Coordenador: Ricardo Calcini
A figura do parcelamento de débito surgiu em nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal nº 11.382/2006, com as chamadas “ondas de reformas” do CPC de 1973. O objetivo de tais reformas foi conferir maior efetividade ao Processo Civil da época. Tal diploma legal acrescentou o at. 745-A ao CPC, dispondo:
“No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.
§ 1º Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exequente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito.
§ 2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.
Citado instituto ficou conhecido, segundo doutrina abalizada, como moratória legal (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol 2. p.445, 2008).
Com o fervilhar do novel instituto, inúmeras discussões vieram à baila, notadamente acerca da obrigatoriedade de deferimento pelo Poder Judiciário, uma vez preenchidos os requisitos legais; ou acerca de tratar-se de discricionariedade do exequente; ou de direito potestativo do executado.
Na mesma linha, em razão de tormentosa omissão, se tal instituto aplicar-se-ia tanto na fase sincrética do cumprimento de sentença ou se somente na execução extrajudicial autônoma.
Dividiram-se doutrinas e jurisprudências. Tendo daquelas quem admitisse ser discricionariedade do exequente, como também quem defendesse tratar de direito potestativo do executado. Outra vertente, também, posicionando sobre tratar-se de análise efetiva/ativa do Estado-Juiz. No que tange à jurisprudência, também sobressaíram defensores de ambas as posições.
O STJ, segundo o informativo 479, através de sua 4ª Turma, no julgamento do REsp 1.264.272-RJ, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, em 15/5/2012, afirma que o credor pode se recusar a receber de forma parcelada, desde que a resistência não seja abusiva.
Não solucionadas as divergências do novel instituto no processo civil, a discussão ultrapassou as barreiras do processo comum, adentrando também na seara do processo do trabalho. Inicialmente, discutiu-se acerca do seu cabimento ou não na processualística juslaboral.
É sabido, que a CLT possui, em seu Capítulo V, do Título X, disposições sobre o processo executivo. Mais ainda, dispõe o art. 889 que:
“Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.”
Assim sendo, analisando o artigo em cotejo, em havendo omissões no diploma consolidado, e não sendo caso de incongruências/incompatibilidades, utilizar-se-á primeiramente as disposições da Lei Federal nº 6.830/80, para, somente em ainda havendo omissão, recorrer-se ao processo civil comum.
Como a presente análise não se cinge ao cabimento ou não do instituto na seara juslaboral, adianto-lhes a perfeita aplicação do instituto no processo do trabalho. Por todos, cabe citar:
“AGRAVO DE PETIÇÃO. PARCELAMENTO DO CRÉDITO EXEQUENDO. ART. 745-A DO CPC. O parcelamento do débito prestigia os princípios da economia e celeridade processual e representa a possibilidade do executado, para garantir a sua subsistência, quitar seu débito de forma parcelada, ainda que sem anuência do credor, pois não há redução do seu crédito e o dispositivo não faz nenhuma menção em necessidade de concordância do exequente. Trata-se de ato discricionário do juiz da execução, amparado na livre direção do processo. Agravo de petição a que se dá parcial provimento.” (TRT-2 - AP: 00108000620045020313 SP 00108000620045020313 A20, Relator: MARGOTH GIACOMAZZI MARTINS, Data de Julgamento: 20/01/2015, 3ª TURMA, Data de Publicação: 27/01/2015).”
Para apimentar ainda mais nosso tema, aos 18 de março de 2016, entra em vigor o NCPC. Tal diploma revolucionário (tanto evolutivamente, quanto involutivo em alguns institutos) mantém a previsibilidade do instituto agora em seu art. 916, verbis:
“Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
§ 1º O exequente será intimado para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput, e o juiz decidirá o requerimento em 5 (cinco) dias.
§ 2º Enquanto não apreciado o requerimento, o executado terá de depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento.
§ 3º Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada, e serão suspensos os atos executivos.
§ 4º Indeferida a proposta, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito, que será convertido em penhora.
§ 5º O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente:
I - o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos;
II - a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.
§ 6º A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos.
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.”
A real discussão, atualmente, é sobre tratar-se de direito potestativo do executado ou discricionariedade do exequente? Indo um pouquinho mais além, é possível que haja um terceiro gênero? Vejamos.
Para aqueles que defendem tratar de direito potestativo do executado, a tônica da razão era a mera análise da literalidade do texto legal e o preenchimento dos requisitos objetivos dispostos no revogado art. 745-A do CPC/73.
Essa era a posição majoritária nas doutrina e jurisprudência processual civil pátrias. Embora no REsp citado alhures, o Eg. STJ relativizava e tendia a mostrar uma nova face desta moeda. Embasava também tal posição a efetividade processual (art. 5º, LXXVIII, CRFB), bem como o princípio da menor onerosidade (art. 620, CPC/73; art.805, NCPC/15).
Lado outro, eriçado na posição do STJ, havia quem sustentava tratar-se de discricionariedade do exequente, já que este é o titular do crédito a ser recebido.
Numa análise um tanto quanto apressada do atual CPC, nota-se que a participação do exequente no instituto do parcelamento tomou lugar de destaque, consoante dispõem os §§1º e 2º do art. 916 supra.
Talvez essa efetividade, para alguns, representou posição de destaque fazendo com que o instituto, a partir de então, transformasse em direito discricionário do exequente, já que lhe coube expressa necessidade de manifestação.
Quanto a aplicação na área processual juslaboral, a indiscutibilidade do cabimento se mantém. Todavia, colhe-se julgados para ambos os lados, quer como direito potestativo do executado, quer como discricionariedade do exequente.
Entretanto, sugiro, caros leitores, aventarmos um terceiro gênero entre os pontos absolutos da potestatividade e da discricionariedade. E por quê? Por uma simples razão: em Direito, dificilmente conseguimos nos posicionar em um único lado da balança. Quase sempre, esse desnível acaba por representar aplicação efetiva jurídica, mas desmedido de Justiça. Alcançar o equilíbrio, talvez seja uma das coisas mais complexas para nós operadores. Contudo, o sentimento de pacificação social chega no ou mais próximo do ideal. Somos idealistas por essência!
A natureza do crédito trabalhista possui natureza alimentar. Tal característica, de per si, nos exige um cuidado maior para com o que é ou será do outro. No prisma oposto, também não se pode deixar ao relento o patrimônio empresarial, posto que necessário ao desenvolvimento econômico e social.
Fazendo uma leitura mais detida dos dispositivos constante do art. 916 do NCPC, percebe-se uma participação mais efetiva das partes, polos opostos de uma demanda, mas também há ressalto da figura imparcial do Estado-Juiz.
O novel diploma nos oferece a ocorrência de um terceiro gênero, agregando os conceitos herméticos vistos aos novos abertos da cooperação/da boa-fé/paridade de tratamento.
É necessário fazer uma interpretação sistêmica do art. 916 com os comandos dos arts. 5º, 6º e 7º do NCPC. Veja:
Art. 5o: Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6o: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7o: É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Assim sendo, não se pode, atualmente, deixar ao alvedrio de uma única parte a condução de um processo. Pensem nas seguintes hipóteses (embora raras, mas possíveis):
1) de um lado temos um exequente que não necessita, em tese, do crédito oriundo da relação laboral imediatamente – jogador de futebol bem sucedido – mas, por questões pessoais, resolve prejudicar seu clube anterior, que não possui condições de pagar à vista o crédito, nem possui bens suficientes a garantir o processo, ou, caso o fazendo, restará prejudicado no desempenho de suas atividades;
2) de um lado temos um exequente, trabalhador comum, que encontra-se desesperado para receber seus créditos, de natureza alimentar, e de outro uma grande empresa multinacional, bem estabelecida financeiramente, mas que requer o parcelamento do débito no sentido único de prejudicar seu ex-funcionário procrastinando o feito.
Percebemos nos exemplos acima que a prevalência da potestatividade do executado ou da discricionariedade do exequente revelam verdadeiros estereótipos de injustiça ou de engessamento jurídico. Aplicações legais, mas que não correspondem ao espírito justo e cortês descritos nas normas fundamentais do processo civil (arts. 5º ao 7º citados).
Assim, entendemos que necessária é a participação efetiva dos atores processuais; necessária é a condução eficaz do processo pelo Estado-Juiz. Por isso o chamamento para uma análise mais relativizada do terceiro gênero, donde ora se vê a potestatividade do executado, preenchendo os requisitos legais exigidos pelo art. 916 do NCPC, ora se vendo a discricionariedade do exequente no sentido de brecar uma injustiça travestida de legalidade.
Para tanto, pode-se valer dos chamados postulados normativos, como bem os cita o grande Humberto Ávila ao discorrer sobre o princípio da proporcionalidade, considerando-o como “norma de segundo grau”, que não impõe um fim ou comportamento específico, pré-definido, mas que ajuda a estruturar a otimização e efetivação de princípios e regras.
Nesta toada, a participação do Judiciário se mostra de grande valia, pois a este cabe estancar ilegalidades ou injustiças de forma imparcial, célere e efetiva.
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