se a temporalmente a possibilidade de se reconhecer a nulidade da sentença arbitral. Esgotado tal prazo, a sentença arbitral seria hígida e exequível, ficando convalidadas todas as nulidades.

Embora sedutora a tese, e mesmo reconhecendo a grandeza dos doutrinadores que a sustentam, nosso objetivo é propor uma reflexão. Será que não poderíamos equiparar a impugnação por nulidade da sentença arbitral com a impugnação da sentença judicial por inexigibilidade decorrente do reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF?

Veja-se que, em impugnação, o executado pode alegar que o título é inexigível quando o STF entender por inconstitucional o fundamento legal que conduziu a sentença exequenda naquele sentido. Caso o acordão do STF seja anterior à sentença em execução, e caso esta tenha sido proferida mais de dois anos antes da impugnação, ainda será possível suscitar a inexigibilidade por impugnação, ainda que não caiba mais ação rescisória.

A nosso ver, em caso de sentença judicial, o interessado tem dois anos para rescindi-la, mas pode oferecer impugnação por inconstitucionalidade mesmo esgotado o prazo para rescisória. Isso ocorrendo, a sentença permaneceria existente, mas não seria exigível.

O mesmo não poderia ocorrer na arbitragem? O interessado tem 90 dias para anular a sentença arbitral por ação própria. Mas, ainda que não o faça em tal prazo, não poderia suscitar a nulidade em impugnação? Isso ocorrendo, a sentença arbitral permaneceria existente, mas não seria exigível.

O que impede o tratamento que estamos propondo? Fica a provocação à reflexão.


Notas e Referências:

[1] Art. 515, VII, do CPC/2015; art. 475-N, do CPC/1973 conforme Lei 11.232/2005; art. 584, IV, do CPC/1973 conforme Lei 10.358/2001; art. 584, III, do CPC/1973 alterado pela Lei 9.307/1996.

[2] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 402. - Araken II, I, 1438 – idem

[3] NASSER, Paulo Magalhães. Apontamentos sobre o desenvolvimento da arbitragem comercial e o controle da legalidade das sentenças arbitrais por meio de ação anulatória e impugnação ao cumprimento da sentença. In Arbitragem: estudos sobre a lei n. 13.129, de 26-5-2015 (Coord. Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 486;  SYLVESTRE, Fabio Zech; LIMA, Tiago Asfor Rocha. Aspectos processuais da ação de nulidade de sentença arbitral: perspectivas reformistas. In Arbitragem: estudos sobre a lei n. 13.129, de 26-5-2015 (Coord. Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire). São Paulo: Saraiva, 2016, p. 577-578.

[4] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 317.

[5] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 430-431.

[6] NASSER, Paulo Magalhães. Apontamentos sobre o desenvolvimento da arbitragem comercial e o controle da legalidade das sentenças arbitrais por meio de ação anulatória e impugnação ao cumprimento da sentença. In Arbitragem: estudos sobre a lei n. 13.129, de 26-5-2015 (Coord. Francisco José Cahali, Thiago Rodovalho, Alexandre Freire). São Paulo: Saraiva, 2016, p 487.


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