1. Nos dias de pandemia, muitas palavras passaram a ter uso mais frequente. Várias, efetivamente, são novas. Algumas inovam e avançam, em termos de civilidade. Outras nos desviam ou levam a nenhum lugar. Quase todas, talvez, já fossem do conhecimento e compreensão do leitor. Uma pequena lista, certamente, inclui:
a) empatia automática e empatia cognitiva, neurocientista Claudia Feitosa-Santana[i]
b) meritocracia, provável sátira de Michael Young, do Reino Unido[ii]
c) necropolitica, Mbembe Achille, de Camarões agora radicado na África do Sul[iii]
d) agnotologia, Robert Proctor, dos Estados Unidos[iv]
e) desmodernização, Marcio Pochmann[v]
f) algoritimização do comportamento, Ana Frazão[vi]
g) etc.
2. No direito civil, no tema da responsabilidade civil, existem novas descobertas. Pietro Perlingieri concedeu entrevista ao Professor Gustavo Tepedino, no Rio de Janeiro, poucos meses antes da pandemia. Ele expos o que pode vir a ser “responsabilidade subjetiva tecnológica”.[vii]
No mesmo evento, ao examinar a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados, Ana Frazão[viii] alertou para a realidade da inteligência artificial ou, bem antes disto, já hoje, sobre o uso de grande número de dados. A mesma Professora, em evento mais recente, tratou da verdadeira “dadificação” de nosso cotidiano.[ix] Mencionou a necessidade de algo semelhante a um devido processo legal, nas relações privadas.
3. No direito processual civil, mais de um doutrinador tem estudado o “processo estrutural” ou estruturante. Estamos muito além das controvérsias entre Caio e Tício, como apontam três lúcidas aulas:
h) Fredie Didier[x]
i) Edilson Vitorelli[xi]
j) Thais Paschoal[xii]
Um exemplo atual de processo ou medida estrutural está na fala do Ministro Edson Fachin, sobre “Observatório”, para acompanhamento da atuação policial, no Rio de Janeiro.[xiii]
Em direito de família, mais do que cumprimento da decisão, se busca a reconstrução dos laços ou “revinculação”, em experiência no mesmo Rio de Janeiro, em certos casos especiais.[xiv]
4. No direito processual recursal, civil e do trabalho, avançamos na busca da melhor definição de: distinção, superação, afetação e desafetação, sobrestamento e dessobrestamento, superação parcial e superação prospectiva, fazendo-se o registro de duas falas, em 2021, deste signatário sobre uniformização de jurisprudência.[xv]
Georges Abboud, ao tratar da uniformização de jurisprudência e os precedentes, bem percebeu a diferença entre somatórios de votos individuais e elaboração coletiva, propriamente dita. Com incomum atenção, assinalou, ainda, a diferença entre vinculação decisória e “vinculação argumentativa”.[xvi]
5. No direito do trabalho, na Espanha já se cuidou de desfazer a aposta exagerada na limitação temporária dos contratos.[xvii] Trata-se, agora, da derrogação de vários aspectos da anterior reforma, “precarizante” das relações de trabalho.[xviii]
6. No direito coletivo do trabalho, igualmente na Espanha, se retomou o debate sobre “ultratividade”. Efetivamente, é inviável, a cada nova norma coletiva, ano a ano, renovar as tratativas sobre a totalidade das cláusulas.
A Lei 8.542, ao tempo do Presidente Itamar Franco, chegou a estabelecer que haveria manutenção, salvo se o contrário fosse negociado.[xix]
Recorde-se que, até mesmo, na proposta do Presidente Michel Temer, de dezembro de 2016, igualmente, chegou a constar.[xx] Este debate nunca esteve encerrado, entre nós.[xxi]
7. No direito tributário é do conhecimento de que a inadimplência e/ou valores em controvérsias judiciais são próximos a um terço do PIB nacional, no dizer da Professora Danielle Nascimento.[xxii]
A fragilidade dos Estados e a riqueza de grandes empresas já levou a que seja proposta uma atuação internacional. Tratou-se da viabilidade de “impostos mundiais”, em reunião dos líderes das vinte nações mais ricas.[xxiii]
8. No direito penal, questiona-se a grandiosidade dos números de presos. Nos Estados Unidos, existe um percentual pequeno de funcionários profissionais e, portanto, maior suscetibilidade ao populismo punitivo, no dizer de David Garland. Lá, são mais de 2 milhões de presos e ainda o dobro em figuras similares à liberdade condicional. Na soma, são “6 ou 7 milhões”.[xxiv]
Aqui, no Brasil, os números são menores, todavia, as ideias de “encarceramento em massa” os tem elevado.[xxv] Somos o terceiro País, após EUA e Índia, em números de presos.[xxvi]
9. Pontes de Miranda, quanto a evolução mais geral do Direito, ensinou que certos fatos passam a ser relevantes para a sociedade e adentram para o mundo do Direito.[xxvii]
Nos dias atuais, cresce o número destes e muitos outros na zona limítrofe. Com frequência crescente, é oportuno que sejam examinados. A simples negação não é a melhor escolha.
Notas e Referências
[i] Com Prefácio da Monja Coen in https://www.amazon.com.br/controlo-como-sinto-neuroci%C3%AAncia-construir-ebook/dp/B09HXXTLY5/ref=sr_1_3?adgrpid=1141293728062196&hvadid=71330938714199&hvbmt=bp&hvdev=c&hvlocint=146886&hvlocphy=685&hvnetw=o&hvqmt=p&hvtargid=kwd-71331395734141%3Aloc-20&hydadcr=18624_11110746&keywords=feitosa&qid=1643545527&sr=8-3
[ii] https://factotumcultural.com.br/2019/09/02/o-livro-que-criou-o-termo-meritocracia-e-uma-distopia/
[iii] https://www.scielo.br/j/ha/a/CkxcntW87JwfkN8PbMJMNcH/?format=pdf
[iv] https://cartacampinas.com.br/2021/10/agnotologia-uma-nova-ciencia-que-estuda-a-producao-da-ignorancia-de-forma-intencional/
[v] https://outraspalavras.net/crise-brasileira/pochmann-o-fantasma-da-desmodernizacao/
[vi] http://www.professoraanafrazao.com.br/pt/sobre
[vii] https://www.youtube.com/watch?v=k3h7-UrQ5bs momento 10min.
[viii] https://www.youtube.com/watch?v=1pUNH3G_0OM
[ix] https://www.youtube.com/watch?v=I4i-TYvqQHc momento 8min.
[x] https://www.youtube.com/watch?v=tisgz3Ziv2I
[xi] https://www.youtube.com/watch?v=c8qNfsaBtsM
[xii] https://www.youtube.com/watch?v=Sa11zGtDFvk havendo indicativo, ao final, para um segundo vídeo complementar.
[xiii] https://www.youtube.com/watch?v=WHnQXm2T620 na continuidade do julgamento da ADPF 635, momento 21min.
[xiv] Glicia Brazil, “Psicologia Jurídica – a criança, o adolescente e o caminho do cuidado na Justiça”, São Paulo: Editora Foco, 2022, página 190.
[xv] https://www.youtube.com/watch?v=yn0sfynr2GQ&t=967s e sobre o mesmo tema, igualmente, com o Professor Sandro Lunard, em https://www.youtube.com/watch?v=teEPzg8MeDk&t=36s
[xvi] https://www.youtube.com/watch?v=LeyxEPXTtVA&t=1s momentos 13min e 29min respectivamente.
[xvii] https://elpais.com/economia/2021-12-23/asi-es-la-nueva-reforma-laboral-freno-a-la-temporalidad-limites-a-las-subcontratas-y-flexibilidad-para-las-empresas-en-crisis.html
e, também nestes final e início de anos,
https://www.elmundo.es/economia/2021/12/30/61cd63a3fdddff06128b4572.html
[xviii] https://www.cope.es/programas/la-linterna/el-tema-del-dia/noticias/que-consecuencias-puede-tener-derogacion-reforma-laboral-20200521_729956
e, de Antonio Baylos, em
[xix] https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/35824/2012_sumula_277_aclc_kma_mgd.pdf?sequence=3&isAllowed=y com exame desta Lei 8.542, de 1992, art 1º, § 1º, a partir da página 36, pelos Ministros do TST Augusto Cesar Leite de Carvalho, Katia Magalhães Arruda e Mauricio Godinho Delgado.
[xx] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1520055&filename=PL+6787/2016 expressamente com a proposta de uma nova redação do art 611-A, inciso VI, da CLT, prevendo “ultratividade da norma ou do instrumento coletivo de trabalho da categoria”.
[xxi] https://www.diap.org.br/index.php/noticias/noticias/89850-adin-s-sobre-ultratividade-de-convencoes-coletivas-de-trabalho-sao-julgadas-prejudicadas
[xxii] https://www.youtube.com/watch?v=sBxZM8k5nu4 momento 13min.
[xxiii] https://www.youtube.com/watch?v=1rHML587KwA
[xxiv] "Para além da cultura do controle - Debates sobre delito, pena e ordem social com David Garland", Porto Alegre: Editora Aspas, 2020, Organizador Máximo Sozzo, apresentação da edição em português por Ney Fayet Junior e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, páginas 373 e 453.
[xxv] https://www.gov.br/pt-br/noticias/justica-e-seguranca/2020/02/dados-sobre-populacao-carceraria-do-brasil-sao-atualizados e ainda em dados um pouco anteriores, mais completos, e indicativo do motivo, https://g1.globo.com/politica/noticia/um-em-cada-tres-presos-do-pais-responde-por-trafico-de-drogas.ghtml
[xxvi] https://noticiapreta.com.br/brasil-ocupa-a-3a-posicao-no-ranking-de-paises-com-mais-presos-no-mundo-considerando-o-numero-absoluto-de-detentos/
[xxvii] https://lawcat.berkeley.edu/record/233944?ln=en e, igualmente, disponível em
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:livro:1981;000056650
Imagem Ilustrativa do Post: Figures of Justice // Foto de: Scott Robinson // Sem alterações
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